Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu LGBTQIA+

Tinha medo de pessoas usarem minha sexualidade como algo que fosse manchete para elas, diz Jão

Cantor, que espera 50 mil pessoas em show gratuito neste domingo (11), fala sobre o sucesso de sua turnê e diz que tem aprendido a comemorar as suas vitórias

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O cantor Jão no Espaço Unimed, em São Paulo Breno Galtier/Divulgação

A primeira vez em que Jão subiu em um palco na cidade de São Paulo foi também a primeira vez em que viu esgotados os ingressos para uma apresentação sua. A façanha, ocorrida em 2017, é lembrada pelo cantor com certa graça —e não sem motivo. O espaço tinha capacidade para apenas 30 pessoas. "A gente fez questão de fazer um pôster gigante escrito ‘esgotado’", relembra ele, aos risos. "A gente não entendia nada de show."

O público diminuto, o palco improvisado e a falta de experiência não dariam a menor pista do que o artista nascido e criado na interiorana Américo Brasiliense (SP) alcançaria cinco anos depois.

Após uma turnê que rodou o país com ingressos esgotados em diversas cidades, Jão espera cerca de 50 mil pessoas em um show gratuito que será realizado no vale do Anhangabaú, na região central da capital paulista, neste domingo (11). Uma fila virtual com mais de 330 mil interessados se formou no site que disponibilizou os tíquetes para a apresentação, e a procura avolumada chegou a tirar a plataforma do ar.

"Acho que eu vou precisar de uma semana para processar o ano inteiro", brinca ele, que carrega na bagagem de 2022 um Lollapalooza, um Rock in Rio e duas indicações ao Grammy Latino pelo álbum "Pirata", que dá nome à sua turnê. "Estou sentindo que são várias conclusões de ciclos, e eu sou uma pessoa que demora a processar as coisas que estão acontecendo."

O cantor Jão durante show no Espaço Unimed, em São Paulo - Breno Galtier/Divulgação

"Eu tenho um problema para comemorar e aceitar [conquistas], um medo de baixar a guarda e alguma coisa ruim ou alguma rasteira acontecer [risos]. E nesse ano acho que eu fui forçado a comemorar as coisas, a sentar e falar: ‘Não, está tudo bem, foi uma vitória’."

Jão recebeu a coluna no Espaço Unimed, em São Paulo, onde desembarcou no mês passado com o seu navio pirata pela sexta vez neste ano —o objeto cenográfico tem mais de três metros de altura e é usado como uma espécie de extensão do palco durante as apresentações. Três horas antes do início do espetáculo, a fila de fãs que aguardavam a abertura do espaço já dava voltas no quarteirão. Gritos podiam ser ouvidos por quem estava no interior da casa de shows.

Usando uma calça preta aveludada e uma regata branca sobreposta por uma camisa social azul, desabotoada até a metade do peito, o cantor parecia uma espécie de Morrissey ao receber fãs que desembolsaram um pouco mais que os demais para o "Meet and Greet", encontro de poucos minutos em que eles têm a oportunidade de tietar e de fazer fotos com o artista. A coluna não pôde se aproximar do cantor durante as conversas. "É um momento íntimo dele com os fãs", alertou o assessor.

"É sempre muito emocional, é pesado até, porque eu acho que eles nunca vêm só com a expectativa de tirar uma foto. E, para mim, isso é muito importante, porque o meu trabalho requer esse tipo de emoção, de atenção", explicou Jão depois. A fila, segundo ele, incluía daqueles que o acompanham desde os primeiros covers publicados no YouTube às pessoas que fazem um bate-volta e percorrem centenas de quilômetros de ônibus para vê-lo cantar.

O ídolo pop assina versos como "É que eu sou fraco, frágil, estúpido / Pra falar de amor", "Ai, meu Deus, eu vou morrer sozinho" e "Eu vou te amar como um idiota ama" e soma hoje mais de 2,5 milhões de ouvintes mensais na plataforma de streaming Spotify. Entre os seus admiradores mais ilustres está a filantropa Lucinha Araújo, que já comparou o paulista a seu filho, Cazuza, e revelou guardar recortes de reportagens sobre o jovem cantor.

O cantor Jão no Espaço Unimed, em São Paulo - Breno Galtier/Divulgação

"Desde o Rock in Rio [em que Lucinha subiu ao palco com ele] a gente vem conversando muito. Ela me fez um almoço de aniversário na casa dela que foi estranhamente incrível", diz Jão, que fez 28 anos em novembro. "A forma como ela me trata é muito gostoso."

Um dos pontos altos do convescote, conta, foi a comida servida. "Eu sou vegetariano, e tinha coisas para todo mundo. Comi um risoto com uma farofa de banana, e tinha um bolo de bala de coco muito bom." Mas não só, já que ele estava na casa da mãe de Cazuza, uma de suas maiores referências musicais. "Tinha [uma foto em] um quadro com toda a galera mais lendária da música brasileira, abraçados, numa festa que devia ser o aniversário de alguém. Para ela, aquilo é a vida dela e faz parte da história e da memória dela. Para a gente, teria que estar em um livro de história."

