Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Coronavírus

'Você tem que dar a cara a tapa', diz médica e ex-BBB Thelma Assis

Médica chama governo Bolsonaro de omisso, prepara livro e diz que Carnaval pós-pandemia seria um gran finale

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A médica e campeã do Big Brother Brasil de 2020, Thelma Assis, 36, avalia que a quarentena imposta pela epidemia da Covid-19 não pode ser comparada ao confinamento do reality show da Globo.

“Lá dentro, nós estamos de forma mais que voluntária, estamos felizes, com visão otimista de tudo. A única coisa ruim é a saudade da família e dos amigos”, diz ela. “Aqui fora, também estamos de forma conscientemente voluntária, mas a sensação é muito ruim, é de incerteza. Sem saber como as coisas vão ser, como tudo isso vai acabar.”

“A saúde mental do confinamento aqui fora é muito mais vulnerável. Lá, a gente passa por tudo de uma forma muito intensa: quando você está feliz, você está muito feliz. Quando você está triste, você está muito triste. Mas nada se compara ao que estamos vivendo hoje, com esse medo constante”, continua.

Assim que deixou o programa, em 2020, Thelma participou de campanha de conscientização da Prefeitura de SP sobre a Covid-19. “Disseram que tinha sido escolhida justamente pela identificação que as pessoas teriam comigo. Vim da classe C, depois subi para a B e cheguei na A. E também tenho relevância para falar como profissional da saúde”, diz.

Médica anestesiologista nascida em São Paulo, ela se voluntariou em janeiro deste ano para atuar na linha de frente do combate à Covid-19 em Manaus, em meio à crise do oxigênio. Antes, ao lado de artistas, ajudou a arrecadar cilindros contendo o gás para a cidade. “As coisas tomaram uma proporção muito maior. A força-tarefa começou com o oxigênio e terminou com a doação de cestas básicas”, diz.

Ela chegou a trabalhar durante dez dias no Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto, um dos maiores da rede pública na cidade, e conta que uma das coisas que mais a impactou foi perceber a mudança da faixa etária dos pacientes com coronavírus.

Thelma elogia o trabalho dos profissionais de saúde. “O que eu fiz nesses dez dias não foi absolutamente nada perto do que eles vêm fazendo há um ano. Não tem como não se abalar psicologicamente. E essa força deles me impactou bastante.” Ela trabalhou numa UTI com 40 leitos e em outra improvisada, com capacidade para 24 pessoas, “praticamente todos em estado muito grave”.

Um ano após sua vitória no reality, Thelminha, como é chamada por amigos e familiares, diz que sua vida “mudou 360º, de forma positiva”.

Ela conta que ainda não gastou o prêmio em dinheiro que ganhou. “Já vivi com R$ 300 por mês. Quando você se dá conta de que tem R$ 1,5 milhões em sua conta, não quer que acabe de jeito nenhum”, diz, entre risos. A ideia, segue, é juntar o dinheiro investido para comprar o apartamento em que vive de aluguel, na zona oeste da capital paulista, com o marido, o fotógrafo Denis Cordeiro, e o cachorro da família.

Thelma afirma que é fã do reality e que comemorou a diversidade do programa deste ano —o BBB21 teve recorde de participantes negros e LGBTs. “Durante muito tempo, se você falasse que assistia ao programa era motivo de vergonha alheia. Hoje, o BBB é uma plataforma que tem esse lado social. A gente vai gerando reflexões nas pessoas.”

Ela conta que enxerga dois tipos de cancelamento na internet. “Do que vai gerar uma autocrítica, uma reflexão, não tenho medo, porque todos estamos sujeitos a errar. Se errou, assuma e recomece”, diz.

“Agora, aquele que tenta anular a pessoa, que pega tudo o que ela fez profissionalmente e coloca uma pá de cal em cima, dá muito medo. Mas não deixo de fazer nada do que acredito por conta disso. A internet é muito tóxica e, às vezes, com esse cancelamento surgem injúrias raciais e ofensas.”

