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'Homem de esporte grosseiro pode tratar naturalmente um filho gay', diz Popó

Em entrevista com o irmão Luis Claudio Freitas, os dois falam da relação que têm com os filhos homossexuais e da decepção do ex-boxeador com a política

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Retrato em dupla exposição do ex-boxeador Popó

Retrato em dupla exposição do ex-boxeador Popó Eduardo Knapp/Folhapress

O ex-campeão mundial de boxe Acelino “Popó” Freitas, 44, se desiludiu com a política. “A população é muito corrupta”, diz ele. “Ela consegue ser até mais corrupta que o próprio político. Ela só quer o seu voto se você der uma dentadura, uma cesta básica, um material de construção, bola, colete.”

Deputado federal entre 2011 e 2014, Popó logo tentou a reeleição ao cargo e, no ano passado, fez nova tentativa. Não conseguiu em nenhuma das vezes. “Não tinha dinheiro. Sem dinheiro, você não vai. ‘E aí, vai me dar quanto pra gente conseguir um monte de voto aqui no bairro?’. ‘Não tenho’, eu respondia. ‘Então, tchau. Tem outro aqui fazendo oferta pra gente’.”

O ex-boxeador cresceu em uma família pobre dividindo uma casa de 10 metros quadrados com os pais e dois irmãos na região de Baixa de Quintas, em Salvador (BA). “Em bairro de classe humilde, você vê pessoas morrendo, seus amigos de infância nas drogas, então a gente está propício a tudo, né? Meu pai era alcoólatra, fumava muito, aquela coisa toda. As drogas passavam do nosso lado. Mas ninguém bebia nem fumava entre eu e meus irmãos”.

Um deles é Luis Claudio Freitas, 52, quem ensinou boxe ao caçula. “No início, o Popó apanhava muito na academia. Mas aí eu ficava chateado, pegava os caras e batia neles”, recorda, ao entrar na sala onde a entrevista ocorria.

Em uma casa de eventos na Barra Funda, em SP, os dois lançavam a série “Irmãos Freitas”, sobre eles, que irá ao ar a partir do dia 20 de outubro, em oito episódios, no canal Space. Popó é interpretado pelo ator Daniel Rocha, e Luis Claudio, por Rômulo Braga.

O irmão mais velho adora relembrar os causos da vida antes da glória. Conta com brilho nos olhos sobre as brincadeiras na rua como esconde-esconde, jogos de bola de gude, ou de quando se escoravam à beira das janelas dos vizinhos para assistir ao Pica-Pau nas televisões alheias. “E se batiam a janela na nossa cara, a gente voltava no dia seguinte”, intervém Popó.

“Nossa mãe trabalhava fazendo cabelo, faxina, e eu era quem olhava meus irmãos. Então nossa vida era essa aí. Muita gente criticava, dizia que a gente era abandonado, que amanhã ou depois a gente iria usar droga”, diz Luis. “É estranho saber que nossa vida virou cinema”, admite.

Ele se emociona ao se dar conta disso. É nostálgico. Mas nem Luis nem Popó sabem o que essa palavra significa. “Pera aí, fala português!”. “Você xingou a gente de tudo agora e a gente não entendeu”, dizem os dois, aos risos, para o repórter.

Popó abandonou os estudos na 4ª série do Ensino Fundamental, aos 14 anos, para se dedicar às lutas. Em 2007, concluiu um curso supletivo e foi aprovado em um vestibular de direito. Fez seis meses de curso. “Apenas por realização pessoal”, conta.

 

Seu irmão nunca aprendeu a ler nem a escrever. Hoje, faz aulas de português em casa.
Juntos, rodaram o mundo por causa das lutas de Popó. Gostavam de levar com eles dona Zuleica Freitas, a mãe.

“Ela conhece Miami, Nova York, Los Angeles, Las Vegas. Na primeira viagem, só queria perfume. Se você oferecer um Jequiti pra ela, ela não quer não. Só quer Dolce & Gabbana, Chanel”, ri o ex-boxeador.

“Ela é cheia dos perfumes. Já falou que, quando morrer, a única coisa que ela quer é que derramem todo o perfume no caixão dela. Não quer correr o risco de alguém roubar.”

