“Quem não estuda a história está condenado a repeti-la.” Quantas vezes você já escutou ou falou essa frase? Sim, sei que foi com a melhor das intenções. Ninguém quer repetir os erros do passado e parece razoável estudar o que se passou para prevenir futuras tragédias. A questão é que essa frase, embora de intenções nobres, é tão falsa quanto uma mensagem de WhatsApp que começa com “eles estão escondendo isso de você, repasse”.
Basta olhar para o passado próximo. Se conhecimento histórico fosse vacina contra decisões ruins, o presente como o conhecemos seria impossível. Afinal, apesar das incontáveis evidências, continuamos fazendo besteiras. E, neste caso, não podemos culpar os profissionais da área por essa ideia. Os historiadores sérios, faz tempo, vêm recusando o papel de futurólogos.
Como diz David Runciman, professor na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, a história nos mostra, no máximo, que as democracias nunca falham ou acabam do mesmo jeito…
O ponto é que continuamos comprando essa ideia porque ela tem uma consequência prática. Se conhecer história permite influenciar o futuro, logo o conhecimento vira esgrima argumentativa. Ela ganha uma função muito clara na luta política.
Quer um exemplo? Pegue a quantidade de livros lançados nos últimos dez anos sobre o passado do Brasil. Depois, dê uma busca por vídeos sobre o tema. História virou vacina (não vamos cair nessa!) e arma (use o passado para atacar o presente). À medida que a temperatura política crescia, a fome pelo passado também se expandia.
Os resultados você já conhece. Não vou entrar nos temas específicos porque você, inteligente que é, já sabe das bobagens que estou falando. Em vez de iluminar o presente, as leituras equivocadas sobre a história agravaram a confusão. Voltaram até as “fake news” históricas, com o objetivo de justificar ações do presente. Fatos são reorganizados para compor uma narrativa útil para o momento.
Isso, infelizmente, não tem solução. Sempre foi assim. Mas há formas de, ao menos, apoiar as pessoas para que elas não caiam nas balelas mais óbvias.
Por isso que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) propõe um ensino baseado em perguntas e problemas, como mostramos na Nova Escola. Afinal, o papel da história no ensino básico não é enfiar um monte de datas na cabeça dos estudantes, mas ajudá-los a pensar por eles mesmos, usando a história como um dos pilares para a reflexão. Obviamente, é importante conhecer os fatos. Mas eles, sozinhos, não dizem nada.
Mal comparando, seria como servir uma ceia de Natal só com os ingredientes. Cozinhar é pensar, cozinhar é relacionar ingredientes para montar uma refeição que faça sentido para a família toda. A boa história, assim como a boa mesa, precisa de pensamento. Não adianta só lembrar que o peru do ano passado queimou, por exemplo. É preciso pensar nas condições que levaram a essa triste situação.
Embora essa lição ainda tenha de chegar plenamente às escolas, você pode aplicá-la a partir de agora. Quando alguém vier com certezas muito definitivas sobre o nosso passado ou uma narrativa esquisita, respire fundo e pergunte, pergunte como se não houvesse amanhã. Pergunte sobre as fontes, explore as relações de causa e consequência, recuse anacronismo. Embora a história permita múltiplas leituras, há linhas mais estabelecidas do que outras. Alcançar a verdade é muito difícil, mas alguma aproximação é possível.
História não é vacina, mas o método para conhecer o passado estimula a reflexão. E, se me permite um clichê de fim de ano, tem poucas coisas mais deliciosas nessa vida (exceto a almôndega da minha avó) do que aprender a pensar por si mesmo.
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