Jão diz ser grato a artistas de outras gerações que abrem caminho para quem está chegando. Ele cita como exemplos Nando Reis, com quem dividiu vocais na música "Sim", e Gal Costa, que lançou faixas com nomes da nova MPB em seu último disco. "Acho muito legal que pessoas como a Gal tenham dado essa oportunidade de a obra dela não parar por ali, sabe? Acho que, da mesma forma como eu e outros artistas que estão começando agora somos hiper criticados por conta de diversos fatores, toda essa galera muito lendária também foi [criticada] na época que começou. Não estou me comparando, mas eu acho que artistas entendem."

"A música não para com a vida do artista, continua muito além. É muito inteligente da parte desses artistas muito mais consagrados olharem para a nova geração e darem uma oportunidade pra gente."

Ele diz sonhar em conhecer Marisa Monte, voz do primeiro disco pelo qual se apaixonou na vida —mas não agora. "Eu tenho uma questão com encontrar pessoas que eu admiro e não ter a oportunidade de eles verem que eu sou uma pessoa legal. Às vezes é um momento tão curto e eu não queria falar qualquer coisa, tipo ‘ah, eu sou muito seu fã’", afirma, rindo. "Até eu ter a oportunidade de sentar e tomar um cafezinho com a Marisa Monte, acho que prefiro não conhecer", segue, brincando.

Jão se formou em publicidade e propaganda pela Escola de Comunicações e Artes da USP, berço de sua amizade com Renan Augusto, seu empresário, e Pedro Tófani, seu diretor artístico e co-compositor. "Eu sei o quanto a faculdade foi primordial na minha vida", diz ele, que já chegou a pagar a inscrição de vestibular para uma fã por querer que ela tivesse a chance de viver a mesma experiência.

O cantor Jão durante show no Espaço Unimed, em São Paulo - Breno Galtier/Divulgação

Na noite em que se apresentou no Espaço Unimed, Jão foi acompanhado pelos olhos atentos do professor da USP Luli Radfahrer, de quem foi aluno. "Estou numa mistura de feliz com perplexo. Muita gente com talento não enche uma coisa desse tamanho tão rápido. Sabe quando você está tentando entender?", disse Radfahrer à coluna.

"Não é nem um sonho que vira realidade porque a gente não sonha desse jeito. Isso aqui não é sonho. Isso aqui é delírio", afirmou ainda o professor.

Jão costuma dizer que toda a sua carreira foi milimetricamente planejada pelo trio formado com Renan e Pedro e que eles sabiam que um dia seriam reconhecidos. "É óbvio que a gente trabalha muito, que a gente dá o nosso sangue, mas também é uma questão de oportunidade, de sorte."

"Eu conto muito com a minha equipe e com meus amigos para me trazer para o chão. E para me colocar para cima também", diz Jão sobre os laços profissionais entremeados pelos pessoais. "Acho que [a música] é uma indústria que é muito fácil de as pessoas se rodearem de gente que fica te abraçando e rindo de qualquer coisa que você fale. Eles são bem o contrário. Me põem muito na realidade. E eu confio muito neles."

O cantor Jão com sua equipe durante show no Espaço Unimed, em São Paulo - Breno Galtier/Divulgação

Da experiência de trabalhar com amigos, o cantor diz que o mais difícil é se comportar. "Às vezes a gente tem que simplesmente apagar que somos amigos. Numa reunião, quando a gente tem que decidir alguma coisa, não dá pra gente simplesmente mandar um ‘vai se foder’ ou ‘nossa, você um idiota’", diz, rindo.

Como um artista que trazia referências a uma sexualidade fluida em seus clipes e letras, Jão sempre viu a sua orientação ser alvo de especulações. No ano passado, ele se declarou bissexual publicamente pela primeira vez. "Eu tinha muito medo de as pessoas usarem a sexualidade como algo que fosse uma manchete para elas. Sempre fui muito cuidadoso com isso porque não quero dar esse poder para elas."

"A minha sexualidade é minha, e eu vou falar e me expressar como eu quero", segue. "Depois que me firmei e entendi a minha voz, entendi que o que importava era o que eu falava. Foi quando eu me toquei que falar verbalmente sobre isso era interessante e necessário."

O cantor afirma que sempre sentiu confiança em seu trabalho —"ele daria certo uma hora ou outra", diz—, mas que não quer ser resumido a ele. "Vivemos numa época em que a gente é o que a gente faz, e só. E eu não quero ser ‘só’. Lógico que é a parte mais vital da minha vida hoje em dia, mas se isso não acontecesse, se eu não estivesse fazendo esses shows, se nada tivesse acontecido, eu não poderia parar de ser feliz."

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