Muniz Sodré

Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”

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O barato do absurdo

Mark Twain tem algo a dizer aos perplexos com o embotamento das faculdades mentais de extremistas

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"É mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas". Assim, "nunca discuta com pessoas estúpidas, porque vão lhe arrastar para o nível delas e acabar vencendo por experiência". Estas duas boutades ferinas de Mark Twain podem servir de guia para os perplexos com o embotamento das faculdades mentais de extremistas.

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Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro fazem bloqueio na rodovia BR-251, que liga Brasília a Unaí (MG), em protesto contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva - Pedro Ladeira 1º.nov.2022/Folhapress

De fato, é tarefa inglória argumentar sobre o grau de realidade de um fato, quando o interlocutor foi emocionalmente capturado por outra certeza, absurda. O fato: TSE, STF, militares, observadores internacionais, governantes à esquerda e à direita no mundo reconhecem a lisura das eleições brasileiras. Mas um empresário retruca: "Creio que é fraude. Mandei caminhões para protestar".

"Creio porque é absurdo" é frase derivada de Tertuliano, teólogo cristão do século três, que queria assim afirmar a fé como transcendental à razão. Só que extremismo nada tem a ver com teologia, e sim com basbaquice, imbecilidade ou estupidez legítima, que é uma forma deliberada de idiotia. Às vezes, o que se diz não coincide com o que se pensa, isso pode ser corriqueiro. Preocupante é o abismo entre um e outro, ocupado pelas ilusões de onipotência do estado de autoexaltação, em que o imbecil veste uma fantasia pretensamente capaz de resgatá-lo de sua miséria existencial. Por insólito que pareça, o absurdo banal é uma droga do extremismo.

Têm se multiplicado na mídia interpretações de natureza psi sobre o fenômeno. Em geral, numa bela língua, mas talvez seja um esforço excessivo. O estúpido, o imbecil, o cretino, o basbaque, o mané não comporta profundidade, é grosseiramente linear. Daí a dificuldade de apreendê-lo pela via da racionalidade culta: busca-se um sentido oculto na cabeça da ovelha, enquanto o comportamento é regido pela mecânica irreflexa do rebanho.

Por mais incômodo e ridículo que seja o despautério nas redes, em frente a quartéis ou sob um céu de ovnis, seria de bom aviso pautar a verve de Mark Twain, uma reflexão prática sobre os impasses do diálogo. Na verdade, isso pode estar ocorrendo, quando até mesmo militares começam a se preocupar mais com o lixo acumulado pelas "livres expressões democráticas" nas portas de suas unidades do que com aquele que enche cabeças "patrióticas" às voltas com picanha e linguiça, ao som de música sertaneja.

Mas estupidez não tem agenda, pode durar. Nesse meio tempo, recomenda-se aos sãos de espírito meditar sobre uma canção ("Le Roi des Cons") do genial Georges Brassens, em que ele diz ser possível rolar por terra a Coroa da Inglaterra, mas "não se destrona o rei dos imbecis". É empresa árdua, certo, porém factível: bem avisadas, as urnas democráticas dão conta do recado.

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