Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Livros de gastronomia que não dá nem para emprestar

Nós, brasileiros, já começamos pelos melhores, pelos calhamaços de peso

Marcella Hazan, que escreveu livros que ajudaram a divulgar a comida italiana - Chris O'Meara - 29.mai.2012/Associated Press

Nos anos 1970, minha cunhada Maria Helena lia alto um modo de fazer uma comida, de um pocket meio velho e manuseado. Puxei da mão dela, ela puxou do outro lado, sabia que se eu pegasse aquela preciosidade ia roubá-la, sem escrúpulos. E roubei e achei o que já procurava sem saber.

Era a Elizabeth David. Tinha alma. Escrevia como os melhores autores ingleses, viajava, era inteligente, engraçada, localizava as receitas, descrevia a galinha, o galinheiro, a canja. As receitas nem eram exatas, nem receitas eram, mas sabia das coisas. Foi um alívio e um reconhecimento. Guardaria todos os livros dela. ("Cozinha Francesa Regional" e "Cozinha Italiana", da Cia. das Letras, estão fora de catálogo).

Depois me aparece uma alma gêmea que fazia a mesma coisa que David, mas nos Estados Unidos. M. F. K. Fisher. A principal qualidade, também, era escrever bem, feminista avant la lettre, mas não das chatas, era das que adorava os homens, apaixonou-se várias vezes, sofreu, contou tudo junto com receitas de sanduíche de ovo frito. ("Como Cozinhar um Lobo" e "Um Alfabeto para Gourmets", da Cia. das Letras, estão fora de catálogo).

Não sei dizer qual é a mais obrigatória, são igualmente boas, vai do gosto de cada um.

Levaria comigo, para referência, uma coleção do Time Life, escrita pelos melhores da época. Cada livro é a sobre um país, as ilustrações um pouco datadas, mas de confiança (dá para achar edições em sebos).

Nós, brasileiros, já começamos pelos melhores, pelos calhamaços de peso. E asseguro que não há possibilidade de entender nossa comida sem Gilberto Freyre e Câmara Cascudo. Sem chance.

E em julho, na Flip, Carlos Alberto Dória e Marcelo Corrêa Bastos vão lançar "A Culinária Caipira da Paulistânia" pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha, e acho que vai ser preciso guardá-lo.

Franceses? Proust, amarrado com barbante para não perder, com tia Léonie e Françoise, e Flaubert, com o sorvete de marrasquino de Emma.

Os catalães? Ótima comida, mas seria um prazer deixar para trás todos os volumes de uns 10 kg cada, perigo se caírem no pé, os do Ferran Adrià, então, tão minuciosos que chega a doer (Phaidon, importado).

Agora vem o principal, para cozinhar de verdade, aquelas receitas impossíveis de errar, compridas, explicadas com rigor. Marcella Hazan que ensinou os americanos a comida italiana como deve ser. ("La Cucina", da Cia. das Letras, está fora de catálogo.)

Para pesquisar peixes e sentir o sopro de um intelecto privilegiado, o inglês Alan Davidson (só importado). No final, são poucos, não é? Caberiam numa estante, mas já ia me esquecendo de Pedro Nava, memorialista mineiro. Uma página de comida dele vale por cem livros que saem todo ano.

Será que ainda me meto a fazer pão? Acho que não. Mas, se me der na telha fico com o "Pão Nosso", de Luiz Américo Camargo. Há teses não publicadas, mas excelentes, é só procurar. Uma delas é do Ulisses Stelmastchuk.

Acham que não vou beber? Vou, mas no caso deixo o livro e levo o autor. Vamos lá, Luiz Horta. Kkkkk... E os 2.000 ebooks? Inqueimáveis, sem cheiro, impossível doar. Mas como diria Melania Trump: "Não estou nem aí. Você se importa?"

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