Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Eleições 2022 jornalismo

'Há uma esquerda que reclama, mas, ao mesmo tempo, não quer mudar tanto assim', diz Marcos Uchôa

Jornalista fala sobre entrada frustrada na política e diz ter se decepcionado com a falta de engajamento nestas eleições

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Foram duas as vezes em que os ventos da política quase definiram o rumo de Marcos Uchôa. Na primeira delas, em 1975, o então jovem de 17 anos estava em uma fila, prestes a se inscrever no vestibular, quando ouviu um sujeito recomendar o curso de ciências sociais. Sem outras opções na manga e, àquela altura, um entusiasta da tentativa de reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), acatou a sugestão. "Era a volta da política, achei interessante", conta.

Com cabelos longos que se estendiam para além da linha dos ombros e uma rotina preenchida por partidas de futebol na praia, o carioca destoava de seus colegas de classe —em sua maioria, mais velhos e já empregados. Mas seriam outros os motivos que o fariam desistir da graduação. "A gota d'água foi quando, em uma reunião de estudantes, estavam debatendo se apoiariam ou não a China. Achei de uma pretensão, de um ridículo. Não deu pra mim."

O jornalista Marcos Uchôa e sua esposa, Tereza, quando jovens, em foto publicada por ele nas redes - @marcosuchoaoficial no Instagram

A segunda vez ocorreu neste ano, quando se filiou ao PSB e se lançou candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro aos 64 anos. Defendendo bandeiras como a urgência de dar comida aos que passam fome, a criação de uma renda mínima e a ampliação do ensino público integral, nas últimas semanas ele percorreu cidades do estado como Volta Redonda, Rio Bonito, Macaé e Cabo Frio.

No dia 30 de agosto, porém, o que parecia ser o início da aventura do jornalista que trocou as telinhas pela política após 34 anos de TV Globo chegou ao fim. Afirmando não ter recebido do presidente do PSB no Rio de Janeiro, Alessandro Molon, as verbas que lhe cabiam para investir em sua campanha, Uchôa renunciou ao pleito.

"Desde maio que estou perguntando para o Molon [quanto receberia]. Não para saber o número certo, mas a ordem de grandeza para me planejar. Passou maio, passou junho, passou julho. No domingo, dia 28 de agosto, não só não tinha o dinheiro, mas faltava informação [de quando receberia]. Constatei que era tarde demais", afirma à coluna. "Era como se quisessem que eu jogasse os 15 minutos finais do jogo."

A ideia de entrar para a política começou a amadurecer em novembro do ano passado, pouco depois de deixar a maior emissora do país, durante uma festa reservada na capital fluminense. O ex-comentarista Arnaldo Cezar Coelho era o anfitrião, e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (PSDB-RJ), um dos convidados.

Após o convescote, surgiu uma oportunidade para que o jornalista se encontrasse com Maia em um hotel, onde o parlamentar estava hospedado. A ideia de Uchôa era saber o que o veterano pensava de seu ensaio para a entrada na política institucional. "O Rodrigo Maia é filho de exilado político, né? Ele nasceu no Chile, na verdade. A gente tinha um pouco dessa coisa em comum, filhos de exilados. E o Cesar Maia [pai de Rodrigo] lá atrás foi do PDT junto com o meu pai [professor exilado em 1964]. Mas o Rodrigo Maia foi politicamente mais para a direita, e eu fui mais para a esquerda", diz.

No mesmo dia em que foi estimulado por Maia a seguir com seus planos e chegou a ser convidado para fazer parte do projeto de ampliação do PSDB no Rio de Janeiro, Marcos Uchôa se dirigiu à casa do deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ), hoje candidato a governador do Rio, para ter um segundo parecer. Mais uma vez, recebeu apoio.

Marcos Uchôa na Síria, durante a guerra, em 2017 - Arquivo pessoal

"Eu não queria sair da TV Globo para ir para o PT ou para o PSOL, porque acho que estaria fechando portas para um diálogo que queria ter. Iam falar: ‘Ah, é petista, não quero falar com você’. E eu, justamente, acreditava que tinha a capacidade de poder falar com todo mundo. [Naquele dia] achei que o que o Freixo estava falando tinha sentido para mim. E eu achava que ele tinha chance [de se eleger] ali no PSB. A coisa se decidiu muito facilmente."

Mas o martelo só foi batido mesmo em casa, após muitas conversas com sua esposa, Tereza. Com ela, está casado desde os 22 anos e tem três filhos, Conrado, Lara e Gustavo. "Não tomo nenhuma decisão dessas sem ser com a Tereza junto. Ela tem 51% das ações", afirma, rindo.

Questionado sobre quais foram as suas motivações para pensar em disputar a Câmara, o jornalista diz que a primeira delas era usar a sua voz e a sua credibilidade para alertar a sociedade de que mais quatro anos de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência seria ruim. Em segundo lugar, falar ao Rio de Janeiro que, após sucessivas gestões de governadores presos e cassados, o estado poderia ser comandado por alguém como Freixo. Ser eleito, de fato, era a terceira e a última de suas prioridades.

