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A arte pode englobar tudo desde que seja com verdade, diz Heloisa Périssé

Após enfrentar câncer raro e pandemia, atriz encena a comédia 'A Iluminada', em que satiriza o universo dos TED Talks e ensina como transformar dificuldades em coragem e confiança

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Heloisa Périssé no Teatro-D, em São Paulo

Heloisa Périssé no Teatro-D, em São Paulo Eduardo Knapp/ Folhapress,

A atriz e comediante Heloisa Périssé, 55, tinha acabado de sair de sua "pandemia particular" —como define o período em que tratou um câncer raro nas glândulas salivares em 2019— quando o coronavírus parou o mundo.

Poderia ser motivo de revolta ou tristeza enfrentar duas situações graves de forma seguida. Não foi o que aconteceu, afirma ela. "Eu não vou ser mentirosa e dizer que em nenhum momento eu me desesperei. Claro que isso aconteceu. Houve dias em que eu cheguei a dizer: ‘Quero a minha vida de volta’", relembra.

Na visão dela, porém, existia um motivo para tudo o que estava vivendo. "Eu procuro sempre me harmonizar com as coisas que acontecem, porque eu realmente creio que tudo coopera pro bem daqueles que amam a Deus", diz.

Mesmo quando já estava se sentindo exausta do tratamento, ela afirma que não era uma opção deixar de fazer uma sessão de radioterapia. A saída era aprender a ressignificar aquele momento. É isso que Heloisa conta ter levado de aprendizado para a pandemia. É como se o câncer a tivesse preparado para o que ela e a humanidade enfrentariam a seguir.

"É como se eu já tivesse descoberto que dentro de mim há espaços que eu posso percorrer. [A pandemia] Foi mais suave para mim", comenta.

Mais do que isso, os anos de confinamento renderam frutos. Um deles é a comédia "A Iluminada", escrita e protagonizada por ela. A peça estreou no fim de 2021 em Portugal, e agora está em curta temporada no Teatro-D, em São Paulo, até o próximo sábado (26) —depois segue para uma única apresentação em Salvador, no dia 2 de abril, e um final de semana em Brasília, nos dias 15 e 16 de abril.

Heloisa Périssé caracterizada como Tia Doro para a peça "A Iluminada" ao lado do marido, o diretor Mauro Farias
Heloisa Périssé caracterizada como Tia Doro para a peça "A Iluminada" ao lado do marido, o diretor Mauro Farias - Ronny Santos -11.mar.2022/Folhapress

A protagonista tem uma profissão para lá de incomum. É ‘cuoach’. Sim, com u mesmo e em referência à parte íntima do corpo humano. "Tia Doro faz um trabalho de base, começando por esse chacra [aponta para a região do intestino]."

A peça brinca com as palestras motivacionais, ao estilo das conferências TED Talks, que se tornaram uma febre nos últimos anos na internet. Um dos ensinamentos de Tia Doro é, antes de alguma atividade importante, a pessoa repetir para si mesma: coragem e confiança. Se ficar difícil de lembrar, ela indica abreviar as palavras para as suas iniciais, o que resulta em "cocô".

Embora o tom do espetáculo seja de brincadeira, a comediante diz que há "coisas reais", da sua própria experiência com o tratamento contra o câncer e o enfrentamento da pandemia. "Eu tive que ressignificar o c., né. Eu tive que ressignificar cocô e virar coragem e confiança", explica, aos risos.

"Não são coisas muito habituais que nós adultos falamos, porque já caiu no conceito ‘isso é feio, isso não se faz’. Mas a verdade é que ninguém gosta realmente de estar entupido. Ninguém gosta de se sentir preso, no sentido de preso em algum lugar ou de alguma forma. ‘A Iluminada’ é isso, uma luz sobre essas questões."

Foi também durante o confinamento que a atriz cursou a sua primeira faculdade: artes cênicas na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL). "Você pode me dizer: ‘para quê? Você já tem 30 anos de carreira’. Não interessa, eu quis completar uma ficha de terceiro grau completo", responde, rindo.

Nas aulas online por Zoom, ela tinha a companhia da filha mais velha, a atriz Luisa Périssé, fruto do seu primeiro casamento com o ator Lug de Paula —Heloisa também é mãe de Antonia, do casamento com o diretor Mauro Farias. "Ela [a Luisa] ficava me esculhambando o tempo inteiro. Dizia: ‘para de perguntar, já falou muito, não sei quê’. Eu era mais velha até que o professor né?", lembra, bem-humorada.

