Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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A ciência da leitura por trás do processo de alfabetização

Como o Brasil virou destaque para outros países e o que podemos aprender com isso

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Aprender a ler não é uma tarefa fácil, e a pandemia de Covid-19 deixou estampado para muitos pais a importância de ter um professor bem preparado apoiando as crianças a descobrir o mundo mágico das letras e palavras.

Em 2019, 48 a cada 100 crianças brasileiras de dez anos de idade não eram capazes de ler e compreender um texto simples, um número um pouco abaixo da média global (53 a cada 100 crianças) para países de renda baixa e média. Estima-se que o período de fechamento das escolas e ensino remoto tenha elevado este número para 70 crianças a cada 100.

Diante de um desafio global, é preciso colocar a alfabetização entre as pautas mais urgentes da educação e dispor de ferramentas que apoiem o desenho e a implementação de políticas eficazes. Pesquisas nas áreas de psicologia e educação revelam um conjunto robusto de evidências internacionais (chamado de ciência da leitura) sobre como o processo de leitura ocorre dentro do cérebro e a eficácia das diferentes práticas de alfabetização. Entretanto, esses estudos estão dispersos, dificultando seu acesso e uso na política educacional.

Pernas dos alunos enfileirados com professora ao fundo
Escola Estadual Orlando Geríbola, em Osasco (SP), que se tornou integral em 2022 - Karime Xavier - 31.mar.22/Folhapress

Para reduzir esta lacuna, o Banco Mundial publicou um conjunto de recursos para fortalecer programas de alfabetização. Alguns deles são o Arco-Íris de Leitura, que sintetiza sete competências-chave a serem desenvolvidas na alfabetização, estudos reunindo as evidências sobre como as crianças aprendem a ler e como incorporá-las nas práticas pedagógicas e até mesmo um compêndio de planos de aulas e recursos pedagógicos em mais de 40 línguas e com contribuições brasileiras.

Um outro recurso no qual o Brasil foi destaque refere-se a uma análise das políticas de alfabetização de redes públicas com melhor desempenho no país, buscando compreender em que medida a prática brasileira está alinhada com a ciência da leitura. O fortalecimento das políticas para a alfabetização na idade certa no Brasil tem atraído atenção internacional, como nos casos do Ceará e do município de Sobral. Parte do interesse se deve ao fato de o Brasil oferecer exemplos acessíveis a outros países em desenvolvimento, dada a proximidade dos desafios educacionais desses países para garantir a qualidade do ensino.

Intitulado "A Ciência da Leitura na Prática: Uma Análise de Materiais Didáticos para a Alfabetização em Estados e Municípios Selecionados no Brasil", o estudo examina as redes municipais de Sobral, Teresina, Apucarana, Paranavaí, Coruripe, Teotônio Vilela e Itatiba e as redes estaduais de Ceará e São Paulo.

O relatório apresenta cinco conclusões:

1. As redes analisadas estão alinhadas com a Ciência da Leitura no que diz respeito à existência de um documento orientador com um conjunto claro de competências a serem ensinadas e progressão entre estas competências. No mínimo, as redes destacam as competências que devem ser ensinadas no bimestre, mas algumas oferecem orientação mensal, semanal e diária.

2. Assim como as evidências da ciência da leitura, as redes apresentam um alto grau de alinhamento entre currículo, livros didáticos, materiais para professores e ferramentas de monitoramento. Esse alinhamento é conferido por um plano de ensino que conecta todos os recursos e oferece orientação sobre o que ensinar.

3. Nas redes com orientações diárias sobre o que ensinar, os alunos recebem mais tempo de instrução. Estudos relacionam a quantidade de instrução e prática de leitura aos resultados de aprendizagem.

4. Em relação às sete competências-chave do Arco-Íris da Leitura, há correspondência entre elas e as habilidades listadas na amostra brasileira (com base na análise realizada para 1º e 2º ano do ensino fundamental). Contudo, o Brasil se apresenta mais a frente, pois há prevalência de habilidades mais complexas, como escrita de sequências de palavras progressivamente mais longas e compreensão leitora.

5. Está presente em todas as redes o uso de avaliações diagnósticas como ferramentas de planejamento e monitoramento da aprendizagem. Elas não requerem o mesmo nível de sofisticação técnica que testes padronizados, mas fornecem uma análise rápida dos níveis de aprendizagem, permitindo aos professores intervir rapidamente para assegurar que todos os alunos desenvolvam as competências essenciais.

As conclusões são positivas para o Brasil. Elas indicam que as redes públicas de ensino com melhor desempenho educacional incorporam práticas que estão alinhadas com a evidência global sobre como alfabetizar de maneira eficaz. Isto não quer dizer que está tudo indo bem, afinal, o estudo versa sobre uma amostra de redes com bom desempenho e mesmo entre essas redes há espaço para aprimoramento. Todavia, quando analisadas em conjunto, as práticas identificadas servem como referência para municípios, estados e países que desejem fortalecer suas políticas de alfabetização.

O estudo "A Ciência da Leitura na Prática" é um excelente ponto de partida para identificar pontos de melhoria nos programas de alfabetização e estabelecer estratégias para implementá-los. Em meio a um cenário desafiador de perdas de aprendizagem com a pandemia, identificar boas práticas alinhadas com a ciência ajuda a traçar um caminho de recomposição de aprendizagens.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Louisee Cruz Boari, consultora do Banco Mundial, especialista em educação.

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