De acordo com o raciocínio de Uchôa, ter transitado entre pessoas de direita, de centro e de esquerda e ser alguém que gosta de dialogar seriam atributos desejáveis em um "momento pós-Bolsonaro", em que todos devem procurar "conversar com o outro lado em vez de se xingar". "Não sou nenhum Felipe Neto ou um cara do Flow [Podcast], mas tenho certo peso. Tem pessoas que gostam do meu trabalho."

"Mas, de certa maneira, gastei um pouco do meu patrimônio, né? [risos] Porque eu perdi pessoas que gostavam de mim como repórter e agora se incomodaram com os meus posicionamentos. Mas eu sabia que isso ia acontecer, e achava que o preço a se pagar valia para ajudar a tirar o Bolsonaro [do poder]."

Embora não tenha sido a política o motivo de seu pedido de demissão da rede Globo, uma coisa sucedeu a outra de maneira quase imediata, diz. "Cheguei a pensar em uma ONG, mas não tem ONG maior que a política", afirma sobre os planos que traçou.

Antes de entrar de cabeça no universo das campanhas, Marcos Uchôa nem sequer tinha redes sociais. Consigo, carregava as credenciais de correspondente internacional que atuou nas coberturas mais emblemáticas das últimas décadas. No seu currículo há guerras como a do Iraque, terremotos como o do Paquistão, tsunamis como o de Fukushima, múltiplas edições do Fórum Econômico Mundial, dez Olimpíadas, oito Copas do Mundo e estadias de longa duração em cidades como Nova York, Londres e Paris.

Por pouco, não foi correspondente da Globo no Oriente Médio, região sobre a qual se diz profundo conhecedor e leitor assíduo. A proposta da emissora era que reportasse a partir de Jerusalém, em Israel. Embora gostasse da ideia, Uchôa afirma ter avaliado que se estabelecer na cidade sagrada poderia dificultar a obtenção de visto para ir a alguns países árabes. Ele, então, propôs outras capitais para fazer residência —mas a chefia não topou.

"Na época, a Globo não quis porque achava que, ao tirar [um correspondente] de Jerusalém, receberia uma crítica grande da comunidade judaica, perderia esse lado religioso. Mas eu falei: ‘Não quero cobrir o Oriente Médio da calçada’, que é uma coisa que sempre fui muito contra."

"Por uma questão econômica, a Globo começou a fazer um jornalismo que eu chamo de jornalismo de calçada. Você usa as imagens de agências [de jornalismo] e grava uma passagem de onde estiver. Você fala sobre Hong Kong de Nova York, mas você não vai [aos lugares]."

"Eu perturbava os chefes, na verdade. ‘Vamos viajar, vamos viajar’. Não largava o osso enquanto não aceitassem [risos]. Mas, por várias razões, a Globo estava indo numa direção de diminuir e quase acabar com esse tipo de cobertura. E essa é a razão, no final das contas, pela qual eu acabei saindo da Globo."

No breve período em que foi candidato a deputado federal, Uchôa afirma ter ouvido muitos pedidos de emprego por parte de eleitores. "Mas, neste momento, você entende", contemporiza. Ele se diz surpreso por não ter sido alvo de hostilidade nas ruas, e diz que um dos episódios mais comoventes da campanha se deu durante uma visita a uma ONG na Cidade de Deus, na capital fluminense.

A organização visitada se dedica a oferecer psicoterapia gratuita para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. "É uma área em que os pobres estão muito abandonados até pela esquerda. A esquerda pensa em pobre em termos de comida, ‘vou dar comida e está tudo certo’, mas você ser pobre é foda. É o desemprego, é a violência da polícia e da família também, muitas vezes. E tudo explode na cabeça."

Marcos Uchôa conversa com eleitores durante viagem pelo estado do Rio de Janeiro, em agosto de 2022 - @marcosuchoaoficial no Instagram

"Eu não ia à Cidade de Deus havia muito tempo. Mas você nota ali a quantidade de coisa que pode ser feita diretamente com emendas parlamentares. O Estado é muito poderoso, é uma ONG enorme. Nessa hora, você fala: ‘Caramba, a gente pode fazer uma diferença muito rápido’."

Ao falar sobre as condições colocadas pelo PSB que o levaram a desistir da disputa pela Câmara, Marcos Uchôa afirma que admira Alessandro Molon por seu trabalho no Congresso, mas pondera que "ele não é o presidente que o partido precisa".

"A gente não teve nenhuma reunião esse tempo todo. Todos os candidatos federais e estaduais não sabiam o que estava acontecendo. ‘Você sabe de alguma coisa, dinheiro, verba?’. Todo mundo falando pelos cantos: ‘Não sei de nada’."

