Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Descrição de chapéu Relacionamentos LGBTQIA+

Carla e Josy: pastoras, lésbicas e apaixonadas

De gravidez a pandemia, muito rolou até o casal conseguir o casamento com que tanto sonhou

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São Paulo

Se é para falar de amor, falemos de Bíblia. "Acima de tudo, porém, revistam-se do amor, que é o elo perfeito." Colossenses 3:14.

O mesmo livro usado por tantos irmãos de fé para atacá-las oferece a melhor resposta que Josy e Carla Corazza conseguem imaginar para quem diminui o amor delas.

Elas são lésbicas, apaixonadas, casadas. E são pastoras. Encontraram guarida espiritual na inclusiva Igreja Cristã Contemporânea. Mas a certeza desse amor Deus escreveu primeiro em linhas tortas.

A cabeleireira Josy, 39, nunca esqueceu o instante exato em que se apaixonou pela coordenadora de vendas Carla, 40. Foi à primeira vista.

"A Carla usava uma regatinha branca e um short azul de tactel. Estava sentada numa escada na hora em que a vi. Era muito tímida, não deve ter falado muita coisa. Mas lembro do olhar dela."

As pastoras Carla (loira) e Josy Corazza no casamento delas, em novembro de 2022 - Arquivo pessoal

Também Josy tinha algo que chamava a atenção. Uma barriga de sete meses de gravidez. Desde os 11 anos, a jovem tinha consciência de seu interesse por meninas. E agora esperava a primeira das duas filhas que teria com o hoje ex-marido.

"Como a gente sempre teve aquele preconceito dentro de casa, nunca quis ir ver qual é", conta sobre o desejo refreado. Ela até se envolveu com mulheres na adolescência, mas apostou que seria uma fase.

Casou porque engravidou. Aos 19 anos, após se converter evangélica, buscou "incessantemente a libertação da homossexualidade". Orou por isso.

Ouvia direto na igreja que seus sentimentos lhe despachariam para o inferno. Para não esfarelar a família tradicional brasileira, insistiu por uma década num matrimônio sem razão de ser.

Frequentava então uma Assembleia de Deus. Quando decidiu dar um basta na relação em frangalhos, nenhum dos que chamava de irmãos e irmãs a acolheu. Mãe de duas crianças, imobilizou-se naquele desamor.

Durante todo esse tempo, ela e a loirinha da regata branca continuaram amigas. À distância na maior parte, porque Carla morava no Rio, e Josy estava em Campinas.

Em 2011, ainda morando com o pai das filhas, mas já em leitos distintos, Josy tomou coragem e se declarou, disse que se apaixonou pela amiga no dia um. Desta vez foi Carla quem se acovardou.

Ela até chegou a ter um noivo na juventude, mas fazia tempo que lidava muito bem, obrigada, com sua orientação sexual. Gostava de mulher. O problema é que era muito errática com elas. Não sabia ter um relacionamento sério com ninguém.

Veio o Carnaval de 2012. A cabeleireira foi passar o feriado na casa da amiga. Chegou com amor para dar —e as filhas a tiracolo. Carla sentiu um iglu na barriga quando viu Josy na rodoviária. Enxergava-a até ali como um modelo de fé, uma mulher casada, uma mãe de família. Alguém por quem jamais poderia se permitir apaixonar.

Então viu além. Viveram quatro dias intensos no subúrbio do Rio. Comportados, claro, porque tinha criança no recinto. Foram a blocos carnavalescos e também ao boliche. Pediram uma pizza no shopping que Josy estranhou: à francesa, como cariocas gostam. Toda cortada em quadradinhos, tal qual petisco.

O aperitivo deu gostinho de quero mais e, no penúltimo dia, rolou o primeiro beijo. Seguido da primeira D.R., a famigerada Discussão de Relacionamento. Carla chegou a propor que ficasse cada uma em seu estado. Josy bateu o pé. Sabia o que queria. Queria a amiga.

Dez dias depois, deixou São Paulo e se mudou com suas meninas para a casa da agora namorada.

Como qualquer casal, elas passaram por maus bocados. Os primeiros dois anos foram complicados.

Josy tinha fé, Carla não queria nada com a igreja. Não conseguia crer no Deus do amor, só no Deus carrasco, e desse queria distância. Por que lutar para ser aceita num clube que não a queria como sócia? Sabia bem o que muitos evangélicos diziam sobre lésbicas como ela.

Àquela altura a esposa já tinha trocado a Assembleia de Deus pela Igreja Contemporânea. Carla às vezes a acompanhava, mas tendia a achar tudo uma ladainha. Depois de uma crise no casamento, algo mudou. "Deus me veio como pai, consolador, amigo." Fez as pazes com Ele e, por fim, foi ordenada pastora.

O casal enfrentou brigas, homofobia, uma doença na família e, bom, uma pandemia antes de conseguir realizar o casamento religioso que tanto queria. Em setembro de 2022, pintou uma oportunidade no caminho.

A Globoplay fazia um processo seletivo para "Vestidas de Amor", uma série temática sobre noivas. A história de amor das pastoras apaixonadas foi uma das escolhidas. Vestiram-se com roupas de Carlos Tufvesson, estilista das noivas Angélica e Claudia Leitte. Um vestido para Josy, um terno para Carla, ambos brancos.

E, acima de tudo, revestiram-se de amor, "que é o elo perfeito". Se Deus é por elas, azar de quem é contra elas.

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