Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Livro narra as histórias loucas e comoventes de Boechat

Um dos jornalistas mais reconhecidos do país, ele arrancava risos e lágrimas, socorria amigos e ouvintes e até chegou a levar um deles, desconhecido, para dormir em sua casa

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O âncora chegava às 7h na BandNews FM, dava bom dia e se acomodava no estacionamento para ler os jornais 

O âncora chegava às 7h na BandNews FM, dava bom dia e se acomodava no estacionamento para ler os jornais  Arquivo pessoal

A coleção de histórias inacreditáveis da vida de Ricardo Boechat é tão vasta que, depois da morte dele, em fevereiro, aos 66 anos, acabou virando um livro: “Eu Sou Ricardo Boechat” (Panda Books), dos jornalistas Eduardo Barão e Pablo Fernandez, que conviveram por mais de uma década com ele na BandNews FM. A obra será lançada na segunda (9) e traz episódios definidos como os clássicos do âncora.

As situações inusitadas criadas por Boechat causavam perplexidade, emoção —e quase sempre uma explosão de gargalhadas. Um de seus hits era contar no ar as histórias da mãe, dona Mercedes, 87— quem a conhece sabe que Boechat tinha de quem puxar.

Em 2010, ele cobria a Copa do Mundo na África do Sul e narrou, no ar, um assalto que a mãe e a mulher dele, Veruska, tinham acabado de sofrer. 

“Quatro caras entraram na Casa do Churro do Tatuapé, onde a minha mãe obrigou minha mulher a ir porque ela leu em algum lugar que eram churros ótimos. Chegaram lá, um lugar aberto, sem porta, um frio do cão, em uma esquina erma, um breu! Comeram os churros”, narrava Boechat, repetindo o que Veruska dizia a ele pelo telefone.

De repente, um dos assaltantes vai até Veruska e pede a bolsa dela. “E minha mãe, Mercedes, começou a xingar em espanhol. Aí, a Veruska mandou a babá sair com as meninas [as duas filhas caçulas de Boechat, Valentina e Catarina]. Enquanto isso, a minha mãe corria para bater nos bandidos.” Gargalhadas no ar.

Dona Mercedes gritava com os ladrões e com todos os que não reagiam ao assalto: “Hijos de una puta!”. Depois, foi ao shopping: os assaltantes levaram os sapatos dela embora.

​Boechat chegava todos os dias às 7h na Band, em seu velho Twingo, e seguia o ritual: dava bom dia a todos e se sentava com Pablo, editor do programa, em um cano do estacionamento. “Ali, no chão mesmo, ele despejava todos os jornais”, relembra o jornalista.

“Com café tomado, cigarro fumado e notícias lidas, voltava para a redação”, lembra o livro. Abria o estúdio e começava o programa: “Bom dia, bom dia, eu sou Ricardo Boechat, essa é a BandNews FM...”.

O Twingo era uma paixão e ele teve dois modelos do carro. O primeiro, de cor prata, “era um lixão a ponto de a Doce Veruska [como Boechat chamava a mulher] se recusar a andar nele”, relatam os autores. Estava todo batido, o banco não inclinava, uma das portas não abria “e até mesmo restos de comida em potes de iogurte dividiam o espaço com Boechat dentro do veículo. Era um horror!”.

Certo dia o âncora mostrou, “todo feliz”, que o carro abrigava um formigueiro _”isso mesmo, um monte de formigas”. O Twingo teve a morte decretada pelo mecânico, foi desmontado e transformado pelo artista Alê Jordão em peças de arte que rodaram o Brasil. Boechat comprou outro, roxo.

Na década de 80, Boechat vivia em Niterói com a primeira mulher e os filhos mais velhos e sequer tinha carro. Ele era secretário estadual de Comunicação do Rio de Janeiro, na gestão do então governador Moreira Franco (o pior período de sua vida, segundo contava a Barão e a Pablito).

