Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade transporte público

Gasolina mais cara e subsídio ao diesel seriam ótimos para as cidades, o ambiente e os pobres

É preciso amenizar efeitos do tarifaço dos combustíveis sem repetir equívocos de governos do PT

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O tarifaço nos combustíveis poderia ser uma excelente oportunidade para o Brasil implementar uma nova política de mobilidade urbana, integrada com a transição ecológica nas cidades, iniciativa essencial em tempos de emergência climática, e com a redução das desigualdades urbanas.

Lamentavelmente, a ausência de um pensamento urbanístico e ambiental no governo federal, que já era frágil nos tempos do Ministério das Cidades (2003-2018) e que agora, com a sua extinção, é praticamente inexistente, faz com que a política de mobilidade sequer seja colocada em pauta nesse momento.

O debate sobre subsídios e/ou redução de impostos nos combustíveis está restrito às áreas econômica e política do governo e do Congresso, ou seja, à preocupação com o equilíbrio fiscal e à tentação populista, todos buscando amenizar o impacto do aumento dos preços ao consumidor, gerado pela equivocada paridade com o mercado internacional do petróleo.

Onibus atravessa viaduto
Ônibus trafega em SP; transporte público vive crise após queda de passageiros na pandemia - Karime Xavier - 09.jul.2020/Folhapress

E o debate restrito à contraposição entre os liberais, que defendem que essa política de preços, estabelecida pelo governo Temer, e os intervencionistas, que apoiam a intervenção para regular os preços, como vinha sendo feito nas gestões do PT.

Se o governo contasse com um ministério que formulasse uma política inovadora para as cidades e que tivesse força para impor essa visão, esse poderia ser o momento ideal para se promover uma diferenciação radical na estrutura nos preços da gasolina e do diesel, capaz de promover uma alteração da lógica de mobilidade nas cidades. Infelizmente, isso sequer tem sido ventilado.

Parece haver certo consenso no país, apesar das discordâncias de alguns setores mais liberais, de que se deve aliviar o tarifaço dos combustíveis com subsídios e/ou com isenção tributária.

Ora, se o país está disposto a abrir mão de receitas, então deveria aproveitar a oportunidade para usar esses recursos como um instrumento de política urbana, beneficiando de forma expressiva o transporte coletivo e o transporte de carga, itens que têm grande peso na inflação, sobretudo da população de baixa renda, ao mesmo tempo em que pode desestimular o uso do automóvel com grandes ganhos para as cidades e o ambiente.

A proposta é simples, mas seu impacto seria importante: todos os recursos disponíveis para subsídio e isenção deveriam ser destinados ao diesel, enquanto que o preço da gasolina seguiria definido sem interferência governamental.

Gasolina mais cara, embora desagrade à classe média e aos setores mais privilegiados da sociedade (em São Paulo, 32% das viagens são feitas por automóveis) é uma excelente medida para promover o uso mais racional dos carros, incentivando o transporte coletivo e a mobilidade ativa, reduzindo os congestionamentos, a poluição e a emissão de gases de efeito estufa.

Mesmo com o tarifaço, o preço da gasolina no Brasil (US$ 1,28, ou R$ 6,43) está próximo da média mundial (US$ 1,29). O país ocupa a 81ª posição em um ranking formado por 170 países pesquisados pelo GlobalPetrolPrices. Essa posição pode se alterar se for considerado o poder aquisitivo médio da população, mas em relação à renda dos proprietários de carros, não muda muito.

Embora os impostos sobre a gasolina sejam altos no Brasil (antes das mudanças na tributação estadual promovida na semana passada, variavam de 34% em São Paulo a 43% no Rio de Janeiro), eles ficam bem abaixo dos países europeus, onde a carga tributária sobre a gasolina supera 50%.

Em países como a Noruega, Dinamarca, Holanda e Alemanha, a gasolina é a mais cara do mundo, chegando a US$ 2,7 (R$ 13,57) na Noruega e a US$ 2,4 (R$ 12,06) na Dinamarca, país que é autossuficiente em petróleo. A carga tributária elevada objetiva desestimular o uso de combustíveis fósseis, preocupação que também deveria ser do Brasil.

Ao deixar de usar recursos públicos para sustentar os proprietários de automóveis, cuja frota é de 58 milhões de veículos, aumentaria muito a capacidade governamental de subsidiar ou a promover a isenção tributária ao diesel.

Os maiores beneficiados seriam o sistema de ônibus urbano e interurbano (1,1 milhões de ônibus e micro-ônibus), o transporte de carga (2,9 milhões de caminhões) e outros veículos utilizados para a produção, como tratores e utilitários.

As frotas dos veículos a diesel são muito menores do que os movidos a gasolina, mas o número de passageiros transportados pelos ônibus é maior do que os que utilizam carros, enquanto a carga tem uma importância essencial na economia do país. É injustificável tratar ônibus e caminhões da mesma maneira que os carros, como está sendo feito pelo governo e Congresso.

Não saberia dizer em quanto seria possível reduzir a tributação do diesel, mas os benefícios seriam enormes, arrefecendo o impacto inflacionário provocado pelo custo da carga e o custo do transporte coletivo, que é sustentado pela tarifa paga pelos mais pobres e, ainda, pelos municípios que subsidiam o sistema. São Paulo gasta mais de R$ 3 bilhões por ano para sustentar o transporte coletivo.

Após o tarifaço, o peso do diesel no custo dos ônibus urbanos chegou a 30%, agravando o colapso do sistema que vem perdendo passageiros para os motoristas por aplicativos. A pandemia provocou uma queda de receita que ainda não foi mais recuperada.

Sem uma política governamental mais incisiva para apoiar o transporte coletivo, que é um serviço essencial em qualquer cidade civilizada, com um mínimo de qualidade de vida, o sistema irá se desestruturar. Isso pode ser evitado, reduzindo-se o custo do diesel e ampliando-se o número de usuários com tarifa mais competitivas frente ao custo dos aplicativos.

Se, por um lado, é necessário haver uma política pública para arrefecer o impacto do tarifaço dos combustíveis, não se deve repetir o equívoco que ocorreu nos governos do PT, cujo elevado subsídio aos automóveis e à gasolina dificultou uma mudança mais estrutural na mobilidade das cidades brasileiras, que desde sempre privilegiou os automóveis em detrimento do transporte coletivo.

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