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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Estamos sendo governados por uma horda de medíocres', diz Vladimir Brichta

Ator fala da experiência de retornar ao teatro após um hiato de oito anos, diz desejar uma 'primavera' dos atores e conta como foi encenar com Ronaldo Fenômeno na plateia

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Retrato do ator Vladimir Brichta, no Rio de Janeiro Eduardo Anizelli/Folhapress

Vladimir Brichta, 46, vê o tablado como uma espécie de zona de conforto e segurança. No teatro desde os seis anos de idade, não há papel ou plateia que subtraiam a intimidade entre os dois adquirida ao longo dos anos. "Pode ir Renata Sorrah, Fernanda Montenegro, Chico Buarque ou Caetano Veloso que, para mim, tudo bem", diz, descrevendo a tranquilidade que sente sobre os palcos. As exceções, conta, ocorreram em apenas dois momentos de sua carreira.

A primeira delas foi em 2000, quando encenava a peça "A Máquina" no Sesc Copacabana, no Rio, ao lado de Lázaro Ramos, Wagner Moura e Gustavo Falcão. O espetáculo se tornaria um divisor de águas na carreira dos atores. "Grandes artistas iam ver a peça, e as pessoas ficavam muito empolgadas. Mas quando o Ronaldo Fenômeno foi lá, eu fiquei inibido, realmente", relembra, rindo. "O tempo inteiro, na minha cabeça, eu lembrava que ele estava assistindo", segue o ator, que é apaixonado por futebol.

Já a segunda vez em que se viu balançado ocorreu neste ano, com a peça "Tudo", do argentino Rafael Spregelburd, após ficar longe dos teatros por oito anos —dois deles, por causa da crise da Covid-19. Era a primeira semana de 2022, e Vladimir previa um ano de descanso, sem grandes planos, quando recebeu o convite para o trabalho.

Retrato do ator Vladimir Brichta, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

"Eu, deitadinho na rede, sem nada para fazer nos próximos meses. De repente, tenho que encarar tudo o que o teatro traz a reboque no mês seguinte. Por isso que deu medo também", conta. "Me vi nessa pandemia um pouquinho fragilizado", segue. "Cheguei a ligar para o Guilherme [Weber, diretor da peça] e fiz uma sessão de terapia com ele. E ele disse: ‘Vamos sentir medo juntos. Vamos descobrir. É coletivo’."

A comédia, que estreou na quinta (16) no teatro Sesi Centro, no Rio, e fica em cartaz até 17 de julho, reúne Julia Lemmertz, Dani Barros, Cláudio Mendes e Márcio Vito no elenco. Seu enredo é composto por três "fábulas" que se debruçam sobre as seguintes perguntas: por que todo Estado vira burocracia? Por que toda arte vira negócio? Por que toda religião vira superstição?

"Nesse mundo em que as discussões são virtuais e os encontros são cada vez menores, e tiveram que ser por motivos óbvios, parece que a coisa mais subversiva que você pode fazer é estar presente fisicamente num palco, falando com as pessoas. Ao mesmo tempo, é o que há de mais antigo na profissão. Eu preciso estar pessoalmente, preciso correr o risco até de a pessoa espirrar, ligar um telefone, me abandonar no meio [da peça]", pondera, rindo.

"É um ritual que ganhou contornos mais sagrados do que já tinha. Eu enxergo o teatro como um lugar de celebração, de comunhão", afirma Vladimir. "[Há] uma sensação de que todos os atores deveriam, se possível, estar nos palcos. Como se a gente pudesse criar um ato de resistência, começar uma primavera."

Retrato do ator Vladimir Brichta, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

Até maio deste ano, o ator esteve na grade da TV Globo com a novela das sete "Quanto Mais Vida, Melhor!". O folhetim já estava gravado do começo ao fim quando foi ao ar. Se no início do processo Vladimir Brichta pensou que encenar uma trama em que personagens trocam de corpos o desafiaria, em pouco tempo descobriria que a novidade do formato seria a grande surpresa.

"De repente, a gente viu que o maior desafio era fazer 161 capítulos sem assistir. E a gente descobriu o que já suspeitava: que novela, de fato, é uma obra aberta e funciona melhor dessa forma", diz. "Há 20 anos eu faço novela. Me lembro da gente, em dado momento, até se queixar um pouco: ‘Pô, mas o olhar do público acaba interferindo. Que bom seria se já estivesse tudo escrito’. [Queria] que fosse tratado como um roteiro de cinema ou uma peça de teatro. Agora sentimos na pele que não, pelo contrário."