Na manhã de um sábado qualquer, pediu o carro da atriz Maitê Proença emprestado  —Boechat era padrinho da filha dela com o empresário Paulo Marinho, um de seus melhores amigos. Saiu dirigindo o Monza novinho pela ponte Rio-Niterói. Detalhe: de bermuda, camiseta, chinelo de dedo e sem carteira de habilitação— que ele não tinha.

Foi parado pela polícia. “Por favor, a habilitação.” E Boechat: “Olha, seu guarda, eu não tenho, não”. Sai do carro. Ele é seu? “É da minha comadre, Maitê Proença.” Foi preso.

Boechat detestava redes sociais, não usava WhatsApp e só andava de táxi. Ou na garupa de motoboys quando estava morrendo de pressa. 

Vivia perdendo avião. Vivia perdendo óculos —tinha uma coleção deles, comprados em farmácias ou em bancas de jornais. Certa vez, encontrou as lentes dentro de um de seus sapatos. Chegou a esquecer uma das filhas, Paulinha, numa praia —voltou correndo e ela brincava no mesmo lugar. 

Perdeu a aliança de casamento e entrou em desespero: ele ia apresentar o Jornal da Band, na TV, e Veruska, espectadora fiel, descobriria o desastre. Pegou a aliança de um produtor emprestada e entrou no ar.

Detestava chefes, amarras, padrões. Era muitas vezes implacável com quem exercia algum tipo de influência e poder. Mandou o pastor Silas Malafaia “procurar uma rola” quando o religioso o desafiou para um debate sobre intolerância. 

Cortou o microfone de um advogado de PMs acusados de matar uma jovem —o defensor começou a falar mal dela no ar. “Você é vagabundo!”, reagiu Boechat. Sofreu centenas de processos. Perdeu apenas um. 

O foco de sua atuação eram os ouvintes. Dava o número de seu celular no ar —e recebia milhares de telefonemas e mensagens de SMS.

Um dia, uma ouvinte contava na rádio o seu drama pessoal: tinha comprado 200 frangos para vender no dia da visita do papa ao Rio, em 2013, na Jornada Mundial da Juventude. A chuva inundou a região de Guaratiba e o evento foi transferido para Copacabana.

Boechat perguntou quanto tinha custado cada frango: R$ 3,00. “Está barato esse frango”, comentou. A mulher se revoltou. “Estou aqui ‘fudida’, perdi tudo”, e Boechat ficava rindo. Ele pediu desculpas. Fora do ar, anotou a conta bancária da senhora. Transferiu o dinheiro dos frangos e a livrou do prejuízo.

Certa vez, deu assistência a um menino que tinha uma doença degenerativa. O pai havia procurado a rádio e Boechat o ajudou a vir a SP para uma consulta. A família teve problema com o hotel. “Sem pensar duas vezes, Boechat levou o pai e a criança para dormirem na casa dele”, relata o livro.

No dia do dramático acidente de helicóptero que interrompeu a sua vida, multiplicaram-se as histórias de ouvintes anônimos a quem Boechat ajudara sem nada pedir em troca. Eram pessoas para quem ele emprestou dinheiro ou com quem simplesmente tirou uma foto. 

Depois da tragédia, Veruska foi ao banco onde o marido mantinha conta. A gerente revelou que ele pagava diversas mensalidades de universidades e pelo menos quatro planos de saúde a pessoas que mal conhecia —mas em quem havia acreditado e decidido socorrer. Era, como define o livro, “uma espécie de segredo que só quem era ajudado poderia agradecer”.

Lançamento "Eu Sou Ricardo Boechat" em São Paulo
Seg. (9): às 18h30 na Livraria da Vila (Alameda Lorena, 1731)

Lançamento "Eu Sou Ricardo Boechat" no Rio de Janeiro
Qua. (11): às 18h30 na Livraria Travessa do shopping Leblon (Avenida Afrânio de Melo Franco, 290)

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