Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira
Descrição de chapéu Folhajus STF

Confronto deliberado

Populistas não sobrevivem sem inimigos, ainda que imaginários

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Populistas não sobrevivem sem inimigos, ainda que imaginários. A lealdade canina de seguidores precisa ser constantemente instilada. Não surpreende que um presidente abertamente hostil à Constituição tenha escolhido a instituição responsável pela sua guarda como alvo preferencial de seus ataques.

As investidas contra o Supremo começaram muito antes da posse de Bolsonaro. Quem não se recorda da intimidação perpetrada pelo general Villas Bôas, caso o tribunal concedesse um habeas corpus ao ex-presidente Lula, ou a ameaça feita por Eduardo Bolsonaro de que bastaria "um cabo e um soldado" para fechar o STF, se seu pai fosse impedido de tomar posse.

A escalada de ameaças, que contou com marchas e voos sobre o Supremo, culminou, em 7 de setembro último, com a promessa do presidente da República, em meio a uma série de ameaças a outros ministros do Supremo, de que não mais cumpriria decisões do ministro Alexandre de Moraes.

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Plenário do Supremo Tribunal Federal - Rosinei Coutinho -17.dez.21/STF

Nesta sexta-feira (28), para regozijo de seus aduladores, Bolsonaro cumpriu sua promessa. Não compareceu à Policia Federal para prestar depoimento, em inquérito que apura sua participação em vazamento de dados sigilosos.

O fato é que Bolsonaro poderia ter manifestado, quando convocado, sua indisposição para prestar o referido depoimento, reivindicando o direito fundamental de não se autoincriminar. Mas não o fez. Preferiu dizer que, "em homenagem aos princípios da cooperação e da boa-fé processuais", atenderia ao ofício do Supremo.

Descumprindo sua própria disposição de prestar depoimento, "mediante comparecimento pessoal", escolheu desrespeitar decisão do Supremo. O recurso de última hora não apenas se demonstrou intempestivo temporalmente, mas também logicamente, como salientou Alexandre de Moraes. Testemunhamos, portanto, um confronto deliberado. Armado pelo presidente, nas palavras de Miguel Reale Jr., para "afrontar a administração da Justiça", o que caracterizaria crime de desobediência.

O Supremo Tribunal Federal, como já afirmei em outras ocasiões, tem servido como a principal barreira ao projeto de erosão constitucional colocado em marcha por Bolsonaro. Ao lado da oposição parlamentar e de setores da imprensa e da sociedade civil, comprometidos com a democracia e os direitos fundamentais, tem mitigado os danos infligidos a diversas políticas criadas pela Constituição e pelas leis do país, além de salvaguardar mecanismos centrais ao regime democrático.

A cada movimento do Supremo em defesa dos direitos fundamentais, como no caso do direito à saúde dos cidadãos brasileiros, ou de proteção do processo democrático, como ao investigar aqueles que buscam subvertê-lo, o Supremo será objeto de ataques mais contundentes.

Ao invés de se acovardar, como tem ocorrido em muitos países governados por líderes autoritários, o Supremo tem se demonstrado cada vez mais disposto a não abrir mão de sua missão fundamental, que é guardar a Constituição, o que não é uma tarefa fácil, graças às divisões internas do tribunal. Sabem os ministros, no entanto, que a sobrevivência institucional do Supremo depende da própria sobrevivência da democracia.

Essa postura responsiva também impõe aos ministros fazer escolhas sobre as disputas que deverão priorizar. Bolsonaro buscará distrair o tribunal, como fez nesta sexta-feira. Ao Supremo caberá centrar o seu capital institucional em torno dos elementos constitutivos da democracia brasileira, em especial da integridade do pleito eleitoral, pois isso é o que mais aflige os inimigos da democracia.

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