Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor
Descrição de chapéu Relacionamentos LGBTQIA+

Da sauna para o cinema (e para a vida)

Durante o relacionamento, eles estiveram ao lado um do outro em momentos de tensão, tristeza e alegria

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Antes de ser um nome na cabeça de Leonardo, Marcos Paulo era um gosto na sua boca. É que os dois se conheceram intimamente antes mesmo de um chacoalhar de mãos. E o primeiro beijo não foi na boca, nem na bochecha. "Eu mamei antes de dizer oi", ri Leonardo.

Era uma tarde de domingo de 2017 e Leonardo ia pela primeira vez para um clube de sexo na região do Largo do Arouche, no centro de São Paulo, e tremia metade por medo e metade por animação. O advogado de vinte e poucos anos tinha vindo do interior para a capital havia pouco mais de três anos. Já era gay na prática, por mais que na teoria ninguém soubesse.

Era só mais uma tarde de domingo de 2017 para Marcos Paulo. Ele já era chamado pelo nome por um recepcionista ou outro da Chilly Pepper, por mais que ainda tivesse de pagar o ingresso. Era comum também que homens pagassem, dentro da sauna, para ter minutos da atenção do personal trainer da Bela Vista, cabelo raspado e uma tatuagem de tigre rasgando a lateral do seu abdome.

vladorlov - stock.adobe.com

Os dois se conheceram no escuro. Leonardo ajoelhou no breu de um corredor de paredes pretas de compensado, feitas para simular um labirinto, e disse sim a Marcos Paulo. Fez o bem sem se importar a quem.

Dois domingos depois, ele voltaria. E lá estaria o homem, 20 anos mais velho e 15 centímetros mais alto do que ele. De novo, eles agiriam mais do que falariam. "Mas depois dessa vez me bateu uma culpa, uma bad. Eu saí de lá me sentindo meio sujo, sabe? Pensando ‘Ah, tá, e minha vida vai ser isso pra sempre?’ Eu vou ter cinquenta anos e vou vir aqui?", diz o advogado. Ele achou que nunca mais colocaria os pés na pantufa branca atoalhada da sauna.

Mas o desejo encontra um caminho e, num domingo em que tinha marcado uma sessão de cinema com os amigos, ele viu seu carro fazer o trajeto até o Largo do Arouche, como se estivesse no piloto automático. E lá estava Marcos Paulo, ainda de toalha enrolando na cintura. Os dois fizeram o que tinha de ser feito na frente de uma plateia de dezenas de homens. Em um dado momento, Leonardo se lembra de ter virado o rosto para trás e perguntado: "A gente pode trocar uma ideia?". Ouviu de volta algo parecido com: "Primeiro você termina, depois a gente vê." Os dois terminaram e partiram juntos.

Saíram da sauna e foram ao cinema. E depois, finalmente, puderam conversar durante um jantar no McDonald’s da avenida Paulista. "E eu vi que aquele cara era legal. E que ele não era só uma coisa que me dava tesão. Ele era uma pessoa que me dava tesão." Durante dois anos de namoro, Marcos Paulo esteve ao lado de Leonardo em momentos de tensão, como quando ele se abriu para a família, e de alegria, como quando ele foi promovido. E Leonardo estava ao lado de Marcos Paulo quando sua mãe, acamada havia anos, por fim morreu. "Foi o momento que eu olhei pra ele e vi que tinha um mundo inteiro para a gente viver junto. E que tinha a ver com sexo, mas não tinha a ver com sexo, faz sentido?", pergunta Leonardo.

A festa de casamento dos dois, em Ilhabela, se dividiu em duas. A parte diurna teve as famílias, terno e daminhas. Para a parte noturna, ficaram só os amigos, e caíram as roupas. "Foi o dia mais feliz da minha vida, e tinha que ser, né? O casamento é meu", diz Marcos Paulo.

Os dois se mudaram para os Estados Unidos em 2021, no meio da pandemia. Em parte porque Leonardo conseguiu um emprego em que ganharia o mesmo salário do Brasil, mas numa moeda que o multiplica por cinco, e em parte porque não se sentem mais seguros vivendo onde nasceram.

Marcos Paulo começa a ganhar clientes na comunidade e, nas horas vagas, os dois frequentam festas de sexo. Às vezes, vão juntos. Às vezes, separados. E tá tudo bem. "Eu perdi aquele ranço moralista de me sentir mal por pensar no futuro. Se for para ter 50 anos e ir à sauna, eu vou com um sorriso no rosto. Porque vou estar vivo e vivendo", diz Leonardo. Os dois aprenderam um com o outro uma lição que Marcos Paulo sintetiza: "Amor é o que a gente diz que é amor. Não o que os outros querem que seja".

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