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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Lacradores se comportam como fascistas, diz Monark, do Flow

Programa, fenômeno de audiência, perdeu patrocínio após sócio ser acusado de racismo

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Os criadores do Flow, Monark e Igor 3K, no estúdio da empresa, na zona leste de São Paulo Adriano Vizoni/Folhapress

A sede do Flow, na Vila Prudente, zona leste de São Paulo, é uma casa com três andares, sala ampla com máquinas de jogos eletrônicos, garagem no subsolo e cinco estúdios de gravação. Mas não dá conta mais do entra e sai de pessoas.

"A gente está com um problema de espaço, que vai ser resolvido no início do ano que vem", diz o carioca Igor Coelho, 36, o Igor 3K, um dos donos da produtora de podcasts.

A empresa, tocada por ele e pelo paulistano Bruno Aiub, 31, conhecido como Monark, acaba de comprar uma nova casa ali perto, que está sendo reformada para abrigar mais estúdios. Também foi alugado um prédio de cinco andares nas redondezas apenas para a área administrativa.

Os criadores do Flow, Igor 3K (à esquerda) e Monark, no estúdio da empresa, na zona leste de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

A expansão se justifica. Fenômeno de audiência nascido há meros três anos, o Flow já tem 11 diferentes programas e cerca de 80 funcionários.

O carro-chefe, tocado por Igor e Monark, entrou no roteiro de políticos, influenciadores digitais e celebridades. Na plataforma Twitch, onde é transmitido, tem mais de 1 milhão de seguidores. No YouTube, a íntegra de cada conversa passa fácil de 100 mil visualizações, fora os cortes de trechos que circulam em diversas plataformas.

"A gente só explodiu no último ano", diz Igor, que acha que o maior consumo de mídia digital durante a pandemia pode ter contribuído para o salto.

"A pandemia com certeza acelerou a divulgação desse formato que a gente começou a apresentar no Brasil", concorda Monark, antes de abrir um frigobar dentro do estúdio e pegar um energético, oferecendo outro ao repórter.

O estilo dos programas é marcado pela hiperinformalidade. A dupla fala palavrões em profusão, consome bebidas alcoólicas e eventualmente fuma maconha. Ambos têm uma queda especial por vinho de mel, produzido por uma empresa de Sorocaba da qual o Flow é sócio. "Às vezes eu bebo demais [durante o programa], aí me enrolo", diz Monark.

Apresentador fuma maconha
Bruno "Monark" segura um suposto cigarro de maconha durante programa exibido na internet - Reprodução/Youtube

Tamanha falta de cerimônia acaba soltando a língua dos sócios, uma prática que não se restringe ao podcast. No final de outubro, Monark provocou furor por uma série de tuítes em que fazia uma defesa radical da liberdade de expressão, inclusive o direito de as pessoas terem opiniões racistas.

Foi torpedeado durante dias, mas também defendido por figuras díspares como o humorista Danilo Gentilli e o jornalista Glenn Greenwald. O maior ataque veio do iFood, que cancelou o patrocínio ao Flow e disse em nota que "repudiava qualquer tipo de discriminação".

"É um sintoma dessa doença que a gente vive. Todo mundo tem que ficar sinalizando virtudes para parecer perfeito, senão você é racista ou homofóbico", reagiu Monark na conversa com a Folha, ocorrida em 5 de novembro.

Dois dias depois da entrevista, as empresas decidiram pôr panos quentes no caso, embora sem retomar o patrocínio. Em nota conjunta, iFood e Flow disseram que "atos preconceituosos são inaceitáveis. Racismo é crime. A liberdade de expressão jamais deverá ultrapassar os limites da lei".

Monark diz que não é racista, e que apenas defende que opiniões sejam externadas. "O que faz o crime é o ato, não a opinião. Só ter uma opinião não te faz um criminoso", justifica.

"As pessoas têm de ter a capacidade de expor as suas opiniões ignorantes e serem rechaçadas. E quando a pessoa for rechaçada, não deveria ser expurgada do debate público, deveria ser educada, corrigida", diz.

Afinados, os sócios dizem que não gostam de serem colocados em "caixinhas ideológicas".

"Primeiro a gente era chamado de anarcocapitalista [liberais extremos]. Depois viramos podcast de direita, depois podcast de esquerda. Agora a gente é só os filhos da puta da internet", diz Igor.

O que os norteia, prossegue o carioca, é a defesa da liberdade. "Tenho ideias que se assemelham com a caixinha da direita e a da esquerda. Sou a favor da liberação das drogas e das armas, por exemplo".

Já Monark afirma ser favorável ao aborto. "Isso é ser de direita? Não é".

Em muitos pontos, o discurso do Flow de defesa da liberdade se aproxima do repertório bolsonarista, com críticas, por exemplo, ao inquérito aberto pelo STF sobre as fake news e ao poder das plataformas de remover conteúdo.

"O STF é um problema hoje. Está começando a ter um poder que um rei tinha", diz Monark. "Se você tem um sistema que pune quem fala coisas, tem que colocar um juiz que julga o que essa pessoa falou. A partir do momento que criou esse sistema, fudeu", completa.

Da mesma forma, ele vê exageros nas restrições de movimento impostas durante a pandemia, embora diga que não minimiza a gravidade da doença. "A gente não pode, em razão da pandemia, que é uma coisa terrível e que a gente tem que tomar cuidado, acabar com a liberdade e a condição de ganhar pão de milhões de pessoas".

