Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor
Descrição de chapéu casamento

Primeiro date: quarentena

Tudo começou com dois penetras em uma festa em Paris

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Quando dois penetras entraram na festa em um apartamento de Paris, em 5 de setembro de 2020, Iza Campos estranhou. Primeiro, porque o encontro era secreto, ainda que legal, já que a França tinha acabado de flexibilizar a quarentena. Segundo, porque não conhecia os dois homens que entraram na casa do seu amigo, Bernardo, cada um agarrado a uma garrafa de vinho. Era, como se diz em francês, um petit comité.

Iza se mudou para a França cinco anos atrás. Advogada, ela foi gerenciar a equipe jurídica de uma seguradora. Foi com Bernardo, o amigo brasileiro com quem morou por anos. A festa, inclusive, comemorava que Bernardo havia conquistado um apartamento só seu. E o dono da casa tampouco reconheceu os penetras.

A festa começou às duas da tarde. Lá pelas onze da noite, os tais dois caras chegaram. O magrelo de rosto fino e sobrancelhas fortes chamou a atenção de Iza. Mas ela achou que era a bebida embaçando sua percepção. "Ele era bem bonitinho. Mas daí achei que trabalhasse com cosmético, como quase todos os homens da festa, e, logo, provavelmente fosse gay."

Torre Eiffel, um dos principais pontos turísticos de Paris - Joel Saget - 27.out.2021/AFP

Descobriu que ele não era amigo de Bernardo. Ou de ninguém ali. Adrien era o seu nome, e ele morava no sétimo andar. O colega com quem chegou era o vizinho do sexto, apartamento em cima da festa, que os dois puderam acompanhar só pelo barulho dos brasileiros, enquanto jantavam juntos. "Já que a gente não vai conseguir dormir, depois que a gente terminar de comer, a gente passa lá", sugeriu o amigo a Adrien, que topou. Tecnicamente, eles não estavam saindo de casa.

Ao chegar à festa, Adrien cumprimentou toda e cada uma pessoa com dois beijos. "Toda vez que ele ia cumprimentar alguém, fazia questão de me deixar no seu campo de visão. E me deixou por último ", diz ela. Depois de cumprimentá-la, foi falar no meu ouvido, que a música estava muito alta. "Sabe quando uma bochecha rela na outra, e já emenda um beijo? Então..."

Depois de algum tempo juntos, ela parou, olhou bem para o desconhecido e perguntou: "Quantos anos você tem?", para uma cútis cheia de colágeno e viço. "Trinta e dois, mas eu sei que não parece", ele disse. Ela, com 35, acreditou e, horas depois, subiu dois lances de escada para acompanhá-lo até sua casa.

No dia seguinte, ela acordou e viu na parede a notícia de emoldurada de que a França era campeã na Copa de 2018. Ela brincou: "Precisava colocar esse jornal em cima da cama?" Ele disse que sim, até porque era a única Copa feliz de que se lembrava. Ela coçou o queixo. Fez contas no ábaco da mente e perguntou: "Você tinha quatro anos em 1998?". Ele confirmou. "Ele tinha 25 anos, e não 32, como tinha me dito." Adrien deu de ombros. "Eu não me lembro de ter mentido, mas acho que, se eu dissesse minha idade de verdade, você ia me rechaçar." E ele não estava errado, confessa ela.

Mas agora era tarde. O vinho já estava derramado. Os dois seguiram trocando mensagens. Na quarta seguinte, ambos receberam uma ligação do dono da festa: "Olha, uma das pessoas que estava lá no sábado testou positivo para Covid." Decidiram que iam passar juntos a quarentena até os testes chegarem. Afinal, já tinham trocado fluidos o suficiente para se considerarem fatores de risco.

No sábado, foram para a casa dele. No domingo de manhã, Iza recebeu o resultado. Positivo. Na segunda-feira, ele recebeu um resultado negativo, mas disse: "Desencana, a gente está se beijando, comendo juntos. Já foi." Na quinta, ele repetiu o exame. E pimba: positivo. Os dois tiveram sintomas leves. Perderam olfato e paladar, o que era profissionalmente complicado para ele, que trabalha como curador de uísque.

Entre setembro e outubro se viam de três a quatro vezes. No fim de outubro, a França voltou ao confinamento obrigatório. Uma amiga liberou o apartamento de 75 m2 para os dois ficarem até fevereiro de 2021.

Desde 13 de fevereiro deste ano, véspera do Dia dos Namorados francês, os dois moram oficialmente juntos. Duas semanas atrás, Adrien pediu Iza em casamento. "Já tem data, já tem ‘wedding planner’, já tem lugar reservado em Florianópolis", ela conta. A festa está marcada para 21 de janeiro de 2023. Ao contrário do dia em que se conheceram, Adrien vai ser convidado.

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