Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nosso estranho amor

Pedro e César: Casados, mas só duas vezes por mês

Eles se divorciaram porque decidiram dar um passo para trás e voltar a namorar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Vinte anos foram suficientes para os arquitetos Pedro e Carlos aprenderem que não prestam para uma vida de casados. Depois de fazerem parte da primeira leva de casais homoafetivos que saíram do cartório com uma certidão de casamento, em julho de 2013, um ano depois eles saíram da mesma repartição com uma certidão de divórcio.

"A vida de casado não era pra gente", diz Pedro. "E foi preciso casar pra descobrir que a gente não prestava pra casar", diz César dias depois, em outra casa. Os dois não moram juntos. Porque a vida mostrou que aquele direito conquistado era importante para a categoria no atacado, mas não prestava para eles, no varejo. "A gente se conhecia há seis meses, estava apaixonado, trabalhava junto, vivia junto, dormia junto… Daí as pessoas começaram a casar e a gente foi lá e casou", diz César. Quando eles se divorciaram, entretanto, foram contra a corrente. "Nossos amigos não acreditaram. Teve quem pedisse presente de volta", diz Pedro.

Duas sombras de homens se abraçam no meio de bolhas de luz
Kalhh por Pixabay

Mas o desquite não era o fim. Eles se divorciaram porque decidiram dar um passo para trás e voltar a namorar. "A gente morou junto por quase um ano e meio. E foi horrível", diz César. Um dormia às dez da noite. O outro só ia para cama às três da manhã. Um passava os fins de semana em silêncio com um livro. O outro tinha pavor de ficar em casa, e via mais o porteiro do que via o marido. Daí eles decidiram se divorciar no papel e multiplicar as contas de luz: cada um teria sua própria casa. Desde então, vivem o amor mais longevo que ambos já tiveram. Se encontram a cada 15 dias. Em alguns fins de semana, dormem um na casa do outro. Tem mês que nem isso.

César define o esquema deles: "O amor é um pacto. E não precisa ser o mesmo pacto que todo mundo assina. Eu quero que o meu pacto seja o de admirar para o resto da vida esse homem incrível de cabelo de ovelha que eu vi uns 20 anos atrás, quando ele era só um moleque. E se eu fosse viver uma vida de casado com ele, isso ia se gastar, eu ia perder o amor no caminho." Quando Pedro ouve o que César disse, ele se emociona: "Eu nunca tinha pensado nisso. Mas talvez seja bem por aí. O nosso amor é uma coisa preciosa demais pra banalizar. Eu não amaria tanto o César se tivesse que conviver com ele 24 horas por dia. Porque não dá para amar ninguém com quem você é obrigado a conviver todo dia o dia todo. É difícil não citar aquela música do Caetano, que diz ‘O seu amor: ame-o e deixe-o ser o que quiser’."

Por contraditório que pareça, em 2019 eles se casaram pela segunda vez. Mas, aos 40 e poucos anos, não avisaram ninguém. A festa foi um almoço com as duas melhores amigas e o cachorro de César. Até porque tinham medo do sermão que ouviriam não de um padre, mas sim dos amigos que gastaram com presente de casamento quase 20 anos atrás. E dessa vez eles garantem que sabem o que estão fazendo. "É um papel para facilitar nossa vida, evitar problemas no futuro. Tem a questão da herança, do plano de saúde, de um poder visitar o outro no hospital, caso esteja internado. A gente não se casou pela segunda vez pra ser a família da novela. A gente se casou da segunda vez para poder ter o nosso casamento. O nosso, não o dos outros."

A certidão do segundo casamento continua válida e impávida numa gaveta do apartamento de César. Mas a vida de casado só vem para a prática duas vezes por mês, e olhe lá. "Quando a gente se vê, tem a mesma fome de quando se reconheceu. E a gente janta, a gente ri e a gente trepa. O que com certeza não é um casamento padrão", ele ri. E, então, desliga o telefone e vai dormir, porque já são quase dez da noite e não é dia de ver o marido, com quem ele se encontra só duas vezes por mês.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.