Dona Zuleica criou dois filhos com personalidades distintas. “Eu tenho seis filhos com uma mulher só”, diz Luis. “Eu tenho seis filhos com cinco mulheres”, contrapõe Popó. 

O ex-boxeador justifica o comportamento pela criação que recebeu do pai, Niljalma Ferreira. “Ele teve 16 filhos com três mulheres. Para ele, homem que é homem tem que comer uma mulher hoje e outra amanhã”. E diz que, se um de seus irmãos “fosse veado”, seu pai “daria porrada” e o “mandaria embora”.

Popó tem um filho gay. “Ele também tem!”, diz, apontando para Luis, que responde, aos risos: “Mas pera aí, pera aí. O dele é mais gayzão mesmo. O meu é bi. Ele pega mulher e pega homem, né”.

Luis afirma pedir cuidado ao filho. “Com as saídas nas boates principalmente. Tem uns caras que não gostam de gays, gostam de bater, tocar fogo. Fico preocupado com isso”.

Ele diverte Popó ao relembrar uma cena que ocorreu na semana passada em sua casa, em Salvador. “Eu saí do quarto e dei de frente com o namorado do meu filho tirando espinha na cara dele. Rapaz. Aí eu fiquei num nervoso tão grande, que eu voltei pro quarto e falei: ‘Sandra [mulher de Luis], por favor, dê uma olhada naquela cena, que coisa ridícula”.

Popó aproveita para relembrar quando descobriu a homossexualidade de seu filho. “Eu sou um pai tão moderno, que um dia chegaram para mim: ‘Vem cá, você sabia que o Juan é gay?’. ‘É? Sabia não’, eu respondi.”

“Aí eu fui perguntar para ele: ‘Juan, me falaram que você queima de ré. É verdade?’. Ele me disse que sentia atração por homens. Três meses depois, me apresentou um namorado. Pensou que eu ia brigar com ele. ‘Não, ué’.”

Em apoio ao filho, Popó diz que, nas eleições do ano passado, fez campanha pela defesa dos direitos LGBT. “Quero mostrar para a sociedade que um homem de um esporte masculino, de um esporte grosseiro, pode tratar naturalmente um filho gay.” 

“As pessoas têm que respeitar a orientação sexual das outras. Se você não gosta, saia. Deixe as pessoas serem felizes. Ser gay não é ser bicho. É ser livre.”

A relação de Popó com todos os filhos, segundo ele, é boa. “Mesmo quando eu viajava muito, sempre que podia, eles ficavam uma semana comigo, outra com a mãe.” 

“Sempre fui de dar atenção, a melhor escola, o melhor plano de saúde. E, graças a Deus, nunca tive nenhum problema judicial com nenhuma das mães.”

Afirma que ajuda os filhos também a pagarem seus próprios apartamentos —como fez com a mãe há 20 anos, quando ganhou o primeiro dos quatro títulos mundiais de boxe. Tirou os familiares do casebre, que era menor que um ringue, e os levou para uma casa de três quartos.

Hoje, administra academias na Bahia com o irmão e incentiva crianças a treinarem disponibilizando transporte e equipamentos. Diz acompanhar também o desenvolvimento do boxe feminino. “Não é um esporte tão valorizado. Não falo só boxe. Até o futebol. Você vê a briga da última Copa feminina para a gente mostrar que o futebol aqui é forte”, afirma.

“Mas, infelizmente, as pessoas não têm essa concepção de que mulher não é só dentro de casa. Ela não tem que andar atrás. Ela anda do lado.”

Mora em Palmas (TO) com a noiva, a médica Nathália Pires, mas deseja voltar a Salvador para ficar mais perto da família e dos negócios. “Quero comer a feijoada da minha mãe”, afirma ele.

Ao lado de Luis, Popó conversou o tempo inteiro cercado por um telão que exibiria o primeiro episódio da série, fotos de sua carreira e luvas que vestiu em lutas vitoriosas. Uma parede alta e escura estampava uma frase proferida por sua mãe: “Essas mãos ainda vão levar a gente às alturas”.

Decidiu refletir. “Foi tudo positivo. Não teve nenhuma esquiva em que eu esbarrei em algum soco nessa vida. Não só eu, como meu irmão. A gente se esquivou de tudo e de todos para estar aqui hoje.”

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