Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Como dar mais equilíbrio e coesão às relações federativas?

É importante uma reforma das principais transferências da União

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Há certamente um bom argumento para se repensar fundamentalmente o federalismo fiscal no Brasil. Em comparação internacional, o Brasil apresenta alto grau de descentralização de receitas. Mas simulações mostram que as transferências não são efetivas em reduzir desigualdade fiscal entre os entes federados, com estados de renda média recebendo mais recursos de transferências intergovernamentais do que os mais pobres.

Uma reforma das principais transferências da União aos entes subnacionais tem potencial para simplificar e tornar as transferências mais equitativas e, ao mesmo tempo, trazer equilíbrio e coesão às relações federativas no Brasil.

Por exemplo, as duas maiores transferências da União aos entes subnacionais são o Fundo de Participação dos Estados (FPE), que em 2021 totalizou R$ 125 bilhões, e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que totalizou R$ 146 bilhões. Juntos, esses fundos representaram cerca de 4% do PIB em 2021. No mesmo ano, transferências do FPE representavam em média 20% das receitas brutas realizadas dos estados, mas em alguns casos, como em Roraima, Acre e Amapá, esse percentual chegou a 50%, revelando o papel primordial desse fundo na viabilidade fiscal desses entes.

Com Censo atrasado, IBGE estimou população brasileira em 207 milhões, mas técnicos do próprio instituto criticam a metodologia utilizada. Devido à população menor, 702 municípios esperam perder R$ 3 bilhões em repasses da União e prometem ir à Justiça
Recenseadores do Censo do IBGE, que é fundamental para orientar os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) - Helena Pontes - 5.jan.2023/Agência IBGE Notícias

Baseando-se nas melhores práticas internacionais, e considerando a vasta literatura de transferências intergovernamentais existente, o estudo recente do Banco Mundial traz diversas simulações para viabilizar uma reforma do FPE. No Brasil, como em outros países, muitos instrumentos de transferência, inclusive o FPE, combinam e confundem objetivos de descentralização e de distribuição ou equidade.

Assim, para racionalizar e dar mais transparência ao sistema, o estudo propõe uma reforma do FPE que considere três fundos separados para cada objetivo a ser perseguido: equalização fiscal, compartilhamento de receitas e incentivo a performance.

Fundo para Compartilhamento de Receitas

A maioria dos países da OCDE e muitos países em desenvolvimento implementam alguma forma de compartilhamento de receitas, que é o principal instrumento para promover a descentralização. Os países que o fazem –permitindo aos estados manter alguns dos recursos no local onde eles forem gerados– têm a intenção de oferecer incentivos para desenvolver as economias estaduais e proporcionar algum senso de equilíbrio e coesão nacional.

No estudo, foi simulado um fundo de compartilhamento de receitas com aproximadamente 10% do total de fundos disponíveis para o FPE. Os critérios de partilha dos recursos desse fundo levam em consideração o percentual populacional do estado e seu PIB, com pesos diferentes alocados a cada componente. Naturalmente, a definição de qual parcela dos recursos iria para cada um dos instrumentos (objetivos) é, em grande parte, uma decisão política.

Fundo Equalizador Fiscal

Recursos advindos de um fundo equalizador têm como objetivo fechar ou diminuir o hiato fiscal de entes subnacionais, que é calculado como a diferença entre necessidades de gasto e a capacidade fiscal.

O cálculo das necessidades de gasto levou em consideração os principais motivadores da despesa, que em geral estão relacionados ao número de "clientes" em potencial que utilizam os serviços públicos no estado. O cálculo da capacidade fiscal levou em consideração a receita tributária per capita potencial dos entes. A utilização de receitas potenciais em vez de receitas realizadas evita que os entes tenham comportamento estratégico. Em outras palavras, o objetivo é evitar que os entes exerçam menos esforço para coleta de impostos do que de outra forma exerceriam.

Transferências equalizadoras bem desenhadas reconhecem automaticamente, em suas fórmulas, os fundos de compartilhamento de receitas como parte da capacidade fiscal dos estados, reduzindo ou eliminando, assim, o tamanho das transferências equalizadoras que eles recebem. Portanto, nas simulações feitas, o cálculo de capacidade fiscal levou em consideração as receitas do fundo de compartilhamento de receitas.

Fundo de Incentivo à Performance

O Brasil possui bons exemplos de transferências baseadas em desempenho sendo implementados dentro do sistema de transferência intergovernamental. Tanto no meio ambiente (ICMS-ecológico) quanto na educação (ICMS-educação), foram implementados mecanismos para incentivar os governos locais a melhorar o desempenho. Estudos mostram, no entanto, que as transferências com base no desempenho têm maior probabilidade de sucesso quando fazem parte de um pacote maior que também inclui assistência técnica e, em alguns casos, insumos.

A Reforma Possível

Resultados das várias simulações discutidas mostram que a nova distribuição de recursos, considerando os três objetivos (compartilhamento de receitas, equalização fiscal e incentivo à performance) geraria um padrão mais equalizador na alocação das transferências, com os estados mais pobres recebendo mais recursos per capita que aqueles mais ricos. Além disso, por incorporar dentro de seu desenho incentivos —de forma indireta, no caso do hiato fiscal, ou direta, no caso do fundo de incentivo a performance—, a proposta traz mais equilíbrio e coesão às relações federativas no Brasil.

Por fim, as simulações elaboradas não pretendem ser uma recomendação final. Todos os cálculos e estimativas reais podem ser posteriormente refinados com melhores dados, bem como com contribuições de especialistas nacionais. A calibragem dos parâmetros usados no modelo (como o tamanho de cada fundo e o peso dos critérios técnicos) dependem, em última instância, de um acordo entre o Governo Federal e os estados. O estudo oferece ferramentas para tornar esse acordo possível.

Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial Shireen Mahdi, economista líder do Banco Mundial para o Brasil, Kjetil Hansen, especialista sênior em setor público, e os consultores Claudia Tufani e Jorge Martinez-Vasquez

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