Nicolás José Isola

Filósofo, mestre em Educação, doutor em Ciências Sociais, coach executivo e consultor em storytelling.

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Nicolás José Isola

Conta uma história para mim, pai?

Todos temos alguma coisa para compartilhar

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Contar boas histórias é fundamental. Para conseguir uma bolsa de estudo, um emprego ou uma doação, você precisa contar alguma coisa relevante de um jeito que comova os outros. A arte de contar boas histórias, o storytelling, tem ganhado mais e mais fama nos últimos anos. Porém é uma técnica milenar. Os filósofos gregos e os povos antigos já narravam histórias com técnicas e argumentações incríveis.

Nos nossos dias, por exemplo, a polarização política e a fenda que se constrói entre as pessoas têm muito a ver com a maneira de contar histórias. "Todo o meu é bom e tudo dos outros é ruim". Ponto. Isso gera o que a escritora Chimamanda Ngozi Adichie chamou "o perigo de uma só história". Achar que a minha percepção é a única válida.

Também no mundo empresarial tem se tornado cada vez mais relevante a habilidade para contar histórias. A percepção que a sociedade tem da identidade e do propósito das companhias está ligada à forma como elas conseguem compartilhar mensagens e emoções.

Estátua de um contador de histórias com um livro na mão
Julia Schwab por Pixabay

Contar histórias não é uma habilidade inata. É um ofício de tradução. Uma conexão que apaga as paredes que nos dividem quando nos comunicamos. No entanto, não é mágica. É um trabalho duro. Tentativa e erro. Suor e lágrimas.

E a preparação é a chave para nos conectarmos com nosso público. Contar bem uma história leva muito tempo. Não é mágica. Quando escrevo uma coluna num jornal, às vezes posso ficar 24 horas pensando a frase final. Talvez sejam oito palavras, porém eu quero escolher as palavras perfeitas que conseguem gerar aquele golpe final para o leitor. Quando o leitor lê aquela frase, possivelmente pensa que eu escrevo e conto histórias muito bem, porém, o que ele não sabe é que eu trabalhei muito para conseguir aquela harmonia entre as palavras e seus sentidos. Storytelling é um ofício, não só um dom.

Estou lendo um livro de Jimmy Carr, um comediante britânico (você pode assistir aos seus shows na Netflix). Ele enfatiza que por trás de uma piada eficaz há dezenas que não funcionaram. Aquela piada é a filha de centenas que foram ruins.

As piadas são formas de contar histórias em embalagens pequenas. Cada piada é uma mini-história com um final inesperado. É isso que nosso cérebro adora: mudança e surpresa!

Ele conta que, no início da sua carreira, costumava pegar o dicionário e brincar com os sons das palavras e seus significados. Horas em frente a um dicionário para construir piadas, para nos fazer rir. No começo, era uma arte difícil, mas era a sua paixão. E a paixão torna o trabalho leve.

Sim, é claro, Jimmy Carr tem um dom. Mas é absolutamente crucial alimentar seu talento. Dom sem trabalho não dá certo.

Lembro-me que fui ao último show de Julio Bocca, o dançarino argentino mais famoso de meu país. Eu estava observando aquele cara nos ares e pensei seriamente: "Eu odeio esse pássaro. Ele pode voar". Ele não era uma pessoa naquela hora, passava segundos eternos flutuando. Era uma ave. Eu não.

Atrás daquele dançarino voando havia mais de trinta anos de treino. Para ele, parecia simples contar histórias com seu corpo, mas era fruto de décadas de incansável trabalho. E a repetição é vital. Qualquer professor de escola sabe disso. Cada vez que você conta sua história, você adiciona conhecimento sobre o que funciona e o que não funciona. Aparecem ideias novas. Nascem giros impensados no começo.

Em meus workshops, às vezes, conto uma história pessoal e, quando termino, alguns participantes sorriem e dizem: "Maldito sejas! É tão natural para você!".

Talvez pareça ser fácil. Mas deixe-me dizer: houve muito trabalho antes de chegar a esse ponto de realização. Toneladas de leituras preparatórias, estudo de estruturas narrativas, análise sintática, ritmos, metáforas, analogias etc. Isso que, na sua frente, parece só talento é fruto de muito, muito trabalho. E a ideia do trabalho, do esforço no meio da instantaneidade, é uma coisa que algumas novas gerações estão perdendo.

Os netos ouvem cada vez menos histórias das avós. As telas estão ganhando a batalha pela atenção. É triste porque nossa vida, em grande medida, é a transmissão de histórias. Elas geram identidade.

Ouvir e contar histórias é fundamental para construir laços e confiança. Todos temos alguma coisa para compartilhar. Mesmo quando parece que sua filha ou seu filho não estão ouvindo, conte histórias sobre quem você foi, sobre as coisas que você viveu e aprendeu. Talvez, hoje não, mas, algum dia, eles irão recordar.

Seus filhos são, também, filhos das suas histórias. Se você não contar para eles, suas histórias morrerão.

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