Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor

Jairo é Bolsonaro, Eliana é Lula, e o amor venceu o ódio

Hoje ela entendeu que tudo bem cada um ter seu preferido

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São Paulo

A bandeira de Jairo Menezes pode até jamais ser vermelha, mas algumas taças de vinho Pérgola avermelharam os lábios que beijou naquela noite.

Conheceu Eliana Santos dias antes, no Facebook. Ele trabalhava em um restaurante oriental junto com um sobrinho dela. Tinha postado a foto de um prato de comida japonesa que Eliana achou muito bem decorado. Ela comentou: "Tudo muito bonito, mas não tenho coragem de comer". Ele devolveu: "É falta de experimentar".

As colegas de Eliana disseram para ela parar de ser boba, que era óbvio que o bofe estava dando uma cantada. No fim do dia, Jairo a procurou virtualmente. "Ele me deu boa tarde e falou: 'Você não gostou da resposta?'"

Adorou. Trocaram mensagens por alguns dias até que ele propôs um encontro fora das telas. Ela se fez de difícil, falou que só tinha folga quinzenal no trabalho (mentira). Testou para ver se queria conhecê-la dali a 15 dias no parque Villa-Lobos, na zona oeste de São Paulo.

Jairo não quis esperar e disse que passaria na casa dela em uma terça-feira. Levou comida japonesa, que só a filha de Eliana comeu. Tomaram o vinho tinto e conversaram até meia-noite, até ele pegar um Uber do Capão Redondo para Santana. Nem um pio sobre política.

Mal começava o segundo ano de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência. Logo Jairo e Eliana engataram namoro, e de reboque vieram a pandemia de Covid-19 e os bate-bocas que refletem entre quatro paredes a polarização que tanto divide o país. O auxiliar de obras de 29 anos é entusiasta do presidente, e a babá e empregada doméstica de 39 anos tem mais simpatia por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Eliana Santos e Jairo Menezes, casal de lulista e bolsonarista - Arquivo pessoal

Ela já está há duas décadas em São Paulo, ele é mais recente na cidade. Os dois têm a mesma terral natal: a baiana Crisópolis, onde Bolsonaro perdeu de lavada para o petista Fernando Haddad em 2018: 14% x 86%.

Jairo, que tinha 6 anos quando o PT chegou ao poder, acha que Lula é ladrão e não fez nada de útil para a população. Eliana discorda. "Quando ele comandava, eu nunca cheguei a pagar R$ 50 no quilo de carne, R$ 40 no saco de 5 kg de arroz. Fez coisa errada como todo mundo faz, ninguém é santo. Mas deu muito para quem vive na baixa renda, fez muita coisa principalmente no Nordeste."

Nenhum conseguiu mudar a cabeça do outro. Já brigaram feio, "de eu até ficar com raiva dele", por causa de eleição, conta Eliana. "Ele veio falar para mim que mulher tem que aceitar tudo o que homem quer, e isso para mim é machismo. Você manda na sua vida, eu mando na minha. Você nunca vai me obrigar a votar em uma pessoa que eu não gosto."

Os dois, no fim, nem votar, votam. O domicílio eleitoral do casal continuou na Bahia.

Outro dia mesmo, Jairo veio cheio de graça dizer que, se Bolsonaro vencer este pleito, a namorada lhe deve uma caixa de cerveja. Ela diz que respondeu: "Não te prometi nada, filho. Se ele ganhar ou não a gente vai seguir a vida da gente em paz, até porque nunca tive benefício do governo".

Hoje a convivência está pacificada, garante Eliana. Até porque ela entendeu que tudo bem cada um ter seu preferido e passou a não dar bola se Jairo vem azucrinar sobre o candidato que gosta. "Não dou mais ouvido para ele. Quando começa a falar, saio e deixo falando sozinho, ‘tchau, vou tomar café ali, se quiser vir comigo, não pode falar de política’."

Em um sábado de abril, Jairo veio falar com ela de compromisso. Pediu ajuda da família da namorada e preparou uma surpresa. O cunhado de Eliana chegou com as carnes e cervejas. Por volta das 21h30, a irmã dela trouxe o bolo de glacê branco, enfeitado com corações vermelhos de papel. Jairo entregou os anéis com a data em que se conheceram, 28 de fevereiro de 2020, inscrita na parte de dentro.

"Não tinha mais o que fazer, já era. Botar a aliança no dedo e seguir em frente", ela brinca. O amor venceu o ódio.

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