Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo
Descrição de chapéu Alalaô

Pagode baiano é som de favela e sofre preconceito, diz Léo Santana

Artista mais popular da Bahia neste Carnaval, ele diz que só quem vive sabe o que é comandar a multidão em cima do trio

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Salvador

Ainda era o primeiro dia oficial do Carnaval de Salvador. Mas uma multidão fervilhava no circuito do Campo Grande no início da noite de quinta-feira (20). Em cima do trio elétrico, o cantor Léo Santana, 31 anos e dois metros de altura, erguia os braços e acenava para o público.  

 
No chão da avenida, gritos agudos de fãs eufóricas. Público cativo que saiu dos quatro cantos de Salvador para acompanhar o desfile. “É uma sensação que eu não tenho como descrever. Você tem o comando de uma multidão em cima do trio, é muito louco. Só quem vive isso sabe do que eu estou falando”, diz o cantor ao repórter João Pedro Pitombo.  

 
Era a segunda das 11 apresentações que ele faria no Carnaval de Salvador, sete delas em cima de trios elétricos. A agenda cheia reflete o sucesso de Léo Santana: os números de visualizações de suas músicas, sempre na casa das dezenas de milhões, o consagraram como artista mais popular da Bahia neste ano. 

O cantor despontou há exatos dez anos, no Carnaval de 2010, com a música “Rebolation”. Desde então, se tornou um dos nomes de maior sucesso no cenário musical e gravou com cantores sertanejos, de forró, além dos nomes do funk como as cantoras Ludmilla e Anitta.

Léo Santana não é um artista do axé, mas do pagode baiano. Com raízes no samba-de-roda, o ritmo já revelou bandas como É o Tchan, Harmonia do Samba e Psirico. Tem como principal reduto os bairros da periferia de Salvador.

Para Léo, por ser um ritmo da periferia, o pagode baiano nem sempre tem o reconhecimento que merece. “Fico incomodado porque algumas pessoas têm certo preconceito com esse movimento, algo parecido com o que acontece com o funk. O funk é um som periférico, é um som de favela. O pagode também é um som de favela”.

Preconceito, diz o cantor, que também se revela no seu dia a dia. Ele afirma que sua equipe – 90% dela formada por negros – foi vítima de um episódio recente de racismo num hotel em Belo Horizonte. Ao servir o café da manhã, funcionários do hotel encaminharam a equipe para fora do salão de refeições, num espaço apartado.

“Eles fecharam o ambiente climatizado onde serviam o café para outras pessoas e colocaram minha equipe do lado de fora, debaixo do sol. Acharam que os meus não deveriam estar naquele ambiente. Como líder da minha equipe, achei que devia desabafar sobre o assunto”, diz o cantor.

Ele diz que, pessoalmente, nunca sofreu um episódio semelhante. Mas afirma que não é em todo ambiente que se sente confortável. “Já aconteceu de eu ficar cismado de estava sendo vítima de preconceito. Tem pessoas que são muito maldosas”.

O desabafo do cantor, contudo, foi um ponto fora da curva. Léo diz que evita falar publicamente sobre temas que considera delicados. “Claro que racismo e homofobia são uma realidade. Mas evito me expor e falar coisas que podem ser mal interpretadas por algumas pessoas. As redes sociais ajudam, mas também podem te destruir de um modo devastador”.

Diz preferir se expressar por meio de seu trabalho: “Eu sou um negro que faz um som de negros. Sempre exaltei isso nas minhas canções”. Na vida empresarial, diz, também busca prestigiar as suas origens e aqueles que foram importantes em sua caminhada.

Criado na Boa Vista do Lobato, subúrbio de Salvador, Léo Santana trabalhou como ajudante em uma barbearia. Neste ano, quando montou pela primeira vez um camarote próprio no Carnaval, convidou o seu antigo empregador e amigo de adolescência para comandar um espaço voltado para beleza masculina.

O camarote foi instalado no icônico edifício Oceania, em frente ao Farol da Barra, onde até o ano passado funcionava o Expresso 2222. 

O espaço comandado por Flora Gil mudou-se para outro espaço, na Barra. Neste ano, o camarote homenageia o bloco Cortejo Afro, um dos mais importantes de Salvador.

“Quis fazer uma homenagem ao Cortejo para fortalecer os blocos afro, que são tão importantes, mas são os que têm menos patrocínio. Eles têm apoio, mas acho que deveria ter uma lei. Município e o estado deveriam apoiar com força, com vontade”, afirma Flora.

Também presente no camarote, o presidente do Cortejo Afro, Alberto Pitta, diz que falta sensibilidade das grandes empresas com os afro e afoxés: “Tem instituição financeira que tem coragem que colocar R$ 600 mil em um bloco de trio, um bloco da classe média branca, mas não dá R$ 50 mil para ajudar um bloco afro. É claro que está tudo errado”.

Meia hora depois, Gilberto Gil chegou de fininho. Preferiu ir à avenida no dia em que o camarote ainda não estava oficialmente aberto. Ele conta que tem evitado vir ao Carnaval por sentir que lhe falta a tranquilidade para aproveitar a festa. “Eu gosto de ficar quieto, ver, reparar numa pessoa, numa coisa, num detalhe. Mas as pessoas estão preocupadas em ter a sua atenção”.

Gil conta que abriu uma exceção e foi ao camarote para assistir a passagem de Carlinhos Brown, com quem havia se encontrado há dez dias: “Brown é sempre uma potência”. De política, preferiu não falar: “As pessoas já estão falando demais sobre tudo”.  Ok, ok, ok.

Depois de um ano afastado do Carnaval de Salvador, Carlinhos Brown voltou com tudo. Acompanhado de 150 percussionistas, fez a abertura oficial do festa. Antes do desfile, Brown comandou uma cerimônia do padê, ritual do candomblé no qual se pede licença e proteção a Exu, o orixá da rua, com rezas, cânticos e banhos de pipoca e milho branco.

O prefeito ACM Neto (DEM) também participou do desfile de abertura. Dançou em cima do trio acompanhado do vice-prefeito Bruno Reis, pré-candidato à sua sucessão na eleição municipal deste ano. Um eleitor viu a cena e fez troça: “Lá vêm Cosme e Damião”.

O trio de Daniela Mercury veio na sequência. A cantora trouxe bailarinos cujas fantasias traziam palavras como “liberdade” e “respeito”. Em frente ao farol da Barra deu seu recado: “Arte é resistência”.

No desfile seguinte, Cláudia Leitte veio com uniforme da guarda municipal de Salvador acompanhada por uma tropa de guardas mulheres. O trio foi patrocinado pela prefeitura, mas é o governador Rui Costa que terá uma policial, a Major Denice Santiago, como candidata em Salvador.

O tema do desfile foi liberdade e poder feminino. À coluna, Cláudia disse que quis fazer os foliões refletirem e repensaram suas atitudes. “É um momento que pode ajudar a promover mudanças”. No chão, a maioria parecia alheia ao discurso, incluindo um desavisado que questionou quem desfilaria naquele trio: “É o [cantor de pagode] Poeta”? Não era. O Poeta estava no fim da fila. 

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.