Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

OAB vê 'intimidação da imprensa' em pedido do ministro da Justiça para investigar Ruy Castro e Ricardo Noblat

Colunista da Folha publicou texto no qual sugere que Jair Bolsonaro se mate

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) considera o pedido feito pelo ministro da Justiça, André Mendonça, para que seja aberto um inquérito policial para investigar os jornalistas Ruy Castro e Ricardo Noblat "mais uma atitude deste governo de intimidação da imprensa e contra a liberdade de expressão".

"Criminalizar opiniões, parábolas ou críticas ao governante não é admissível dentro do Estado de direito", diz a OAB em nota assinada pelo presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, e pelo advogado Pierpaolo Cruz Bottini, do Observatório Permanente da Liberdade de Imprensa da OAB Nacional. "Goste-se ou não dos artigos, é preciso maturidade democrática para conviver com críticas."

Mendonça afirmou no domingo (10) que solicitará a abertura de um inquérito policial contra Castro, colunista da Folha, e Noblat, da Veja, após o primeiro publicar um texto crítico ao presidente Jair Bolsonaro e o segundo replicar trecho do conteúdo no Twitter.

"Se Trump optar pelo suicídio, Bolsonaro deveria imitá-lo. Mas para que esperar pela derrota na eleição? Por que não fazer isso hoje, já, agora, neste momento? Para o bem do Brasil, nenhum minuto sem Bolsonaro será cedo demais", escreveu Ruy Castro em sua coluna do domingo.

"Alguns jornalistas chegaram ao fundo do poço. Hoje dois deles instigaram dois presidentes da República a suicidar-se. Apenas pessoas insensíveis com a dor das famílias de pessoas que tiraram a própria vida podem fazer isso", escreveu Mendonça em uma rede social.

O ministro chamou as publicações de crimes contra chefes de Estado e de desrespeito à pessoa humana e à nação.

"Por isso, requisitarei a abertura de inquérito policial para apurar ambas as condutas. As penas de até 2 anos de prisão poderão ser duplicadas (§ 3º e 4º do art. 122 do Código Penal), sem prejuízo da incidência de outros crimes", escreveu Mendonça, ainda na rede social.

O artigo citado pelo ministro diz que "induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça" geraria pena de reclusão de 6 meses a 2 anos.

O parágrafo 3º do artigo afirma que a pena é duplicada se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil ou se a vítima é menor ou tem diminuída a capacidade de resistência.

Já o parágrafo 4º diz que a pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da internet, de rede social ou transmitida em tempo real.

Em junho de 2020, o próprio Noblat foi alvo de um pedido de apuração feito pelo ministro à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), após o jornalista ter compartilhado a imagem de uma charge do cartunista Aroeira que ilustrava Bolsonaro pintando uma suástica nazista.

À época, o jornalista disse que o governo estava usando a LSN para perseguir críticos.

No mês seguinte, Mendonça requisitou a abertura de um inquérito pela PF, com base na mesma lei —um resquício da ditadura militar—, para investigar o colunista da Folha Hélio Schwartsman em razão de um artigo publicado no jornal.

O texto "Por que torço para que Bolsonaro morra" foi publicado depois de o presidente anunciar que havia contraído o novo coronavírus.

O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Jorge Mussi suspendeu o inquérito para investigar Schwartsman. Mussi atendeu a um pedido da Folha e concedeu liminar que suspendia o procedimento até o julgamento do habeas corpus.

Em nota, a Folha afirmou que, "como no caso de texto anterior de Hélio Schwartsman, que teve inquérito aberto pelo mesmo ministro e depois suspenso pelo STJ, o colunista emitiu uma opinião; pode-se criticá-la, mas não investigá-la".

Questionado pelo UOL, Castro afirmou: "Foi só uma sugestão para Trump e Bolsonaro, eles não precisam aceitar. E todos vamos morrer um dia, não? Além disso, não sou coveiro", parafraseando declaração de Bolsonaro sobre a pandemia do coronavírus.

Luis Mileo, professor de direito penal do Ibmec-SP (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), afirma que não há crime nas publicações. "Absolutamente nada. Nada, nada, nada."

Segundo ele, os jornalistas só poderiam ser apontados como infratores do artigo 122 se enviassem diretamente a Bolsonaro uma ou mais mensagens para que ele se suicidasse —e não escrever em uma publicação que o presidente poderia ou não acessar.

"O direcionamento da minha informação teria que ser direto, teria que induzir ou instigar alguém diretamente. Ele não está falando diretamente ao Bolsonaro, está escrevendo em uma matéria", diz.

O professor ressalta ainda que a mensagem teria de ser apta o suficiente para que a pessoa realmente sofresse a influência dessa informação.

"Tem que ser uma mensagem absolutamente idônea e capaz. Tenho que buscar uma vítima propensa a isso. Sem isso, jamais eu conseguirei levar adiante o plantar da ideia. A vítima tem que ser receptiva e apta a sofrer influência dessa informação."

"A requisição de inquérito por parte do ministro é absolutamente inviável. Porque a informação não é apta e idônea a levar adiante uma ação por parte da vítima, que seria em tese o Bolsonaro, e não é direta. Vejo como uma matéria crítica, mas jamais criminosa", afirma Mileo.

Noblat teve suas postagens sobre o tema apagadas pelo Twitter. Segundo a empresa, as postagens violaram as regras de uso da rede social.

Além disso, suas funções foram desabilitadas pela rede social e ele ficou sem poder tuitar, retuitar ou curtir nada por até 12 horas.

Procurado, o Twitter Brasil afirmou que "tem regras que determinam os comportamentos e conteúdos permitidos na plataforma, e violações a essas regras estão sujeitas às medidas cabíveis".

A rede social apontou que tem entre suas diretrizes regras que não permitem "se envolver no assédio direcionado a alguém nem incitar outras pessoas a fazer isso". O Twitter não informou se o jornalista teve espaço para se defender.

A revista Veja chegou a afirmar que repudia com veemência a declaração de seu colunista. "Não achamos que esse tipo de opinião contribua em nada para a análise política do país", publicou a revista em rede social.

Noblat enfatizou que apenas reproduziu o conteúdo do texto de Castro. "Não desejo a morte de ninguém. Minha religião o impediria", publicou em rede social após a repercussão.

"Mas, ao fazer, como faço aqui, um clipping diário da mídia, não posso nem devo ignorar o que me pareça que repercutirá, mais ainda quando publicado em um grande jornal. Seria uma forma odienta de autocensura", afirmou Noblat. "Por fim: vida longa ao presidente Jair Bolsonaro para que ele possa colher o que plantou", escreveu

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.