Em linha com sua pregação pela liberdade, Monark diz que Bolsonaro tem de direito a dar inclusive opiniões falsas sobre a Covid-19. "O presidente tem, sim, a liberdade de mentir. Se a gente for prender presidente que mentir, prende todos", afirma.

Nada disso, diz, faz dele um bolsonarista. "Já fui chamado de petista também. O Flow não é de esquerda nem direita, é um lugar plural, que quer ouvir todo mundo. Dentro de mim eu tenho todos os lados", afirma.

A audiência majoritária do Flow é de jovens adultos, na faixa de 25 a 40 anos, dizem os sócios. "Se eu tivesse que chutar, diria que é um público mais de direita", afirma Igor. "Direita e mais liberal. Porque a esquerda bate muito na gente", completa Monark.

A esquerda está tomada, afirmam eles, pelas culturas da lacração e do cancelamento, sobre as quais não medem as palavras.

"O que a galera da lacração faz? Opa, não gostei do que você falou, não concordo com o que você pensa, portanto você deve ser punido, tirado do diálogo público, ter perda de patrocínio. Isso não parece fascista?", diz Monark.

O podcast começou de forma caseira em Curitiba (PR), onde os dois se conheceram em 2016. Ambos tinham canais dedicados ao universo gamer no YouTube, e haviam se refugiado na capital paranaense em busca de custo de vida mais baixo.

Os criadores do Flow, Igor 3K (à esquerda) e Monark, no estúdio da empresa, na zona leste de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

Monark começou jogando Minecraft em 2010, e seu canal estourou. "Eu só levava pau da Galinha Pintadinha, que tinha 20 vezes mais views do que eu por mês", diz. O apelido, ao contrário do que muitos pensam, não tem relação com a marca de bicicleta, mas é um diminutivo de "monarquista", porque ele gostava de estudar o tema na adolescência.

Já Igor era adepto do GTA (Grand Theft Auto), em que o jogador controla criminosos pilotando carros roubados.

Tornaram-se amigos e decidiram apostar num projeto conjunto, inspirado no podcast do comediante americano Joe Rogan, conhecido pela informalidade e por permitir longas conversas.

"Para mim foi fácil porque eu sou carioca, carioca fala pra caramba, e fui professor, dei aula de inglês sete anos. Para mim não é um problema falar", diz Igor.

Cada programa tem em média entre 1h e 2 h de duração, mas não há limite de tempo. O recordista foi o de Ciro Gomes (PDT), que durou 4h42 min.

O começo, ainda em Curitiba, foi atribulado. Os sócios gastavam suas economias no novo projeto, incluindo despesas para levar convidados à capital paranaense.

"A gente começou tudo errado. Comprar uma mesa de madeira foi a única coisa que a gente acertou. Compramos microfones errados, câmera errada... A gente foi tomando no cu nessa questão de equipamento, mas foi aprendendo", diz Monark.

Os criadores do Flow, Igor 3K (à esquerda) e Monark, no estúdio da empresa, na zona leste de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

A coisa começou a mudar quando foram contratados pelo Facebook, interessado na audiência dos canais de gamers que mantinham. O dinheiro possibilitou a estruturação do Flow e a mudança para São Paulo. Hoje, a receita é 60% de anunciantes e 40% de monetização na internet.

Desde então, foram 500 programas, com presença grande de políticos, nomes que vão de Eduardo Bolsonaro (PSL) a Marcelo Freixo (PSB).

"A gente quer impactar no jeito que a sociedade enxerga a ela própria. Um dos caminhos para isso é conversando com quem está comandando a sociedade", diz Igor.

Dos grandes nomes, faltam Jair Bolsonaro, que chegou a marcar e depois cancelar, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que apenas enrola, diz Monark. "Lula fala que vai ver, vai ver, vai ver...". Sergio Moro (Podemos), agora que voltou à cena política, também está na mira.

Mas eles não descuidam também do universo do entretenimento, que traz audiência. O recorde pertence a Gentilli, com 9,2 milhões de visualizações. "Mas é que ele trouxe umas putas", diz Igor.

A dupla não se define como jornalistas, mas "comunicadores". Eles também dizem que o que fazem não é exatamente uma entrevista.

"Não tenho nenhuma pauta. Quando vou conversar com político, geralmente dou uma estudada, porque sei que eles são sabonetes. Mas o que a gente faz é chegar totalmente desarmado", diz Igor. "Entrevista pressupõe preparo. Não é nosso propósito", completa Monark.

Isso não significa, dizem, pegar leve com os entrevistados. "A gente é cortês, mas combativo", afirma Igor.

O objetivo é deixar o político falar informalmente, mas alguns só querem "fazer palestrinha" —como aconteceu com João Doria (PSDB), diz o carioca.

"Monark perguntou uma parada, o cara começou a sabonetar, o Monark quis interromper, o cara continuou falando, levantou a voz e a gente esperou ele acabar. Quando acabou eu perguntei de novo".

Para o ano que vem, o Flow planeja investir pesado no tema eleitoral. Uma ideia é promover encontros entre dois candidatos, num formato mais informal que debates. Mas os sócios não sabem se vão conseguir. "O problema vai ser fazer com que os caras conversem, não se atraquem", diz Igor.

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