Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

Lei Rouanet

Para onda conservadora, políticas de promoção cultural e social são instrumentos de cooptação

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A onda conservadora que elegeu Bolsonaro se assenta em uma sucessão de equívocos. Como precisa gerar indignação permanente, ela exagera, quando não falsifica fatos, adaptando a realidade ao discurso. 

Segundo sua visão de mundo, para votar nos notórios ladrões da esquerda seria preciso que o eleitor ou apoiador estivesse levando algum tipo de vantagem. Lei Rouanet, Bolsa Família e cotas raciais não seriam, assim, políticas de promoção cultural e social, mas instrumentos de cooptação dos artistas, dos pobres e da população negra. 

Confrontados com a objetividade do exercício do poder, os conservadores vão ter agora que fazer o percurso inverso, ajustando seu discurso delirante à realidade. 

Nada exemplifica melhor esse descompasso do que a Lei Rouanet. 

No discurso da direita, que Bolsonaro encampou, a Rouanet é um mecanismo de cooptação da classe artística. Músicos e atores receberiam polpudos recursos do governo e, em troca, emprestariam seu apoio.

É com essa “mamata”, que compra apoio político, que o presidente eleito prometeu acabar.
Nada disso, no entanto, tem o menor respaldo na realidade.

A Lei Rouanet é um mecanismo de financiamento da cultura por meio de renúncia fiscal. Produtores escrevem projetos culturais e os submetem ao Ministério da Cultura, apenas para aprovação dos requisitos formais, sem julgamento do mérito da proposta. Uma vez aprovado o projeto, os produtores saem em busca de empresas dispostas a patrociná-lo, normalmente para promoção da marca. Os recursos investidos são depois abatidos do Imposto de Renda devido.

Como se vê, o poder de alocação de recursos não está com o governo, mas com as empresas. São elas que decidem qual projeto vai ser financiado. 

É por esse motivo, aliás, que setores da esquerda têm sido historicamente contrários à Lei Rouanet. Durante a maior parte dos governos Lula e Dilma, o Ministério da Cultura tentou reformar a lei, para pelo menos reduzir o poder arbitrário das empresas de alocarem livremente os recursos, fazendo publicidade com dinheiro público.

Não faz o menor sentido, portanto, ligar apoio político ao recebimento de recursos pela Lei Rouanet. Apesar disso, para a direita, a lei não passa de uma “boquinha” que financia artistas petistas.

Bolsonaro vai ter que lidar agora com a realidade e não com o discurso fácil nas mídias sociais. Se o novo governo vai mesmo acabar com a Lei Rouanet, retirando expressivos recursos federais da cultura, vai prejudicar bastante o teatro comercial, a música erudita e os museus, mas isso não terá quase nenhum impacto sobre a maioria dos artistas que fazem oposição a ele. 
 

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