Apesar de valorizar os pitacos do telespectador, ele diz não se sentir pressionado pela audiência ao assumir um papel em uma novela. "A gente sempre espera que o nosso próximo trabalho seja uma ‘Avenida Brasil’", diz, brincando, em menção ao sucesso de 2012. "A gente torce pelo melhor. Mas a questão da audiência, como ator, não é uma coisa que me afeta muito. Se eu conseguir fazer o melhor possível, provavelmente vai afetar de forma positiva o resultado da novela."

Antes de querer ser ator, Vladimir Brichta sonhou em se tornar jogador de futebol. A influência veio de Luca, personagem interpretado por Mario Gomes na novela "Vereda Tropical" (Globo), de 1985, que era jogador. "Meu primeiro ídolo de futebol foi um ídolo da ficção", afirma. Chegou a fazer um teste para integrar o time de sua escola em Salvador, onde cresceu, mas logo percebeu que seria melhor mudar a rota.

"Quando o técnico escolheu os dez jogadores, cinco titulares e cinco reservas, eu não estava entre os dez. Não sei se por alguma coisa que eu mostrei no teste ou se foi a minha cara de ‘pidão’, mas ele olhou pra mim e falou: ‘Você é o 11º, pode vir. Quando alguém faltar ao treino, você substitui’. Eu pensei comigo: ‘Eu sou reserva do reserva do time da escola’. Me inscrevi no curso de vôlei na semana seguinte [risos]."

A paixão pela modalidade faz com que ele se anime com a chegada da Copa do Mundo de 2022, embora a proximidade com as eleições deste ano faça ser mais difícil para ele separar um evento do outro.

Retrato do ator Vladimir Brichta, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

"Essa discussão sobre patriotismo e essa forma com que especialmente a camisa da Seleção e a própria bandeira foram meio cooptadas por uma direita radical que está no poder embaralhou as coisas. Parece que a bandeira pertence a um determinado discurso, e obviamente isso é um equívoco. Tem muito de ironia envolvida com isso: pessoas que reclamam sobre corrupção vestindo uma camisa da CBF."

"Inevitavelmente, essa proximidade gera uma expectativa sobre o que que vai acontecer. Mas eu torço por uma vitória da seleção brasileira. Se não for da seleção brasileira, eu passo a torcer por alguma da América do Sul e depois eu torço por uma vitória de um país africano. E, por último, um país europeu."

"Tenho muita raiva de várias coisas, mas no futebol sou muito amor", diz ele, que é torcedor do Bahia, mas também se dispõe a vibrar pelo rival Vitória e por outros times brasileiros, a depender do campeonato.

Uma das coisas que despertam sentimentos negativos, conta, são problemáticas sociais como violência e exclusão. "Tudo o que a gente entende como injustiça me irrita muito", afirma. Com uma história de vida marcada por diversos signos políticos —a começar pelo seu nome, uma homenagem a Vladimir Herzog, e por seu pai, um preso político da ditadura militar (1964 - 1985), ele afirma viver anos terríveis sob o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Retrato do ator Vladimir Brichta, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

"Se eu falar no meu lugar particular cheio de privilégios, é claro que sobrevivi muito bem. Sou contratado de uma empresa grande que produz entretenimento com alta qualidade e estive fazendo isso. Num lugar bem particular, eu passei bem, mas a gente não passa ileso. Até porque a gente não está falando só de uma gestão canhestra, mas de um legado para as próximas gerações."

"Concordo com meu amigo Wagner [Moura] que falou que é quase educativo. Não que a gente devesse [passar por isso], é uma maldição. Mas a gente teria que passar por causa de uma série de ensinamentos que não estávamos dispostos a aprender", segue. "A gente está sendo governado por uma horda de medíocres. O mais medíocre daquela área, você põe [no governo]."

Retrato do ator Vladimir Brichta, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

"São valores com os quais eu não comungo, em hipótese alguma, e se transformam em projetos. Esse é o grande mal. Se isso passa a virar projeto de lei, de extermínio, a gente tem um problema grave."

Aos 46 anos recém-completados, Vladimir Brichta afirma que envelhecer é a melhor opção de vida e que nunca foi de fazer grandes planos para o futuro. "Se me perguntassem [anos atrás], talvez eu achasse que já teria, sei lá, uns dois Oscars. Mas não aconteceu", diz, gargalhando. "Mas tenho um monte de prêmio do Faustão, se isso ajuda em alguma coisa."

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