Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa
Descrição de chapéu inflação juros

Equilíbrio fiscal por meio de aumento da tributação?

É bom se preparar porque a conta será maior do que parece

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Nas últimas três décadas, o Brasil tem experimentado ciclos maníaco-depressivos na gestão das contas públicas. Fases de aumento descontrolado das despesas obrigatórias, aquelas que devem ser realizadas por força de lei, foram seguidas por crises na economia. A maior despesa acabou sendo paga por meio de aumento da carga tributária ou da dívida pública.

Alguns acreditam que estejamos no começo de mais um desses ciclos. Aposta-se que a expansão dos gastos públicos prevista na PEC da Transição poderá ser paga com novos aumentos de tributos e, no fim, tudo dará certo.

No país das regras sutis e complexas em que vivemos, contudo, melhor explicar que o problema será mais difícil de resolver do que alguns imaginam.

Ilustração de um barco afundando. O céu e o mar são azuis e do lado esquerdo da cena, o sol é um círculo amarelo. O barco tem as cores amarela, vermelha e branca. Ele está apontando para cima, com a parte de trás dentro d'água
Edson Ikê

Considere-se a opção de aumentar a tributação do Imposto de Renda sobre os lucros e dividendos. Pela legislação brasileira, a arrecadação desse imposto deve ser distribuída aos municípios (24,5%) e aos estados (21,5%).

Não para por aí. Parte desses recursos deve ser destinada ao financiamento dos fundos de desenvolvimento regional do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste: 3% do total arrecadado.

Há também transferências que a União é obrigada a fazer para estados e municípios com base na arrecadação do Imposto de Renda Retido na Fonte, do Imposto sobre Propriedade Rural, do Imposto sobre Operações com Ouro e da Cide.

Existem ainda outras regras de transferência da arrecadação federal para governadores e prefeitos, como no caso da receita obtida com a exploração de recursos naturais. A lista continua com a transferência compulsória para o Fundo Penitenciário Nacional, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, e muito mais.

Essa distribuição dos recursos é bem mais complicada do que parece em razão das normas atuais, agravadas por decisões do Judiciário. A complexa fórmula de cálculo do Fundo de Participação dos Estados (FPE), descrita abaixo, ilustra o manicômio das regras no Brasil.

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Fórmula de cálculo do Fundo de Participação dos Estados - Reprodução/Senado Federal

Essa fórmula foi sistematizada no estudo "Transferências do governo federal", de Alexandre Rocha, disponível no site do Senado Federal.

Em outro estudo, Rocha mostra as dificuldades de fazer um ajuste fiscal pelo aumento da receita. Mesmo em caso de um novo imposto, parte relevante da maior arrecadação deve ser legalmente destinada aos governos locais, que, por sua vez, são obrigados a aumentar os gastos públicos.

Por isso, a dificuldade de fazer um ajuste fiscal pela receita: a carga tributária tem que aumentar cerca de duas vezes mais do que o ajuste fiscal pretendido, pois nossas leis determinam o aumento do gasto público em caso de maior arrecadação.

A nossa ciclotimia fiscal, e a necessidade recorrente de ajustes abruptos na carga tributária, prejudica o crescimento econômico.

Invariavelmente, nas fases mais agudas de desequilíbrio fiscal, o câmbio se desvaloriza, as taxas de juros de mercado aumentam e a alta inflação volta a nos assombrar, resultando em desaceleração da atividade econômica. Isso contribui para a maior volatilidade das taxas de crescimento do PIB no Brasil em comparação com os países desenvolvidos.

Nos poucos bons momentos das últimas quatro décadas, até crescemos razoavelmente em comparação com a média do restante do mundo. Não crescemos tanto como outros países emergentes, mas ao menos pouco acima de boa parte dos países ricos.

Cabe ressaltar, porém, que nossa renda cai bem mais nos momentos de crise; bem mais frequentes por aqui do que nos países de renda alta ou média. O resultado foi um Brasil que, na média, cresceu muito menos do que a média do mundo nas últimas décadas.

Esse ciclo foi momentaneamente interrompido após a adoção do teto de gastos. A despesa primária do governo federal parou de aumentar e a taxa de juros básica da economia caiu para menos de 5% ao ano, fato até então inédito desde o Plano Real.

Durante a pandemia, os gastos públicos voltaram a subir, e desta vez em uma magnitude inédita, o que era inevitável tendo em vista a urgência do cuidado com as pessoas.

O aumento da inflação, entretanto, permitiu reduzir os gastos públicos como fração do PIB, pois, em razão da pandemia, reajustes salariais não foram concedidos para servidores públicos.

Nos últimos dois anos, a economia se comportou melhor do que o esperado. Contudo, como acontece com frequência na nossa história, esse bom momento foi a senha para a retomada da distribuição desenfreada de benefícios a grupos organizados.

Foram aprovadas leis eliminando a cobrança de Imposto de Renda sobre o lucro de setores de eventos e desonerações para igrejas, só para citar alguns exemplos. Outros grupos receberam transferências de recursos públicos para aumentar a sua renda, como caminhoneiros e motoristas de táxi.

Em artigo publicado no Brazil Journal, Marcos Mendes e eu sistematizamos 42 medidas que concederam benefícios ou proteções para diversos setores organizados nos últimos dois anos.

O conjunto da obra resultou em uma proposta de orçamento do governo federal para 2023 que não contempla nem mesmo as despesas obrigatórias recentemente aprovadas.

Os lobbies se aproveitam da proposta de expansão das políticas sociais para obter novos recursos para seus interesses paroquiais. A PEC da Transição irá resultar na maior despesa do governo central como proporção do PIB da nossa história, excluindo o período da pandemia.

Com a brecha do descontrole, outras corporações aproveitam para se apropriar de recursos públicos. É esse o caso de membros do Judiciário, que andam a demandar benefícios retroativos, e as forças de segurança, que querem deixar de pagar Imposto de Renda.

O novo governo não parece querer comprar briga com os grupos organizados. A saída inevitável parece ser, mais uma vez, o aumento da carga tributária. Melhor avisar que esse aumento terá que ser bem maior do que o esperado.

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