"Como é que pode não ter nenhuma reunião para apresentar os candidatos? Não tentar fazer uma coisa incomum, já que tem menos dinheiro? Isso está na conta, no caso do Rio de Janeiro, do Molon. E, a nível nacional, está na conta do Carlos Siqueira [presidente do partido]. Eu vi no PSB uma certa incompetência para lidar com as necessidades do que é da política."

E continua: "O Molon, presidente estadual, tem responsabilidade nisso. Por que você não delega? Bota um segundo para cuidar do seu partido? O secretário-geral [do PSB no Rio] era o motorista dele. Não estou fazendo juízo de valor, ele pode ser ótimo. Mas me parece estranho virar presidente estadual e trazer o seu motorista."

"Ele não precisa gostar de mim, não precisa achar que a minha candidatura teria chance. Ele tem o direito de ter o julgamento dele. Mas eu, como candidato do partido, merecia um pouco de atenção."

A frustração do neófito na política partidária, contudo, não se restringiu à sua legenda. "Senti até de amigos uma certa decepção, devo confessar", afirma. Divididos entre aqueles que se entusiasmaram com a candidatura e os que disseram que Uchôa estava entrando numa roubada, o jornalista diz que esperava mais proatividade do primeiro grupo. "Quando chegou na hora da campanha, não senti essas pessoas mobilizadas."

"O pessoal que está melhor de grana, ao mesmo tempo que reclama, está satisfeito com a vida como está", diz. "E eu acho que o problema do Brasil em grande parte é isso, que as pessoas de bem não se aproximam da política. E não se aproximam da coisa que realmente faz a diferença."

Marcos Uchôa na Feira da Glória, no Rio de Janeiro, ao lado de bolsa estampada com a frase "tá tudo caro! Culpa do Bolsonaro" - @marcosuchoaoficial no Instagram

"As pessoas basicamente não se interessam nem em reunião de síndico, né?", segue, entre risos. "Acho que isso simplesmente ilustra o momento de paralisia e de anestesia de uma esquerda que está bem profissionalmente, que tem a sua empregada, que tem a sua estrutura, que consegue viajar, que consegue estar bem. E que reclama, mas, ao mesmo tempo, não quer mudar tanto assim."

Até o mês de outubro deste ano, Marcos Uchôa pretende se dedicar à campanha de Marcelo Freixo para governador. Para depois do pleito, diz ter planos de voltar ao jornalismo (ele conta que já recebeu mais de dez propostas desde que deixou a Globo). Qual o balanço que faz de sua empreitada na política? "Acho que tive uma certa inocência adolescente", afirma.

"Sabe quando você é adolescente e pensa: ‘Eu vou ajudar, eu vou mudar’? Obviamente não sou nenhum adolescente político, eu entendo muito bem no que estava entrando. Mas achei que a boa intenção que você sente naquele momento da juventude era importante ter agora, aos 64 anos. Achava que era muito importante a boa intenção, a reclamação e o posicionamento. Denunciar mesmo o que o Bolsonaro representa."

OUTRO LADO

Procurado pela coluna, o deputado federal Alessandro Molon confirma que foi contatado por Marcos Uchôa em diversas ocasiões, mas diz que não tinha como antecipar o valor que seria repassado a sua campanha sem que fosse feita a distribuição pela direção nacional do PSB. "Antes disso, era impossível dar um valor. Seria uma irresponsabilidade", afirma.

Molon diz que a legenda no Rio de Janeiro recebeu seu quinhão do fundo partidário apenas em 25 de agosto, da mesma forma como ocorreu em outros estados. "Atingiu todas as candidaturas, inclusive a minha", afirma o parlamentar. "Diante da incerteza, lancei uma campanha de arrecadação para conseguir financiar a campanha que eu acho necessária para vencer as eleições", segue.

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O deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), no plenário da Câmara, em Brasília - Pedro Ladeira - 12.jul.2019/Folhapress

O presidente do PSB fluminense ainda afirma se solidarizar com a reclamação de Uchôa. "Compreendo essa angústia, que também vivi. Lamento profundamente, mas não dependeu de mim. Não posso distribuir o que não tenho, só o que recebo", diz.

Molon se defende da acusação de que seria um mau gestor. "Quem não conhece a vida partidária não consegue imaginar a quantidade de desafios e de problemas que um dirigente partidário tem que lidar. Com mais vivência partidária, ele [Uchôa] vai mudar a versão sobre os desafios que são colocados para um dirigente, que não são pequenos."

E diz torcer para que, em um próximo pleito, o jornalista repense a renúncia deste ano para se lançar candidato. "Infelizmente foi a decisão que ele tomou e tem que ser respeitada. Espero que ele reconsidere, porque o país precisa de pessoas de vários meios, trajetórias e vivências para melhorar a política", finaliza.

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