Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nina Horta

Sair para comer fora exige prática e aprendizado

Marcus Leoni/Folhapress

Tenho ido a poucos restaurantes nos últimos tempos. De vez em quando, se tiver quem vá comigo, tudo bem, não gosto de comer sozinha. No meu aniversário sempre fujo, mas um casal de amigos que adoro veio me visitar e me pegou de pijama, conversamos bastante e fomos jantar num restaurante aqui perto de casa, com chuva e tudo.

Chegando lá, descemos do carro as duas mulheres, debaixo daqueles guarda-chuvas enormes do porteiro, quando chove mais na gente do que nele ou chove em todos, porque nunca vi guarda-chuva compartilhado que fizesse efeito. Subimos escadinha, chegamos no salão. Cheio. Não tinha lugar. Era hora de dizer isso? Depois de todas as dificuldades encontradas? Nós três com caras de bobos, o carro guardado e a espera indefinida. Ai, ai, ai.

Tortura inversa para ir embora. Rua cheia de carros,  estreita, de repente todos os restaurantes de Pinheiros resolveram abrir uma casa aqui, não dá para entender.

Então deixamos por conta do HOMEM, afinal ele que guiasse e que nos levasse a qualquer lugar pois a fome era grande e a noite crescia na chuva.

Não sei como descobriu um restaurante japonês enorme, um rodízio, em Pinheiros. Moro aqui há anos e jamais havia visto aquilo se agigantando numa esquina. Descida fácil, lugar de sobra, mas um pouco estranho. A comida vem vindo aos borbotões sem dar tempo de uma paradinha para pensar. Nada tem gosto de nada.

O garçom põe a comida e some, mas logo aparece um senhor, todo mesuras que pergunta se está tudo bem, tudo certo. Parece que o serviço dele é esse, ser educado, suave obrigação de vir à mesa imediatamente depois do garçom com aquelas perguntas perfunctórias.

Olha, sou difícil de achar comida ruim quando estou com fome, mas aquela... De sobremesa, a banana caramelada, mal feita, mas gostei, memórias infantis. Todo restaurante chinês antigamente acabava com banana ou maçã caramelada. Lembram? A amiga pediu um sorvete de mexerica e estava bom, ela abriu um largo sorriso de vitória sobre nós, os caramelados.

Eu é que havia convidado pois o aniversário era meu. Não sei se contei a vocês que meu cartão de crédito foi clonado, ou coisa parecida e ainda não resolvi o problema por completo, tenho que ir ao banco, mas o Itaú me manda cheques, e se ele me manda cheques –mesmo que jurássicos– é sinal de que posso pagar com eles.

Não posso, a casa não aceita cheques. Sabendo-me uma velha antiga que ainda lida com cheques, uso olhares e palavras cheias de confiabilidade, de promessas, para com o senhor da boa vontade que faz as visitas periódicas para saber de nossa saúde física e mental enquanto comemos. Ofereço todos os documentos, prometo vir trocar o cheque no dia seguinte, faço até menção de arrancar pulseiras dos braços e deixar no caixa, mas não há jeito. E não há jeito mesmo, nem lavar a louça resolveria o meu problema. Os amigos pagam, para minha vergonha, que os havia convidado.

Se os cheques não valem mais, por que o banco os manda para mim? Não entendo.

No outro dia, outro amigo vem visitar, traz uma galinha viva de presente, um galinhão bonito, branco, mas achada na rua, brava que dói, não tem hora de dormir, não entende de poleiro, e como toda galinha quer entrar em casa e bica o vidro o dia inteiro. Mas, trouxe certa nobreza ao jardim, uma coisa viva, que anda e come minhocas.

Lá fomos nós para outro restaurante, um famoso pela carne de cordeiro. Pedimos umas entradinhas gostosas, um caipirinha e tudo ia bem, o tempo passando, passando, comentei com o amigo que jamais esperara tanto num restaurante e a certa altura, desfalecendo de fome, pedi para ir embora, não aguentava mais a espera.

Logo descobrimos o porquê. Não havíamos pedido a comida.

Contei tudo isso para mostrar que até para ir a restaurante é preciso uma certa prática, um savoir-faire que anda me fugindo. Sair para comer fora também exige aprendizado.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.