Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor
Descrição de chapéu Relacionamentos LGBTQIA+

Cris encontrou sua princesa encantada depois do crush em Juliana Paes

A baiana se meteu em alguns enrascadas amorosas até topar com Josy

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Cristiane Moreira tinha 14 anos quando um homem com o dobro de idade bateu na porta do seu pai. Foi lá pedir autorização para se casar com ela. O velho aceitou após o pretendente vender uma vaca bem parruda e bonita. Conseguiu assim dinheiro para comprar um par de alianças bem grossas que mandou buscar em Salvador.

O pai ainda chegou a perguntar se Cris queria mesmo aquele enlace. "Não tinha noção das coisas, disse que sim", conta. Mas não queria, não. E aí a vaca foi pro brejo. "Terminei com ele numa festa da cidade, na frente da barraca de acarajé da minha mãe." Quase apanhou dela. Na cabeça de mainha, ele era um rapaz direito, homem de família, que lhe daria um bom futuro.

O futuro, contudo, tinha planos mais coloridos para ela. Tudo começou com Rita, a personagem que Juliana Paes interpretou na novela "Laços de Família", mais ou menos na mesma época em que Cris disse não pro noivo que queria desposá-la adolescente. Seu primeiro crush lésbico.

Juliana Paes era Rita na novela "Laços de Família" - Globo

Cris é de Crisópolis, cidade da zona rural baiana que, para ela, é um atraso só. "As moças são criadas em sua grande maioria para casar e ter filhos, como se isso fosse profissão kkkkk", explica no WhatsApp antes de começarmos a conversar.

Quando começamos, ela não para mais. Conta que, com 18 anos, já era considerada velha demais para subir ao altar. Fala da esperança na família para que os relacionamentos heterossexuais que acumulou na juventude dessem em algo. Não deram.

Com 20 e poucos, estava num bar com tios e a viu. Usava boné e tinha um jeito tímido. Calça jeans, camisa xadrez, cabelo amarrado nem liso, nem cacheado. Era como ondas.

Cris tomou um gole de cerveja e outro de coragem para segui-la até o banheiro. Beijou-a lá mesmo. Uma jukebox tocava "Sinal Disfarçado", música de Zé Ricardo & Thiago que começa assim: "Peguei no seu cabelo/ Você diz que ficou louca/ Falei no ouvidinho/ Vou beijar na sua boca".

Nem dava para disfarçar mais. Cris gostava mesmo é de mulher. Ela ainda convenceria um primo, naquele dia, a levá-la de Kombi até um outro bar, "uma pocilga" para onde seu primeiro affair gay tinha migrado.

"Ela falou assim para mim: ‘Nossa, você é corajosa, hein, veio mesmo’. Depois me disse que estava em liberdade provisória por tráfico de drogas, misericórdia", conta.

Cris se meteu em alguns enrascadas amorosas até topar com Josiane, a Josy, que conheceu num grupo de WhatsApp. Lembra o dia em que se esbarraram pessoalmente: 11 de março de 2017, festa de uma amiga em comum. Josy a pediu em casamento no Dia dos Namorados de 2018, num restaurante de luz bem discreta, coisa fina, depois de um nhoque e uma caipirinha.

As namoradas Cristiane Moreira (à frente) e Josy - Arquivo pessoal

Só que veio à Cris uma depressão, e ao mundo uma pandemia. E veio às duas uma separação. Cris foi morar com a patroa no interior de São Paulo, para ajudá-la a cuidar do filho autista dela.

Quando dona Rosa, a sogra por quem tinha muita estima, virou uma das mais de 660 mil vítimas de Covid-19 no Brasil, Cris se reaproximou de Josy. Hoje elas moram juntas em Embu Guaçu (SP) e têm um filho, o vira-lata Tobi, e muitos motivos para celebrar.

Criada numa igrejinha católica de povoado rural, ouvindo a juventude toda que mulher foi feita para agradar o homem, Cris voltou à cidade natal no ano passado. Lá comemorou seus 34 anos "com uma parada gay, a festa mais badalada". Balões de todas as cores, dois bolos com as cores do arco-íris, a camisa igualmente colorida, um All-Star rosa.

Já o aniversário de Josy, em 2022, teve um bolo pra chamar bufunfa. No topo, emojis com cifrão no lugar dos olhos, e um painel acima da mesa onde se lia: "Faz um Pix pra mim?".

Cris já se sente rica, de certa forma, quando reflete sobre tudo o que passou desde o homem que queria levá-la ao altar na adolescência. Naqueles tempos, curtia passar horas na biblioteca da escola, com "os livros bobos de conto de fadas mesmo", diz. "Eu sonhava demais."

Sonhava também com Cinderela. "Era forte e lutadora, sofreu e venceu por isso". Além de tudo, uma gata. Sorte a de Cris que uma princesa encantada pra chamar de sua ela já garantiu.

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