Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Bourdain falou sobre cozinha com sinceridade, sarcasmo e graça

Chef e apresentador de TV morreu aos 61 anos

Foi unanimidade quando apareceu num sucesso de escândalo na revista New Yorker. A avó ou a mãe, numa história mal contada, mandou o texto, pois escrevia muito bem, e descrevia as entranhas de um restaurante sem omitir um detalhe que fosse. Os editores se assanharam, estava mudada a vida dele. 

Anthony Bourdain em Nova York em 2015
Anthony Bourdain em Nova York em 2015 - NYT


Deu para ver o autor ser engolido pela mídia. Quase não conseguiu acabar o primeiro livro (“Cozinha Confidencial”), que é muito bom, e pé na estrada. Didático e envolvente, é um Jack Kerouac escrevendo a “Larousse Gastronomique”.  

Com muita sinceridade, sarcasmo e graça, descreveu a vida de um cozinheiro libertino em meio a nuvens de fumaça, quantidades importantes de cocaína e uma animada atividade sexual. Bebedeiras frequentes e o perfil dos colegas degenerados, drogados, refugiados, bêbados, ladrões, psicopatas. A cozinha, segundo ele, atrai quem foge de algum problema na vida. Ou da escola ou da família. Desce aos infernos, mas nos dá muitas e muitas migalhas do paraíso. Passou o resto da vida viajando o mundo inteiro na TV. Não sei como aguentava. 

Eu o entrevistei duas vezes. Percebi que era cauteloso com o que dizia, mas não para ser politicamente correto, justamente o contrário. Queria desviar a atenção de americanos das batatinhas fritas e mostrar a morte da galinha, a ingestão da cobra e os gafanhotos. Comida de botequim, dos bares escondidos, dos cantos que só nativos conhecem. Dizia que não se deixava influenciar pelo que falavam chefs e críticos —ficou amigo de todos, relutou em apreciar Ferran Adrià, mas voltou atrás e fez-lhe as honras. 

Quando conversei com ele, no Rio, já tinha subido ao morro e não sei em que favela tomara uma “queipirinha”. Disse que não estava armado pois morava em NY. Um bad boy construído.

Parece que teve a morte que precisava depois de se mostrar como um “desperado”. Adeus, Bourdain.

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