Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nina Horta

Crítico foi pioneiro ao se embrenhar pelo estômago de uma cidade

Jonathan Gold deixou o Michelin de lado e montou um grande puzzle sobre Los Angeles

Jonathan Gold. Não conheço Los Angeles, acompanhei de longe a vida dele, principalmente o que escrevia, "escrevo para tentar deixar as pessoas com menos medo de seus vizinhos". Acho que além de me fazer invejar a sua terra, me deu água na boca nos últimos anos, principalmente por meio da revista Lucky Peach.

Morreu aos 57 anos. Vale tentar achar o documentário "City of Gold", de Laura Gabbett, sobre ele, autor de "Counter Intelligence, Where to Eat in the Real Los Angeles".

 

Gold, um judeu sensual, barrigudo que adorava porco e escrevia como ninguém (prêmio Pulitzer), crítico do Los Angeles Times. Vermelhão, cabelo ralo e comprido, covinhas no rosto, do tipo que por mais que se arrume está sempre "gauche" sustentado por enormes suspensórios.

Hoje já há muitos críticos como ele, mas foi um dos primeiros a deixar o Michelin de lado e se embrenhar pelo estômago de uma cidade contando o que comera. Escolheu o local onde nasceu e morreu, uma enorme Los Angeles fragmentada, um grande puzzle que foi montando com suas crônicas inteligentes, eruditas, irônicas, engraçadas.

Por incrível que pareça, era um pouco tímido diante dos auditórios esfomeados de verve, ria com a boca torta, ai, meu D´us não estavam entendendo direito o que ele dizia!

Não que esnobasse os grandes chefs. Era capaz de enfrentar um jantar degustação de 18 pratos, amicíssimo de René Redzepi, de David Chang (que achava que Gold entendia mais de comida coreana do que ele), mas se sentia mais bem representado por um food truck com comida de alguma avó alheia.

Quando morre um crítico desses, um homem famoso, achamos mil desculpas para endeusá-lo, tudo relacionado à comida, é claro. Mas, que ninguém nos ouça, teria feito sucesso em qualquer de seus hobbies, inteligente e culto, entendia de música como poucos e o mundo inteiro era sua despensa, estudioso, conversador, interessado. Enquanto se deslocava entre restaurantes ia escutando óperas, cantando baixinho.

Quis restaurar a cidade por meio da comida. Outros mais medrosos tinham medo de elogiar aquele taco com excesso de queijo. Ele, não. Desde os oito anos frequentava a taqueria, olhava cúpido brinquedos empoeirados da vitrine, sabia pedir o menu número 2 que era mais barato e inteligível, e onde só se usava um garfo, sem perigo de erro.

Sabia quem era o dono, conhecia quase todos, queria pegar a cidade fragmentada e remontar o mapa, eliminando diversidades ou incorporando-as com gosto, uma casa para todos, unida pelas diferenças. Dizem que traduziu a cidade, acho boa a definição de crítico que transcende batatas fritas e caldos, sem esquecê-los, mas que entende que representam mais do que só comida, mesmo cheias de ketchup por cima. Alma de antropólogo, ninguém pode negar.

Estão todos tristes, loucos, que falta ele vai fazer... Acredito que cunhou sua generosidade naquelas vielas antes esquecidas. Deixou seguidores.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.