Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Tinha que aprender a me frustrar muitas vezes por dia', diz Tamara Klink

Aos 24 anos, a velejadora brasileira mais jovem a cruzar o Oceano Atlântico sozinha prepara um terceiro livro, planeja uma nova viagem, diz que não sente pressão por ser filha de Amyr Klink: 'Ele me deu liberdade para construir meu próprio caminho'

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Tamara Klink diz que se sentiu em um campo minado quando, aos 24 anos, estava a bordo de seu veleiro de oito metros de comprimento no meio do Oceano Atlântico. "É uma região cheia de barcos pesqueiros, onde a profundidade do mar vai de cem para 1.000 metros. Eu não podia dormir porque a qualquer momento um barco poderia avançar em minha direção e não haveria tempo para manobrar e sair", lembra.

Filha do navegador Amyr Klink, ela se transformou no ano passado na brasileira mais jovem a cruzar o Atlântico sozinha, ao fazer a rota de Lorient, na França, de onde partiu em agosto, a Recife, onde desembarcou em novembro. Foram três meses só na companhia de seu veleiro chamado Sardinha —o nome, ela conta, foi sugestão da avó materna.

Tamara Klink está sentada na proa do seu veleiro
A velejadora Tamara Klink com seu veleiro chamado Sardinho, no Recife - Rafael Bandeira/Divulgação

No percurso, parou em Lisboa (Portugal), em Mindelo (Cabo Verde) e na região de La Palma, por onde passou na mesma época em que o vulcão Cumbre Vieja entrou em erupção. No mar, explica Tamara, é preciso estar sempre atenta ao que pode acontecer. A velejadora diz que dormiu uma média de três horas por dia, espaçadas em pequenos cochilos —o chamado sono polifásico.

Diz que colocava o despertador para tocar de dez em dez minutos, e às vezes até de três em três minutos. "Navegar sozinha é como dirigir um carro numa estrada de barro e pedra", compara.

"Ele está trepidando, fazendo barulho, mas chega um momento em que você tem que dizer a si mesma: ‘Põe no piloto automático e dorme’. Mesmo sabendo que pode passar uma vaca, que o carro pode sair da estrada. Mas você tem que descansar porque vai ficar na estrada por muitos dias."

A velejadora chegou a questionar se deveria continuar na empreitada ao passar pela zona do Equador, uma área de muita instabilidade meteorológica. "Meus equipamentos quebraram com o vento, a chuva e o mar [agitado]. Eu fiquei sem piloto automático, perdi a antena do rádio. As luzes de navegação foram carregadas pelo mar, então eu fiquei invisível e incomunicável. O barco ainda estava seguro, mas a qualquer momento poderia não estar mais", continua.

"Eu fiquei com medo e me senti em perigo. Pensei: ‘Por que inventei de estar aqui? Pronto, eu desisto, acabou a viagem’. Mas o lugar mais próximo para onde eu podia fugir já era Recife. Até para desistir, tinha que chegar até o fim."

A velejadora Tamara Klink
A velejadora Tamara Klink - Arquivo Pessoal

Amyr Klink foi a primeira pessoa a fazer a travessia do Atlântico Sul a remo em 1984. "A primeira memória muito forte [relacionada à navegação] que eu tenho é ver o meu pai e a minha mãe trabalhando por meses na preparação do barco. Vínhamos para a Praia do Jurumirim [em Paraty, onde a família tem casa], dávamos tchau da areia e víamos ele sumir atrás dos Montes Verdes, para só voltar meses depois", recorda.

Aos oito anos, Tamara, sua irmã gêmea, Laura, e a mais nova, Maria Helena, embarcaram com o pai e a mãe, a fotógrafa Marina Klink, para uma viagem de barco à Antártica. "Foi quando percebi que as histórias que eles contavam eram reais, não eram ficção."

Ela diz que não sente pressão por carregar o sobrenome de um dos mais famosos velejadores brasileiros. E conta que Amyr, de certa forma, a libertou de expectativas quando disse que só queria saber de suas viagens depois que tivessem dado certo. "Talvez as pessoas esperassem que ele fosse meu treinador ou patrocinador, mas ele decidiu que não [seria assim]", avalia.

Ainda adolescente, Tamara admirava a navegadora Jessica Watson, que deu a volta ao mundo de barco aos 16 anos. Inspirada, ela pediu uma embarcação emprestada do pai —que negou.

"Fiquei frustrada, mas foram as regras do jogo que ele colocou. Se eu quisesse fazer minha viagem, que eu não contasse com ajuda material, financeira ou técnica dele."

"Eu entendo que isso me deu liberdade para construir meu próprio caminho. Quando eu partisse, não teria mais ninguém no meu barco. Não adiantaria ser filha do meu pai."

A primeira travessia solitária de Tamara foi da Noruega à França, em 2020. Naquele ano, ela vivia em Nantes, cidade francesa, onde fazia especialização em arquitetura naval. Namorava, tinha planos de iniciar um estágio na área e uma passagem de avião para passar as férias no Brasil quando a pandemia bateu à porta.

