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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Fico cansada de me chamarem pra querer lacrar em cima, diz Negra Li

Cantora diz que já se recusou a dar entrevista sobre a morte de George Floyd por haver mortes demais de negros para se falar. A artista prepara novo disco e brinca que será difícil achar novos relacionamentos à sua altura após ela desabrochar em plena idade da loba: Ferrou!

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O pompoarismo ajudou Negra Li a florescer em plena “idade da loba”. “É algo com o que me preocupar todos os dias, praticar, evoluir”, diz a cantora paulistana, que aderiu à técnica para exercitar a musculatura vaginal em meio a uma “revolução interna” em sua vida.

Do fim de 2019 ao começo de 2020, Li virou quarentona, terminou o casamento de 14 anos, mudou de empresário, viu-se sozinha em meio à pandemia de Covid-19, procurou um psiquiatra para tratar da saúde mental e começou a tomar óleo de cânabis para dormir.

Mais recentemente, ela abriu as suas redes sociais para conversas femininas regadas a vinho, assumiu as rédeas da carreira e passou a trabalhar em um novo álbum que deve ser lançado neste ano. Uma primeira música, “Comando”, foi divulgada no fim de maio.

“Eu desabrochei”, diz Li, hoje com 41 anos. Nascida em Brasilândia, zona norte da capital paulista, a artista é mãe de Sofia, 11, e de Noah, 3, fruto da relação com o músico Junior Dread. “Foi muito difícil me desapegar da vida com a qual eu estava acostumada”, afirma.

Retrato da cantora Negra Li, que lançou o single "Comando" em maio de 2021
Retrato da cantora Negra Li, que lançou o single "Comando" em maio de 2021 - Rodolfo Magalhães

“Perdi o chão. Mas depois que superei, voltei muito mais forte. Foi a melhor coisa que me aconteceu”, segue ela. “Passaria de novo pela minha separação. Foi por causa disso que consegui enxergar essa mulher e trazê-la de volta”, conta a artista, que diz ter se anulado por um tempo.

“Deixei de brilhar, me abandonei”, lembra. “Para mim, estava bom viver na minha bolha, com a minha família, criando meus filhos, vivendo para eles e para o meu casamento.”

A ruptura fez com que ela tivesse que lidar com a solidão. “Se não tivesse pandemia, não ia ficar sozinha, porque faria shows, iria pra lá, pra cá. Mas foi muito bom para me autoavaliar”, afirma.
Esse período de renovação estará refletido no seu novo álbum de “rap, mas melódico”, afirma.

“O disco é uma história minha. Decidi falar o que queria. As pessoas que ouvirem vão entender como penso, vão saber de relações que tive após a separação”, explica. “O último disco tão autoral foi o meu primeiro, em 2004, junto com o Helião [do RZO, grupo no qual iniciou a carreira].”

Negra Li nasceu como Liliane de Carvalho, filha de uma família evangélica. Seu primeiro contato com a música fora da igreja foi no coral da USP, “por ser de graça”. Lá, descobriu-se mezzo soprano, tornou-se solista e cantou músicas eruditas e populares. Depois, atuou no musical “Jesus Cristo Superstar”, no filme e na série de TV “Antonia” e fez participações nos trabalhos de diversos artistas.

“Brinco que é a minha revanche. Sempre fui muito convidada para fazer colaborações. Agora, é a minha vez de chamar outros para o meu trabalho”, diverte-se a cantora, que conversou com a coluna de sua casa, em São Paulo, por chamada de vídeo.

Naquele mesmo dia, ela havia negado dar uma entrevista para falar do aniversário da morte de George Floyd, segurança negro que foi sufocado por um policial dos EUA que ajoelhou no pescoço dele por quase 10 minutos.

“É importante a gente falar [sobre o racismo] porque somos influenciadores. Principalmente eu, que comecei no rap. Delatar essas coisas, abrir os olhos das pessoas, sempre fez parte da minha vida, desde os 16 anos, quando eu comecei”, diz Li.

“Teve uma época em que eu não falava, só sorria, porque vim de uma escola tipo assim, de Mussum, Glória Maria, Pelé --que não critico. Eu os entendo, porque se fôssemos considerados chatos por falar demais sobre esse assunto, não éramos mais convidados para certos lugares. E já éramos tão poucos ocupando aqueles lugares que quando ocupávamos era tipo: sorria, seja simpático e cuidado com o que fala.”

Ela segue: “Então era aquele medo, e o medo trava. Fiquei travada por bons anos. Com isso, senti que as pessoas da comunidade preta achavam que eu deveria me colocar mais. Eu era cobrada pelos brancos, pelos pretos e por mim mesma”.

“Hoje, consigo me colocar melhor. Tenho mais desenvoltura para falar, mais experiência de vida, pesquisei e vi que era importante eu falar disso”, avalia a cantora. “Mas não deixa de ser cansativo.”

“É muito difícil estar desse lado [dos negros]. É muito sobrecarregado. Às vezes eu queria, sim, ser só uma artista. Tem vidas de artistas e mulheres que falo: ‘Nossa, que cor de rosa. Ela é convidada para falar sobre perfume, feminilidade, moda, cabelo, unha. E eu? Sobre George Floyd, sobre racismo, sofrimento. Sempre me lembrando daquilo que já sei e vivo. Sou resistência desde que nasci, não tenho para onde fugir. Sou uma mulher preta dentro de uma sociedade racista.”

