Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Estratégia sistêmica é chave para acelerar a recuperação das aprendizagens no Brasil

Sem uma ação política imediata, impactos da pandemia podem perdurar por gerações

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Com o número elevado de casos de Covid, o Brasil foi um dos países onde as escolas permaneceram fechadas por mais tempo, com uma média de 40 semanas, em comparação à média mundial de 29 semanas. Mesmo com todos os esforços em oferecer um ensino remoto emergencial, a interrupção das aulas presenciais terá no Brasil um impacto no aumento da porcentagem de crianças de dez anos que não são capazes de ler e compreender um texto simples, passando de 48% para 70%. E sabemos que o impacto é ainda mais profundo entre as crianças e jovens mais vulneráveis.

Com o retorno às aulas presenciais, perdas substanciais de aprendizagem estão sendo observadas nos sistemas educacionais ao redor do mundo. Os alunos do 2º ano do ensino fundamental da África do Sul tiveram perdas de aprendizagem equivalente a 70%. Na Holanda, os alunos perderam 20% de um ano letivo. No Brasil, o desempenho dos alunos do 5º ano do ensino fundamental da rede estadual de São Paulo caiu 46 pontos em Matemática e 29 pontos em Língua Portuguesa em comparação aos resultados do Saeb 2019. Isso equivale a um retorno a patamares de desempenho de, pelo menos, seis anos atrás. As avaliações diagnósticas, realizadas por diversos estados brasileiros, mostram resultados semelhantes.

Os impactos da pandemia não foram restritos à aprendizagem. Em todo o mundo, os casos de depressão entre os estudantes, violência escolar e de gravidez precoce vem aumentando, levando ao abandono escolar. No Brasil, o número de crianças e adolescentes fora da escola aumentou 171% segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Corredor com um cartaz que diz "Bem-vindos"
Cartaz de volta às aulas em escola estadual na zona sul de São Paulo - Karime Xavier - 2.fev.2022/Folhapress

Para mitigar os efeitos da pandemia e evitar perdas adicionais será necessário implementar programas para a recuperação das aprendizagens, prevenção do abandono escolar e melhoria do bem-estar dos estudantes. Para contribuir com a recomposição das aprendizagens em todo o mundo, a Unicef, a Unesco e o Banco Mundial reuniram esforços para sistematizar uma estratégia que engloba cinco medidas essenciais:

Recuperar todas as crianças e mantê-las na escola: para além de manter as escolas abertas é importante fortalecer procedimento para identificar os alunos em risco de abandono e evasão. Experiências bem- sucedidas de Sistemas de Alerta Preventivo são encontradas no Chile, Peru e Guatemala.

Avaliar os níveis de aprendizado regularmente: a continuidade da avaliação dos níveis de aprendizagem é importante para monitorar os desafios e os avanços das ações. Os professores também devem estar preparados com materiais para avaliar continuamente a aprendizagem em sala de aula.

Priorizar o ensino dos fundamentos: dedicação de mais tempo de ensino às habilidades fundamentais, como alfabetização, numeramento e habilidades socioemocionais, que permitem a aquisição de habilidades mais complexas.

Incentivo a recomposição e progresso: as diferenças de aprendizagens dentro de uma mesma turma são significativas e será necessário adotar práticas pedagógicas personalizadas para todos os alunos, em especial para aqueles que não adquiriram as habilidades fundamentais. A Tutoria Personalizada (em inglês, Teaching at the right level), que foi elaborada pela ONG Pratham nos anos 2000 e implementada em mais de 16 países, é versátil e transformadora para os alunos mais vulneráveis. O intuito não é substituir o ensino realizado em sala de aula. O sucesso do programa está na alta adaptação do nível de ensino às dificuldades dos alunos, com a utilização de materiais estruturados para esse objetivo.

Desenvolvimento de saúde e bem-estar psicossocial: é importante realizar um balanço sobre as necessidades e recursos disponíveis em diferentes setores, incluindo a formação dos professores. Campanhas de comunicação, incluindo mensagens para a comunidade sobre Covid-19 e saúde mental podem contribuir para o engajamento da escola com as famílias na construção de uma rede de apoio aos alunos.

A recuperação da aprendizagem não acontecerá sem o apoio aos professores. Os novos desafios vão exigir que os docentes estejam ainda mais receptivos às necessidades dos estudantes e é essencial a formação dos professores para lidar com esses desafios e apoiá-los no desenvolvimento de habilidades digitais. Mais do que nunca, a formação dos professores precisa ser prática e focalizada em atividades que dão respostas às dúvidas do professor e a resolver as dificuldades presentes no seu cotidiano imediato.

Ao redor do mundo, vários os países estão começando a implementar políticas para enfrentar os impactos da pandemia na educação. E o Brasil saiu na frente com o recente lançamento da Política Nacional para Recuperação das Aprendizagens elaborada pelo Ministério da Educação, em escuta com as redes estaduais e municipais. Dentre as iniciativas destacam-se: elaboração de um Sistema de Alerta Preventivo e de uma plataforma de Acompanhamento Personalizado de Aprendizagem, com disponibilização de testes diagnósticos na escala do Saeb para agrupamentos de alunos; de materiais pedagógicos estruturados e de recursos financeiro para pagamento dos monitores. Para fortalecer ainda mais o atendimento aos mais vulneráveis na recuperação da aprendizagem, os estados e municípios do Norte e Nordeste estão sendo focalizados nos programas do Ministério da Educação, incluindo financiamento do Banco Mundial.

Sem uma ação política imediata, os impactos da pandemia podem perdurar por gerações. É necessário agir com políticas baseadas em evidências e na cooperação entre os entes federativos, para transformar a crise em uma oportunidade e construir sistemas educacionais mais inclusivos, eficientes e equitativos. O Brasil já deu o primeiro passo nesse sentido.

Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial especialistas em educação Leandro Costa, economista sênior, e Fátima Alves, consultora.

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