Quando comecei o bufê, lá pelos meados dos anos 1980, o bolo de casamento tinha saído de moda. Morava numa pensão de periferia, junto com o estrogonofe. Era brega. No interior, continuou sendo a sobremesa obrigatória, mas com a experiência minimalista da nouvelle cuisine, faziam feio na mesa de um foodie.
E já não eram muito bonitos, sempre com colunas forradas de papel prata brilhante, ocos, eram kitsch de verdade. Algumas mães ainda se lembravam do simbolismo, mas as noivas se arrepiavam. Ao pé da página vou indicar a vocês um desses primeiros livros que explicam a origem dos bolos.
Hoje, nos meus passeios pela internet com suas fake news, num editorial de arte (que espero que não tenham visto, de Casey Lesser) descobri que os escultores, artistas de verdade, estão usando a massa de bolo para se expressarem.
O casal de boleiros pegou a fama pelo rabo, tem canal próprio de TV, participam de séries e não desperdiçaram esse bafo todo. Abriram um estúdio, a Texas Cake House. O estilo deles é hiper-realista, e a distinção entre o bolo e a arte é tênue, como uma teia de aranha. Quem foram os incentivadores, os marqueteiros dessa nova arte? A TV, o Instagram e tudo mais.
Como os bolos são trabalhosíssimos, saem caros e começam, mais ou menos, em cinco mil reais e daí em diante não têm teto. Dependem dos dons pessoais e um dos artistas se sentiu mais que feliz quando as abelhas começaram a rondar as flores do seu bolo. Se elas próprias não reconheciam... (tenho para mim que foi o açúcar que as atraiu).
Como trabalham? Do mesmo modo que a maioria dos artistas. Fazem um desenho no iPad, junto com o cliente, e dali partem para os acessórios que podem ser feitos antes. Usam fondant, creme de manteiga, chocolate e tintas comestíveis em pó.
E o gosto? Os chefs firmam que é o mais importante nessa história toda. Quem quer ver o mais lindo bolo do mundo com gosto de pano de chão?
Mas, vocês já podem imaginar que quem cuida tanto de detalhes e novidades, não iria deixar por menos. Nada de bolo de laranja, nem de fubá. Não, os sabores são cabernet, hibisco, queijo feta, gergelim negro, coentro. Há dois anos, eram os figos frescos picantes, champanhe com limão, gengibre-chocolate e matchá com yuzu.
Dá para aprender a fazer? Dá. Todos os grandes boleiros dão aulas, têm laboratórios e as aulas são mais parecidas com as de arquitetura, com proporções, medidas, expressões, pesquisas.
Mas, uma dúvida atroz: sendo tão bonitos, não seria pecado comê-los?
Responde Karen Portaleo, que já foi ceramista: “É uma experiência artística tão profunda quanto qualquer outra. Algo que se vive em vários níveis. E a doce temporalidade da obra só aumenta o significado”. Desenhado, criado, construído, entregue, comido, acabou-se o que era doce!”
As fotos são incríveis. E o nome do livro que lhes falei é: “Wedding Cakes and Cultural History”, de Simon R. Charsley.
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