Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Luzes de esperança em meio a pandemia

O alojamento em hotéis pode ser a melhor solução para o isolamento de idosos de baixa renda

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A manchete da Folha de ontem (Nas favelas moradores passam fome e começam a sair nas ruas) confirma a argumentação na minha última coluna (Confinada, a classe média bate panelas; sem alternativas, os pobres farão saques). Se não forem implementadas políticas para atenuar a vulnerabilidade (econômica, social, sanitária, habitacional) da população da baixa renda, o país terá que conviver não só com uma epidemia devastadora, mas com o risco de uma rebelião social.

Felizmente, em meio a tanta insensatez do presidente, florescem pelo país iniciativas que poderão, além de atenuar as agruras do momento, indicar novos caminhos para o Brasil, no pós-Covid-19, enfrentar sua abismal desigualdade social.

A solidariedade e o senso de coletividade estão vencendo o individualismo e a ganância. Campanhas promovidas por movimentos, entidades e coletivos surgem em todo o país para apoiar famílias pobres, que estão perdendo a pequena renda que recebiam.

A tese de que o “país não pode parar”, felizmente, não vingou nem entre os governadores que apoiavam o presidente, como Caiado (GO) e Moises (SC).

O papel do poder público tem sido reconhecido mesmo pelos economistas liberais, mostrando que precisamos de um Estado que funcione bem e não de um Estado mínimo. O SUS tornou-se um xodó nacional, saudado como o único sistema universal de saúde em países capitalistas com mais de 100 milhões de habitantes.

Apesar da incapacidade ou desinteresse do presidente em coordenar uma ação governamental consistente, os bancos públicos criaram um programa para apoiar as pequenas e medias empresas, financiando a folha de pagamento dos trabalhadores de baixa renda e evitando sua demissão.

Até mesmo a histórica (e muitas vezes desprezada) proposta do senador Suplicy da renda básica de cidadania foi aprovada pela Câmara Federal, ainda que com outra denominação, em caráter provisório e com um valor abaixo do mínimo necessário para manter uma família.

São ações necessárias mas insuficientes. Além de renda para comer, a contenção da Covid-19 requer condições adequadas de moradia e de isolamento, especialmente dos idosos e pessoas com saúde fragilizada da baixa renda.

Nessa perspectiva, merece destaque uma iniciativa focada em Belo Horizonte mas que vale para todo país: o “Quartos de Quarentena”, projeto elaborado pelo IAB-MG e Instituto Urge Urbes, entre outras entidades.

A proposta desenvolveu uma das sugestões que apresentei na última coluna: utilizar os hotéis para alojar a população mais vulnerável que não tiver condições adequadas de moradia para o isolamento, especialmente os idosos em situação de rua ou que vivem em favelas e cortiços com grande adensamento domiciliar.

Para eles, a recomendação de “ficar em casa” ou é uma ficção (eles não tem casa!) ou não significa o necessário isolamento, pois a aglomeração que se quer evitar nas ruas, existe no próprio local de moradia.

Cerca de 33 mil pessoas vivem em situação de rua em São Paulo, com saúde debilitada e sem condições mínimas de higiene e nem alimentação adequada. Destes, 30% tem mais de 50 anos. No Brasil, esse número alcança cerca de 80 mil.

Nos cortiços, favelas e outros assentamentos precários, apenas em São Paulo, 280 mil pessoas dormem em cômodos com 5 ou mais moradores. Destes, cerca de 11% são idosos com mais de 60 anos.

Algumas cidades brasileiras tem utilizado hotéis para alojar os profissionais da saúde, evitando o contato com familiares. No Rio de Janeiro, a prefeitura anunciou estudos para utilizá-los para abrigar moradores de algumas favelas. O Quartos de Quarentena vai além, buscando impulsionar uma ação massiva para isolar adequadamente todos que precisam.

De acordo com a Pesquisa dos Serviços de Hospedagem, do IBGE (2016), a rede hoteleira dispõe, no país, de cerca de um milhão de quartos com cerca de 2,4 milhões de leitos. Em São Paulo, são 61 mil quartos, com 125 mil leitos. É um imenso parque construído está entre 80% e 100% ocioso, a depender da cidade.

Não há perspectivas de uma retomada do setor a médio prazo, devido à circulação restrita, o medo do contágio, o cancelamento das férias, a redução da atividade econômica e o novo hábito de fazer reuniões online. Sem alternativas, a maioria dos hotéis estão suspendendo os serviços e demitindo os funcionários. E virando edificações que não cumprem a função social da propriedade, não por desejo dos seus donos, mas pelas circunstancias.

O Quartos de Quarentena iniciou uma campanha para que o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, incorpore a proposta no plano de combate à Covid-19. A adesão poderia se dar através de um acordo com a rede hoteleira ou utilizando o instrumento da Requisição de Imóveis, previsto no Inciso XXV do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que em “caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.

Muitos dos hotéis têm excelentes infraestruturas, inclusive de alimentação, podendo ser adaptados com leitos hospitalares para casos de baixa complexidade, utilizados para isolar pessoas contaminadas sem gravidade ou como alojamento de pessoas saudáveis mas de alto risco, como os idosos. Cada hotel poderia ser usado para a finalidade mais apropriada às suas características. É uma solução barata, que preserva empregos e estruturas físicas, cobrindo custos fixos do estabelecimento e, principalmente, salvando vidas.

Em São Paulo, os leitos existentes seriam suficientes para abrigar toda a população idosa em situação de rua e que mora em moradia superadensadas em favelas e cortiços, além de ampliar o número de leitos hospitalares. Uma solução bem mais barata e simples que construir hospitais de campanha em estádios que, passada a crise, terão que ser desmontados.

Precisamos nos preparar para um longo período de isolamento, sobretudo para os grupos de risco. Estudo publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences of USA, que comparou os dados de 47 cidades americanas na gripe espanhola de 1918, mostrou que as cidades que anteciparam o isolamento tiveram uma mortalidade muito inferior do que as que foram flexíveis.

Por outro lado, as cidades que, passado o pico da epidemia, abandonaram o isolamento sofreram uma segunda onda, que foi quase tão mortal como a primeira. Quinhentos mil americanos morreram naquela que foi a maior epidemia dos tempos modernos...

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