Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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Nelson Barbosa

Quatro cenários fiscais

Em qualquer um deles, medidas de recuperação vem depois das reformas do gasto obrigatório

Agora parece consenso. A maioria dos analistas de política fiscal considera muito difícil manter o teto de gasto criado por Temer. Para facilitar a análise, farei quatro cenários com base na manutenção ou não do congelamento de despesas e na realização ou não de reformas dos gastos obrigatórios.

Primeiro, considere manter o atual teto de gasto sem realizar reformas no orçamento. Quase nenhum economista acha isso viável, nem mesmo quem defendeu fixar o atual limite de despesa antes de reformar a Previdência, em 2016.

Naquela época, a estratégia do governo era: primeiro a gente fixa o teto, depois a gente faz as reformas necessárias para cumpri-lo. Não por acaso, este discurso parece com "primeiro a gente tira a Dilma, depois o investimento volta rapidamente", o que também deu ruim.

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A então presidente Dilma Rousseff, ao lado do seu vice-presidente Michel Temer, em desfile militar em 2015 - Pedro Ladeira/Folhapress

Reformar a Previdência é tarefa árdua para qualquer governo, vide Fernando Henrique, Lula e Dilma. Para um presidente impopular como Temer, em 2016, já era possível antecipar que seria difícil mudar regras de aposentadorias após desperdiçar capital político com a aprovação do teto de gasto.

A previsão se confirmou. Como apontei em outra coluna: ao inverter a ordem dos fatores, criando um teto antes de reformar a despesa pública, a equipe econômica alterou o produto de sua estratégia fiscal. Agora temos uma regra orçamentária fora da realidade.

Passemos ao segundo cenário. E se houver reformas dos gastos obrigatórios como defendia até o próprio governo do PT em 2016? Aí reside outro problema da fórmula atual do teto: as simulações de vários economistas (não só do PT) indicam que, mesmo com reformas radicais da Previdência e outras despesas, ainda assim será quase impossível manter o gasto primário no nível real de 2016 por muito tempo.

Obviamente, sempre haverá quem ainda defenda congelar gastos públicos por 20 anos mediante reformas draconianas, geralmente só na vida dos outros, mas hoje esta opinião reflete mais raiva ou torcida ideológica do que análise econômica e política.

Terceiro, considere a proposta de algumas lideranças de esquerda, que desejam acabar com o teto sem colocar nada no lugar. Neste caso a política fiscal ficará sem referência. As taxas de juro e câmbio subirão rapidamente e o debate orçamentário voltará a ser um leilão, entre quem cria mais receitas para aumentar despesas.

Mesmo que a criação ou reforma de alguns tributos seja meritória, e eu defendo medidas neste sentido, nosso debate fiscal deve ser mais focado no gasto, não na receita ou no resultado primário.

Sim, os assessores de Temer erraram a conta quando fixaram o atual teto de gasto, mas isto não significa que devemos simplesmente eliminar qualquer limite para as despesas. Devemos, ao contrário, ter mais análise econômica e menos retórica política no momento de definir este tipo de regra.

Por fim, o quarto e último cenário, mais provável seja qual for o resultado da eleição, é mudar a regra do teto de gasto e fazer reformas estruturais do orçamento ao mesmo tempo. Uma coisa reforça a outra na economia e na política.

Caso esta combinação aconteça, o novo governo poderá, então, adotar ações emergenciais para recuperar a renda e o emprego mais rapidamente, pois a solvência fiscal estará garantida no longo prazo.

A ordem dos fatores também faz toda diferença neste último cenário. Para darem certo, medidas de recuperação econômica devem vir depois de (ou pelo menos junto com) reformas do gasto obrigatório do governo, não antes. Na macroeconomia como ela é, este detalhe, faz toda a diferença.

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