A médica diz que não gostou de como a cantora Karol Conká, participante do BBB21, se referiu a ela no jogo —Karol chegou a dizer que Thelma precisava da defesa de suas amigas brancas dentro do programa. “O que ela fez foi legitimar o discurso de várias pessoas que falam que eu só ganhei porque sou uma mulher preta, ou que só ganhei por pena.”

“Não posso aceitar que as pessoas desmereçam e subestimem a minha trajetória lá dentro. A Karol, como mulher preta, sabe que a gente tem que ser sempre duas vezes melhor, mostrar duas vezes mais o quanto a gente tem capacidade para ocupar os espaços que temos direito. Sabendo disso, deveria ter repensado melhor essa fala”, diz.

Por outro lado, diz que críticas são inevitáveis. “Ninguém agrada todo o mundo. Para cada opinião sempre vão existir dois lados”, segue. “É preciso ter consciência de que a fama pode ser transitória. A gente tem que ter o pé no chão, para não perder quem você é.”

Voz cada vez mais atuante na luta antirracista, ela conta que não consegue “ficar quieta” diante de situações que envolvam pautas com as quais se identifica. “Sempre que houver uma omissão política que atinja o nosso país, eu vou falar. Sem precisar me vincular a nenhum partido, sabe? Sem servir de palanque para ninguém. Simplesmente como uma cidadã que tem o direito de se manifestar”, continua.

Ela conta que sente muita responsabilidade com o conteúdo que publica em suas redes —são mais de 1,3 milhões de seguidores no Twitter e 6,1 milhões no Instagram. E diz que sonha em entrevistar o ex-presidente Lula para o seu canal no YouTube. A vontade surgiu após “assistir babando” a entrevista que o petista concedeu ao jornalista Reinaldo Azevedo, em abril. “Se ele topasse participar junto com outras pessoas, não necessariamente aliados, mas do cenário político para debater esse momento atual, seria um grande momento!”

Thelma acredita que artistas devem se posicionar politicamente. “A gente vive num momento político em que não estamos satisfeitos. Você tem o alcance, então você tem que dar a cara a tapa. E o tapa vem, porque a sociedade ainda é muito racista e muito machista”, continua.

“Algumas pessoas têm medo de que isso possa prejudicar o seu trabalho. Mas o seu público te admira a ponto de deixar de consumir o que você faz porque você está se posicionando em relação ao que você concorda ou discorda?”

E afirma que já chegou a recusar convites de campanhas publicitárias por discordar de comportamentos de empresas. “Se tem algum histórico de racismo e de machismo, não vou associar a minha imagem a ela. Não deixei a ambição me levar pelo dinheiro”, diz.

Ela critica fortemente a condução do governo de Jair Bolsonaro no combate à Covid-19 e diz que foi colocada em prática uma “política de omissão”. “Na medicina, a gente trabalha com prevenção. Diante de um cenário pandêmico, os políticos deveriam ter trabalhado com isso. É inadmissível faltar oxigênio, kits de intubação. É inadmissível a gente ter só 16% da população vacinada.”

Sobre o futuro, diz que pretende fazer algum curso de pós-graduação que converse com sua especialização de anestesiologia e que estuda criar uma ONG para prestar assistência médica pelo Brasil. “Quando temos a oportunidade de ter tanta visibilidade, temos que usar de forma positiva”, continua. Ela também está preparando um livro sobre sua trajetória, que deve ser lançado em novembro —mês da Consciência Negra e de seu aniversário.

Thelma diz que a primeira coisa que pretende fazer no pós-pandemia é poder abraçar familiares e amigos sem medo. Apaixonada por samba, se empolga com a possibilidade de existir um grande Carnaval quando tudo passar. “Vai ser um ‘gran finale’ disso tudo, muito bonito e muito emocionante.”

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