“Mas tem hora que a gente simplesmente não quer [tratar do assunto]. Temos outras coisas para falar. Somos multifacetadas, cheias de sentimentos e histórias. Não somos fortes, guerreiras, o tempo todo. Isso é uma coisa que colocaram em nós.”

“O George Floyd foi muito chocante, doloroso de ver. Me revoltou, postei, falei. Mas existem milhões de George Floyds todos os dias em todos os lugares do mundo”, segue Li.

“Fico cansada de me chamarem pra querer lacrar em cima. Poxa, agora inventaram um ano de morte do George Floyd. Se for assim, caramba, todo dia vai ter alguma coisa. Amanhã, seis meses que fulano morreu. Quatro meses que atiraram na chacina de não sei o quê. Entende? A gente já tem o 20 de novembro [Dia da Consciência Negra], já tem outras coisas. Achei demais.”

“Quero escolher poder falar ou não”, afirma ela. “Já tô falando [de preconceito] na minha música, sempre dou um jeitinho de falar, porque faz parte da minha realidade.”

Li se define como workaholic. “Tenho insônia, sou ansiosa, tenho TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade). Passei no psiquiatra. Não deu certo tomar remédio pra dormir. O que funcionou foi óleo de cânabis com THC. Mudou a minha vida. Sou bem mais tranquila”, conta.

“Quando me sinto ociosa, sofro demais. Preciso estar sempre produzindo”, diz ela. Veio dessa necessidade a ideia do "Só uma Tacinha", quadro em seu Instagram no qual trata de feminilidade enquanto toma vinho. “Queria conversar mais com o meu público, me humanizar, para que as pessoas pudessem me ver não só como diva do rap, mas como mulher e mãe”, diz.

Hoje ela já acha tudo bem não fazer nada de vez em quando. “Mas ao mesmo tempo tenho pressa de fazer as coisas. Quando vejo tudo o que está acontecendo, a morte passando e ceifando vidas, penso: ‘O que Deus está querendo dizer com isso? Será que estamos vivendo o fim dos tempos?’”

“Mas tenho pressa de viver. Quero aprender. Estou fazendo um monte de coisas: aula de canto, dança, pompoarismo e ioga. Tudo o que eu puder aproveitar desse mundo, dos momentos que ainda tenho com os meus familiares, não estou deixando para amanhã. Ao mesmo tempo em que as pessoas falam 'tem que ficar quietinho', digo 'tudo bem. Mas e se amanhã eu não estiver mais aqui? Preciso fazer o que tenho que fazer'.”

Li faz exames para detectar a Covid-19 frequentemente por conta do trabalho. “Até agora estou ilesa”, afirma. “A máscara salva. Esses cuidados dão certo. Fui a estúdios gravar campanhas, meus filhos vão à escola, eu frequentei academia. Dá pra vencer essa doença tomando esses cuidados”, defende ela, que diz não fazer “nada mais que o necessário, que é trabalhar pra ter grana e pagar as contas”. “E eu preciso fazer a minha arte, se não a gente acaba esmorecendo.”

A revolução interna também levou a artista a redescobrir a sua sexualidade, segundo diz. “Muita coisa fui descobrir depois dos 40. Descobri meu corpo, quebrei vários tabus que tinha. Muito louco isso”, conta ela, que se iniciou no pompoarismo influenciada pela cantora Kelly Key, que fez uma live sobre o assunto. “Quando fui pesquisar, vi os benefícios. Você não tem TPM [tensão pré-menstrual] se fizer [a prática]”, afirma.

“É uma coisa até espiritual”, segue ela sobre a prática. “Foi um jeito de me autoconhecer, saber a hora que vou gozar, conseguir controlar. Agora eu não largo mais. Acho que todas as mulheres deveriam conhecer e se beneficiar disso.”

Ela hoje se vê “mais jovem do que nunca”. “[Chegar aos] 40 anos é aquela coisa: às vezes não é a mulher que está preocupada, mas tem a carga que a sociedade coloca, o tabu, o preconceito em torno dessa idade”, afirma. “Você está mais próxima da menopausa, diminui a libido. Senti essa coisa.”

“Eu com 20 anos tinha um corpo que mal precisava malhar, porque não mudava. Mas não tinha a maturidade. Depois que a chave vira, você percebe que [a casa dos 40] é só uma idade, um começo, uma nova chance de fazer tudo de novo, de ser melhor”, avalia.

“Não vejo a hora de ter um novo relacionamento. Não é algo que estou procurando agora, porque ainda não me sinto preparada, mas estou me preparando. Vou viver tudo aquilo que não vivi da forma certa. Vai ser gostoso ter uma relação com alguém estando assim. O problema é a dificuldade de encontrar alguém tão avançado e evoluído quanto [risos]! Ainda mais eu, que gosto de novinho! Aí ferrou mesmo!”, brinca. “É a idade da loba mesmo. A gente se sente empoderada.”

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