Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado
Descrição de chapéu jornalismo twitter

Estudo sugere que notícias falsas se disseminam mais do que as verdadeiras

Pesquisa feita pelo MIT mostra disseminação de notícias falsas no Twitter

Na última sexta-feira (9), a revista Science publicou um importante estudo de pesquisadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) sobre a difusão de notícias falsas no Twitter. Pela sua abrangência e sofisticação metodológica, o artigo foi rapidamente reconhecido como o mais importante estudo já realizado sobre o tema. Sua principal conclusão é que as notícias falsas, sobretudo as políticas, se disseminam com mais velocidade e com maior alcance do que as verdadeiras.

A pesquisa tratou como notícia qualquer alegação de um tuíte que noticiava um fato, independentemente da fonte do link, evitando a discussão sempre inconclusiva sobre quais fontes devem ser consideradas confiáveis. Essa opção contornou de maneira inteligente a necessidade de estabelecer uma definição para um termo politicamente carregado, o de "notícia falsa", que tem sido utilizado sem critérios apenas para desqualificar adversários.

Logo do passarinho azul do Twitter do lado de fora do prédio da empresa
Prédio do Twitter em São Francisco. Estudo mostra difusão de notícias falsas na rede social - Jeff Chiu - 26.out.2016/AP

A pesquisa identificou todos os tuítes e sequência de retuítes que veiculavam essas notícias em todo o banco de dados do Twitter em língua inglesa desde a estreia do serviço. Em seguida, selecionou aquelas notícias que foram verificadas pelas principais agências e sites de verificação (fact checking), separando aquelas que foram verificadas e consideradas verdadeiras e aquelas que foram verificadas e consideradas falsas ou parcialmente falsas.

O estudo criou uma série de medidas para mensurar a viralidade, o alcance e a velocidade da difusão dessas cadeias de informação que veiculavam notícias e chegou a resultados surpreendentes: "Quando analisamos a dinâmica de difusão de rumores [que é como o estudo chama as cadeias de retuítes] descobrimos que os falsos se difundiram mais longe, mais rápido, mais profundamente e mais amplamente que os verdadeiros".

Essa difusão mais ampla e mais rápida, não se deveu ao uso de mecanismos de difusão de massa (por meio de contas influentes), nem ao uso de robôs (contas falsas que republicam automaticamente), tendo se disseminado fundamentalmente pela ação de usuários comuns. Essa constatação é especialmente relevante pois mostra que nossa preocupação deve se deslocar da ação de contas automatizadas como as que agentes russos supostamente estariam operando para os mecanismos que fazem com que pessoas comuns passem adiante notícias falsas ou de baixa qualidade.

Um aspecto da metodologia do estudo merece destaque. A pesquisa identificou cerca de 2,5 mil notícias verificadas que foram retuitadas, das quais 1,7 mil eram falsas, 490 verdadeiras e 259 mistas. Essa diferença no tamanho da amostra de notícias falsas e verdadeiras se deve ao fato de que os sites de fact checking selecionam para verificar apenas as notícias que atendem a dupla condição de serem amplamente difundidas e terem a veracidade disputada, o que caracteriza uma espécie de viés de seleção. Na amostra estudada, por exemplo, praticamente todas as notícias verdadeiras parecem concentradas em três momentos: os atentados na maratona de Boston em 2013; as ações policiais contra os cartéis mexicanos em 2014; e as eleições presidenciais americanas em 2016.

O estudo antecipa esse questionamento e faz um levantamento independente de outras cadeias de retuítes de 2016 sorteadas aleatoriamente e que foram verificadas especificamente para o estudo, sendo que nelas também se encontrou o mesmo fenômeno: "quando comparamos a dinâmica de difusão de rumores verdadeiros e falsos que os anotadores [avaliadores independentes convocados pelo estudo] estabeleceram, encontramos resultados quase idênticos àqueles estimados pelo nosso conjunto de dados principal."

A que se deve então esse curioso fenômeno das notícias falsas que se difundem mais rapidamente e mais amplamente do que as verdadeiras? Se olharmos para a gênese e função política das notícias falsas, talvez possamos arriscar uma hipótese.

As notícias falsas são diferentes dos boatos, alguns dos quais parecem equívocos não maliciosos. No boato, a fonte da autoridade que dá credibilidade ao relato é sempre alguém que teria tido acesso a uma informação relevante oculta: é o policial que relata uma operação que ainda não veio a público ou o parente ou vizinho de um funcionário público que relata uma atividade ilícita.

A particularidade das notícias falsas é que nelas a fonte que dá credibilidade ao relato não é uma testemunha, mas um suposto jornalista que teria apurado a notícia. Por esse motivo, a notícia falsa parece quase sempre ter sido fabricada, com um propósito malicioso, para ganho político ou econômico.

Em tempos de polarização, esse caráter malicioso costuma atender as demandas de um público dividido que está tão apaixonado pela sua posição política que suspende o juízo crítico e aceita e ativamente difunde qualquer informação que corrobore sua visão de mundo.

Por isso, quando comparamos notícias virais falsas com notícias virais verdadeiras, sobretudo aquelas políticas, certamente encontraremos em comum o reforço às duas posições políticas em disputa na polarização. As falsas no entanto, poderiam se disseminar mais e mais rapidamente porque não teriam as limitações dos fatos e poderiam assim mais plenamente se encaixar nas exigências dos discursos dominantes que são seu motor de difusão.

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