Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Isabel trocou 32 homens pelos 15 quilos da vira-lata Cãnela

Nos últimos 1.500 dias, é difícil encontrar uma sem a presença da outra

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São Paulo

Numa noite recente, a escritora Isabel Dias acordou aflita. Estendeu a mão até o lugar ao lado na cama e não sentiu o peito peludo que está acostumada a ter perto dela, respirando para cima e para baixo. Se levantou e foi até a sala. Lá estava o peito peludo, ligado a uma barriga peluda e uma cabeça peluda: a cadela Cãnela estava destroçando um esquilo de pelúcia de madrugada. A canídea olhou para ela e balançou o rabo, antes de voltar para a cama. Isabel respirou aliviada.

Faz quase cinco anos que uma vira-lata se mudou da rua para o seu apartamento. E faz quase cinco anos que sua vida mudou. De novo. Isabel, que calha de ser minha mãe, já tinha virado a vida de patas pro alto quando uma década atrás se mudou do interior, onde passou a vida trabalhando em um hospital e criou três filhos, para a região da rua Augusta, em São Paulo. Saía de um divórcio doído para um recomeço numa cidade que não era a dela. Seu primeiro ano na capital rendeu uma série de descobertas que ela narrou no livro "32: Um Homem Para Cada Ano que Passei com Você".

Imagem da silhueta de uma mulher na bicicleta e um cachorro contra a luz do sol
cocoparisienne/Pixabay

O livro a levou a palestrar pelo Brasil, a aparecer no programa "Encontro com Fátima Bernardes" e a começar a dar aula de escrita, além de descobrir a sexualidade numa idade em que a sociedade espera que uma mulher volte para o estaleiro. Ela mesma não revela a idade, mas é possível encontrar pistas na internet. "A traição mudou minha vida para melhor, aos 60" é o título de uma palestra que ela deu no TED de Blumenau, e que acumula mais de meio milhão de visualizações.

Mas, depois de uma década de liberdade em São Paulo, Isabel tropeçou em algo. Quase que literalmente. Numa manhã de 2017, passava por um estacionamento que estava no último dia de funcionamento, porque ia virar um prédio, quando ouviu: "Tem um filhote lá dentro". Curiosa, entrou. E viu uma cadelinha de menos de dois quilos escondida embaixo de um carro, tremendo. Era uma cachorrinha abandonada, com pelos cor de cobre e olhos verdes.

Isabel levou o bicho para casa prometendo, a si mesma e ao mundo, que era transitório. Ia dar banho, vacinar, castrar e encontrar uma casa que quisesse uma cachorra, porque ela mesma não queria, estava acostumada a uma vida de liberdade e de viagens. "Eu já criei três filhos, não quero um quarto", brincava.

As semanas se passaram e, quando chegou o momento de castrar a filhote, Cãnela recebeu a anestesia e olhou a humana fundo nos olhos antes de apagar. "Era uma cara de ‘Você não vai me deixar aqui, vai?’", conta a que sabe falar. "Aí, ela me conquistou." E a arapuca do lar temporário deu lugar a um lar definitivo e feliz para Cãnela.

Nos últimos 1.500 dias, é difícil encontrar uma sem a presença da outra. Voam juntas. Vão à praia juntas. Dividem a mesma cama. As vidas se entranharam de tal maneira que elas viraram uma família com duas integrantes. Tanto que, enquanto seu primeiro livro está prestes a virar série de TV, ela já trabalha no próximo. Será a história do encontro de uma humana com uma canídea, contada pelo ponto de vista de ambas.

O aniversário postiço de Cãnela foi nesta semana. De presente, ela ganhou uma refeição extra e aparentou felicidade, por mais que não soubesse o que estava acontecendo.

Isabel trocou 32 homens por 15 quilos de vira-lata. "E hoje eu não sei viver sem ela", diz, no 22 de setembro, dia que ela escolheu para ser o aniversário da cachorra que ela não sabe ao certo quando nasceu —e, não por coincidência, mesmo dia em que começa a primavera, a temporada em que a vida voltar a nascer.

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