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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Pelé compôs música para a Copa no Brasil; ouça

Jogador cantou trecho da canção em entrevista à coluna em 2014

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Em maio de 2014, às vésperas de o Brasil sediar a Copa do Mundo, Pelé compôs uma música para a seleção brasileira. "Já nos deu tanta alegria/ já chorei de emoção/ futebol está na veia da nossa nação", dizia a composição, que o craque cantou para o repórter Joelmir Tavares.

Ouça abaixo Pelé cantando a música

A coluna acompanhou Pelé durante compromissos profissionais que ele teve em São Paulo. Na ocasião, o caminho do ex-jogador cruzou com o de protestos que pipocaram pelo país antes da realização do torneio.

Pelé disse que via a manifestações como "uma coisa natural da democracia". "Há mais visibilidade agora. Os grupos têm que reivindicar. O que não é aceitável são badernas, quebra-quebra. Mas reivindicação tem que ter mesmo, cobrar dos políticos."

O jogador só não queria que os protestos atrapalhassem os jogos. Afirmou também que não era justo descontar nos atletas a insatisfação com o país. "A corrupção na política, os acréscimos do custo dos estádios, o jogador não tem nada com isso. Não tem culpa."

Abaixo, releia a reportagem publicada em maio de 2014:

Pelé olha através do vidro fumê da van parada no meio do trânsito da avenida Paulista. Ben Brobby, guarda-costas britânico que o acompanha, apressa-se para fechar a cortina e esconder o rosto do ex-jogador. "Cadê a polícia?", pergunta em inglês o segurança, erguendo as mãos e mirando um grupo de manifestantes que bloqueia a via.

"Olha o protesto", diz o ex-craque, despreocupado. "A gente hoje vai jantar aqui", brinca, enquanto à frente membros de um movimento de luta por moradia pulam e gritam. A cena, observada pelo repórter Joelmir Tavares, ocorre na saída da inauguração da pintura do rosto do Rei do Futebol em um orelhão. Mesmo sem anúncio, a passagem dele atraíra uma multidão de fãs em minutos.

"São Paulo virou um grande acampamento", o transtorno "é culpa desse prefeito do PT" —e Fernando Haddad "nem pode fazer nada, porque foi o partido que criou tudo isso [movimentos sociais]". São frases ditas no veículo, ocupado por pessoas da equipe do ex-jogador e da operadora telefônica Vivo, responsável pela ação publicitária. Pelé só ouve, calado.

De repente, pelo menos 12 seguranças fazem uma operação em meio aos carros. A van volta de marcha a ré e escapa do tumulto por uma rua lateral. "Pô, não faça isso. Eu queria dar um abraço no pessoal lá", diz, em tom de humor. Todos gargalham. "I'd like to say hello to the people", traduz ele para Ben.

Passa das 11h do último dia 8. Pelé volta para um hotel perto dali para mais compromissos com a Vivo, da qual é contratado. A mesma Copa que faz manifestações pipocarem é a razão de sua agenda lotada de eventos comerciais e oficiais. Lançara um livro na noite anterior e autografaria outro naquele dia até as 22h30.

No caminho, reclama da lenta recuperação da cirurgia no quadril em novembro de 2012. Tem driblado a dificuldade para andar apoiando as mãos nas paredes ou em alguém. "Falei para o médico: 'Pô, você me disse que em seis meses eu já estaria dando dois toquinhos [na bola], mas até hoje não estou recuperado'."

As muitas viagens —rodou vários países com a taça do Mundial e agora faz o mesmo no Brasil— prejudicam o restabelecimento, ele reconhece. "Não consigo dar sequência na fisioterapia." A acupuntura o ajuda a aliviar as dores, como conta Flávia Kurtz, a filha fisioterapeuta da qual Pelé revelou ser pai em 2002.

"Pegar avião toda semana e dormir cada noite em um colchão não ajuda em nada", diz ela. Outra filha assumida pelo ex-jogador, Sandra, morreu em 2006, após batalha judicial para obrigá-lo a reconhecê-la. Um teste de DNA provou o parentesco. Pelé tem mais quatro filhos.