"Acabei rompendo com esse namorado com quem eu vivia. Fui dormir na casa de amigos. Todos os voos para o Brasil foram cancelados, então voltar não era uma opção. O estágio que eu estava pleiteando foi interrompido. Os planos que eu tinha foram desmoronando."

Tamara decidiu então ir de novo atrás do sonho antigo: viajar pelos mares sozinha. Há tempos buscava patrocínio para construir seu barco e cruzar o Atlântico. Sem sucesso. "Eu falava com várias empresas que gostavam do projeto. Mas ouvia sempre a mesma pergunta, para a qual eu não tinha uma resposta: ‘Como vai ficar a imagem da nossa marca se essa menina morrer no mar?’."

Ela mantinha um canal no YouTube onde compartilhava vídeos sobre viagens e navegação. E então lembrou-se que um seguidor que a convidara para visitar a Noruega. Não seria loucura aceitar o convite de um desconhecido? "É mais fácil a gente assumir riscos quando a gente tem menos a perder", resume. Para chegar ao país nórdico, pegou carona em um barco de "conhecidos de conhecidos".

Seu novo amigo, que era engenheiro naval, virou uma espécie de mentor. Foi ele quem ajudou Tamara a encontrar sua futura embarcação em um site de anúncios. "O barco [que acabou adquirindo] já tinha tido um histórico de incêndio. Havia um problema no motor que cuspia água da refrigeração para um balde que tinha de ser esvaziado a cada duas horas", afirma. E diz, rindo: "É, tinha alguns probleminhas".

O dono pedia mais do que ela poderia pagar. Com dinheiro emprestado de seu amigo, Tamara ofereceu pelo Sardinha "o valor de uma bike". Fechou o negócio.

Após um mês de preparativos, ela partiu para sua primeira viagem sozinha, num percurso relativamente curto, da Noruega até a França. Avisou a mãe um dia antes de embarcar. "Eu já tinha medos suficientes. De perder o barco, de morrer. Se minha mãe soubesse, poderia projetar os medos dela em mim. Então, eu protegi o meu sonho."

O mar da Noruega é conhecido por ter muitas pedras, embarcações e regiões rasas com bancos de areia. "Foi a minha grande escola", diz Tamara. Mais experiente, ela conseguiu patrocínio com marcas como Localiza e Magazine Luiza para realizar seu maior desafio: cruzar o Atlântico.

A velejadora embarcou na França em agosto de 2021. Na água, ela se guiava por um GPS e também recebia previsões meteorológicas que eram enviadas via satélite. E que, às vezes, demoravam dias para chegar. Por isso, não era raro que as informações sobre o tempo muitas vezes estivessem defasadas. "Tinha que aprender a me frustrar muitas vezes por dia", diz.

Ela também enviava relatos de seus dias no barco a um coletivo de navegadoras. Os textos eram compartilhados em seu Instagram. Foi ganhando seguidores. E hoje tem mais de 122 mil deles na rede social. "Ainda é difícil para mim conseguir enxergar as vidas que existem por trás desses números [de seguidores]. Tento não me apegar e me concentrar nas pessoas com quem eu encontro [presencialmente]."

Já em terra firme em Recife, no Brasil, Tamara fez sua última jornada a bordo da Sardinha em janeiro deste ano. Ela desceu a costa brasileira, da capital pernambucana até Paraty, de onde falou com a coluna por videochamada. "Quando cheguei no Recife, o meu pai, numa espécie de provocação, disse: ‘Você sabe que só vai ter concluído essa viagem quando chegar no lugar de onde vem".

No trajeto, a navegadora parou em diversas cidades para promover o lançamento de seus dois livros, publicados pela editora Peirópolis. O primeiro volume, "Mil Milhas" é um diário da viagem entre a Noruega e a França. Já "Um Mundo em Poucas Linhas" é um livro de poemas, escritos "no contexto de uma de uma adolescente que estava procurando sua própria voz", diz. Um documentário de dois episódios sobre sua travessia também estreou no Globoplay.

A sensação é de encerramento de um ciclo com sua embarcação. "No começo, eram meus conhecimentos que limitavam o quanto eu podia usar o barco", afirma. Com o tempo, a situação se inverteu: Sardinha é que virou um espaço limitador de suas potencialidades.

Agora, começa a busca por uma nova embarcação. Tamara já tem um destino em mente, mas prefere manter os detalhes do projeto em segredo "porque as pessoas criam muita expectativa". Ela também vai começar a se dedicar à escrita de seu próximo livro, sobre a travessia do Atlântico.

Como qualquer jovem, Tamara tem apreensões e dúvidas sobre o futuro. Mas tenta sempre se lembrar de que "a nossa imaginação pode ser muito potente, tanto para nos levar longe quanto para nos manter presas em gavetas."

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