Fazer a faculdade foi, segundo ela, das "melhores decisões" da pandemia. E Heloisa já planeja um mestrado em filosofia "assim que tiver um tempo".

Para a atriz e autora, estudar é uma paixão, assim como ler. Além de filosofia, diz amar física quântica. E tem na Bíblia uma fonte constante de consulta e de fé. Todos esses universos, afirma, a inspiraram a escrever "A Iluminada".

Embora já tenha frequentado diversas igrejas —desde o catolicismo, passando pelo espiritismo, seicho-no-ie e denominações evangélicas —, ela afirma hoje não ter religião. "Eu sou cristã. É como eu me autodefino."

Em sua casa, Heloisa conta que construiu um "ceuzinho", um espaço em que faz as suas orações. "É um portal que eu atravesso e onde eu converso o tempo todo com Deus", diz. É o único lugar em que ela afirma não permitir que as pessoas entrem de sapato ou falem de outros assuntos que não tenham a ver com espiritualidade. "Você pode entrar para meditar ou pode entrar, sei lá, para orar virado para Meca. Mas é um lugar para orar."

Durante a entrevista, ela cita trechos bíblicos e também frases de filósofos e poetas. Ao falar sobre a paralisia facial parcial que sofreu na boca após as nove horas de cirurgia para a retirada do câncer, cita o apóstolo Paulo. "É o espinho na carne."

Questionada se a sequela física a incomoda, Heloisa hesita por alguns segundos, mas logo diz: "Não me incomoda, mas não tenho o mesmo sorriso de antes". Na sequência, acrescenta: "Nada a pedir, muito a agradecer. Pode ser o título da reportagem, hein", sugere.

Na pré-estreia de "A Iluminada" em São Paulo, no início de março, a atriz sinalizou para convidados, após apresentar o monólogo, que estava pensando em dar um tempo na atuação para se dedicar a escrever. "Acho que depois que eu fiz o meu tratamento, eu tenho mais vontade de ficar atrás das câmeras mesmo, criando textos para pessoas que eu admiro", confirma à coluna. "Mas isso é um pouco mais para frente, daqui uns dois anos, talvez".

Heloisa acrescenta, porém, que não é radical. "O homem faz planos, mas a palavra final é de Deus", pondera.

Dentre seus projetos para um futuro próximo está levar a sua outra peça, "Loloucas", para os cinemas. A direção ficará a cargo de Farias, que também é responsável por "A Iluminada".

"O humor é o meu olhar. Às vezes eu estou me lascando, mas eu consigo ver alguma coisa e fazer graça daquilo", diz. Apesar disso, Heloisa conta que se prepara para escrever seu primeiro drama, o filme "Ágape". "É uma história sobre violência no Brasil e o transmutar disso em um sentimento de amor. É bem pesado."

Ela afirma que não vai atuar no longa, e que nem sabe explicar como nasceu a ideia de fazer um drama. "Veio na minha cabeça. Eu sempre tive essas inspirações, mas certas coisas às vezes são muito claras e aí eu não tenho como não fazer. Parece doidinho, né?", diverte-se.

Na TV, ela segue contratada da Globo até 2023. Participou recentemente do programa The Masked Singer Brasil. Fantasiada de Coxinha, foi a quinta desmascarada da temporada do reality.

"Foi um bom desafio. Na minha vida é isso: eu quero ir da Coxinha a Dercy", afirma, citando a minissérie "Dercy De Verdade" (Globo, 2012), em que interpretou a famosa comediante. "Eu quero ser uma atriz com range [variedade] amplo, porque eu acho que a arte pode englobar tudo desde que você tenha verdade naquilo que você está fazendo. Eu amo o que eu faço", afirma, sinalizando que a aposentadoria dos palcos pode ficar para bem mais tarde do que ela mesma indicou.

Ainda neste primeiro semestre, Heloisa irá gravar as segundas e terceiras temporadas da série cômica "Cine Holliúdy" (Globo). "E agora eu venho empoderada, porque sou a prefeita", diz, animada sobre sua personagem Maria do Socorro.

Questionada se faltam programas de humor na TV aberta e na Globo —desde o fim do Zorra, em 2020, não há um humorístico na grade da emissora—, Heloisa concorda. "Faz falta. As pessoas querem rir, precisam rir. Eu acho que, em breve, isso vai começar a voltar. Tem que voltar, porque o humor tem um espaço importante", salienta.

Tem vontade de comandar uma atração cômica? "Gostaria sim", diz. "Por enquanto, não, porque estou com o ‘Cine Holliúdy,’. Mas em breve eu vou dar uma perturbada neles [da Globo] com essa ideia", finaliza, soltando uma risada.

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