A mais recente criação dele é a música que compôs para a Copa, cujo título não revela. Pensou em lançá-la na Olimpíada, mas já gravou a parte vocal e deve apresentá-la nos próximos dias. Uma das ideias é fazer o clipe junto com crianças em uma favela.

"Já nos deu tanta alegria/ já chorei de emoção/ futebol está na veia da nossa nação", diz a composição, que o autor canta para o repórter, em uma sala do JK Iguatemi. Está no shopping, à noite, acompanhado pela namorada, a empresária Márcia Aoki, 48, para lançar uma biografia de luxo com fotos da carreira —cada livro custa R$ 5.500, valor suficiente para comprar 932 álbuns de figurinhas da Copa, vendidos a R$ 5,90.

Critica as canções para o evento que saíram até agora. "Falta uma brasileira mesmo", diz. "Ouvi a do [porto-riquenho] Ricky Martin, mas não gostei." A música-tema do Mundial é interpretada pelos americanos Pitbull e Jennifer Lopez e por Claudia Leitte. Artistas como Paulo Miklos, Seu Jorge e Gaby Amarantos gravaram faixas para Itaú, Coca-Cola e outras marcas.

Além do pé atrás com os ritmos importados e letras em inglês, Pelé é contra o fato de ressaltarem só momentos de alegria. "Não lembram das dificuldades." Para ele, as músicas têm que incentivar a torcida a apoiar a seleção mesmo se no início ela não estiver bem. "A minha letra pede para não vaiar [o time]."

Ele então teme por tropeços do grupo de Luiz Felipe Scolari? "Não, não. É que o torcedor é muito exigente, né [risos]?" Afirma confiar em Neymar e companhia. "A defesa está forte. Falta agora acertar o ataque." Se tivesse "poder divino", formaria a final Brasil x Uruguai —para uma revanche da decisão de 1950, quando os uruguaios calaram o Maracanã.

Fora dos gramados, vê como "uma coisa natural da democracia" manifestações semelhantes à que cruzou seu caminho naquela manhã. "Há mais visibilidade agora. Os grupos têm que reivindicar. O que não é aceitável são badernas, quebra-quebra. Mas reivindicação tem que ter mesmo, cobrar dos políticos."

Só espera que protestos não atrapalhem os jogos. "A gente tem que pedir para que entendam que o futebol é que fez o Brasil no mundo. Então vamos apoiar, né? Fazer o máximo para dar certo." Diz ser injusto "descontar" nos atletas a insatisfação com o país. "A corrupção na política, os acréscimos do custo dos estádios, o jogador não tem nada com isso. Não tem culpa."

E segue o raciocínio: "Esse escândalo que teve agora na, na... com, com a... com o petróleo brasileiro..." Da Petrobras, completa o repórter. "Da Petrobras. É um escândalo que não tem nada a ver com futebol, mas prejudica muito o povo, né? É um dinheiro que é nosso, né?"

Poço rico em opiniões, ele declarou recentemente ter sido "banal" o ato racista sofrido pelo jogador Daniel Alves, que comeu uma banana lançada em campo para ele, na Espanha. Sobre um acidente que matou um operário no Itaquerão, afirmou que "é normal, são coisas da vida".

Garante só abrir a boca para responder à imprensa se conhecer o assunto. "Quando eu não sei, não falo." Calado, na definição dada por Romário em 2005, Pelé "é um poeta". Ele rebate a alfinetada com firmeza: "Todo mundo me conhece no Brasil, desde os meus 17 anos. Sempre respeitei, fui honesto com todo mundo e amo o meu país. O que faço, o que procuro dar de mensagem, é o melhor para o país. Sempre vou ser assim, não vou mudar".

"Finish", anuncia a vietnamita Theresa Tran, assessora de Pelé que não fala português, finalizando a conversa. Ele se levanta e segue para sessão de autógrafos, fotos e sorrisos que duraria uma hora e meia. Enquanto o ídolo passa no meio do público, José Fornos, o Pepito, amigo e homem de confiança há 45 anos, sentencia: "Ele é igual curva de rio: onde passa, enrosca".

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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