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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Preferiria que não tivesse fila por máscara e acabasse a pandemia, diz presidente da Lupo

Referência em meias, Lupo fatura com peças de proteção contra Covid e hoje produz 250 mil unidades por dia

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Araraquara (SP)

Nascida a partir de duas máquinas de meias adquiridas pela família, anos depois da morte do patriarca joalheiro na epidemia de febre amarela do fim do século 19, a Lupo completou cem anos no mês passado.

Quando a Covid-19 chegou, a empresa improvisou uma produção de máscaras para doar, o que desencadeou uma linha para vender. Hoje, fabrica 250 mil unidades por dia, com fila de espera até junho, segundo Liliana Aufiero, herdeira e presidente da Lupo.

"Eu preferiria que não tivesse fila de espera e acabasse a pandemia. Corta a produção", afirma.

Vacinada, ela diz que não usa máscara ao ar livre, e que, por isso, compreende a postura de Bolsonaro quando ele aparece em público sem a proteção. A Lupo teve de parar a fábrica em Araraquara, cidade que fez lockdown para conter o vírus, mas Aufiero questiona a eficácia da medida.

Como começou a história da empresa? Com a imigração em Santos. Vieram para Araraquara de trem. Meu avô tinha 11 anos, os pais dele pegaram uma época em que se vinha trabalhar em fazenda de café. A chegada deles coincidiu com a Lei Áurea, em 1888.

O pai do meu avô era joalheiro, mas a febre amarela o matou. Ficaram só os filhos. Meu avó devia ter uns 17 anos. Em 1921, ele começou vida nova com duas máquinas de meias que ofereceram a ele em Juiz de Fora. Elas ficavam na sala, e a família ajudava a tingir na banheira. Nasceu assim.

O filho mais velho ficou com o comercial, em Araraquara. Cresceu até chegarmos ao Nordeste, com embalagens de madeira. A primeira vez que eu fui visitar comerciantes, vi que a Lupo predominava. Na década de 60, começamos a fazer pares de meias de mulher para cinta liga.

Um pouco antes de 1988, surgiu a meia-calça, mas se achava o nome Lupo pesado, de homem. Então foi meia da Loba. Decolou. Dava a ideia de sensualidade, enquanto Lupo dava ideia só de qualidade.


Cutucou até um concorrente, que fazia meia-calça e me ligou pedindo para eu ceder o nome Loba, que ele nos pagaria 10%. Concorrente esse que, 30 anos depois, nós compramos. Foi a Trifil.

A cueca custou a nascer. Teve tentativas, mas sem o nome Lupo. Foi lançada como Eureca para testar mercado.

Depois da cueca, veio a lingerie. Com o tempo, com cilindros maiores, fomos fazer roupa esportiva. A máquina permite moldar o produto, sai pronto. Vamos crescer cada vez mais no sem costura.

Há outro momento difícil na história como a pandemia? A Lupo sempre procurou ter caixa para despesas previstas e não previstas, para a folha de pagamento. A mentalidade sempre foi não pegar empréstimo. Não alavancar. Se é certo ou errado, era o raciocínio da época, conservador, ter garantia de não faltar com nada do prometido.

Veio o Collor e tirou o dinheiro da noite para o dia. Foi numa sexta. Na segunda, era dia de pagamento. Para piorar, meu marido morreu em um acidente de carro no domingo.

Não tinha dinheiro para a folha e eu tive de ir ao enterro. Foi muito pesado. Tivemos que ir a banco para honrar a folha. A gente tinha crédito, nunca tinha pedido. Sempre tive medo de não ter caixa.

Quando veio a pandemia, o conselho de administração sugeriu que pedíssemos empréstimo para ter colchão, porque era um mistério, não tinha histórico. Falei: "acho que não precisamos".

Dia 21 de março de 2020, nosso aniversário de 99 anos, o comércio fechou. Reunimos os diretores e decidimos fechar. Era sábado. Mas como avisar para as pessoas não virem trabalhar na segunda? Rede social? Mas qual? Não tinha ocorrido essa possibilidade. Não se sabia o que ia ser.

Conseguimos avisar. É uma cidade razoavelmente pequena, tem o boca a boca. Fechou. Demos férias de imediato.

E tinha o caixa? Sim. Sempre trabalhamos com o colchão para isso, pelo medo de não poder tomar decisão rápido.

Como veio a máscara? A Santa Casa de Araraquara, com quem a Lupo sempre colaborou, ligou dizendo que estava sem máscaras para as atendentes, não tinha onde comprar, o preço subiu. Eu falei: "eu não faço máscara, me manda uma para eu ver". O tipo de tecido era TNT, que eu não tinha estoque porque não fazia parte dos nossos produtos. Fomos no centro da cidade, uma loja nos cedeu o pouco TNT que tinha.

Nosso povo é criativo, fomos dobrando, moldando, criamos a máquina, desmancha uma máquina, pega pedaço da outra. A vantagem é que temos fábrica de elástico. Pesquisamos e vimos que tinha um TNT aprovado pela Anvisa com tripla camada no Paraná, fila de espera para comprar, mas conseguimos um rolo. Entrou em ritmo de produção. Foi crescendo, distribuímos para muitos hospitais. Foi um período de doação enorme.

Em Santos tinha um laboratório querendo comprar. Até então era tudo doado. Fiz a R$ 1 cada uma com o pagamento doado à Santa Casa. Não tinha noção de preço. Estavam vendendo por R$ 3 no comércio. Até que eu falei: "está na hora de começar a pensar em nós".

Temos teares, coloca o fio e sai alguma coisa. Tem que sair uma máscara. De novo, foi criando. A produção está no máximo, aumentou o faturamento. Não foi planejado. Aconteceu. Estamos produzindo 250 mil máscaras por dia. Multiplica pelo número de dias que nós pudemos trabalhar, fora os lockdowns que nós não pudemos. Tem fila de espera até junho.

Seu cliente projeta a pandemia até junho? Eu preferia que não tivesse fila de espera e acabasse a pandemia. Corta a produção. É um sonho nosso. Mas hoje está uma loucura a produção de máscaras.

Como foi a experiência do lockdown? Qual é a sua análise? A situação estoura quando as pessoas ficam em fila para leitos de UTI. Os prefeitos tomam a decisão de lockdown. Você perguntou minha opinião: se tem fila, é porque tinha menos leitos. Não se previu a quantidade de leitos para uma população de 250 mil habitantes. Não é só a fila que aumenta. É o leito que é pouco. Então, faz lockdown na tentativa de reduzir o contágio.

Mas não adianta, porque ninguém fica em casa. As pessoas se sentem em férias e se reúnem. Eu não acredito em lockdown. Mas quem sou eu? Alguém tentou explicar por que várias coisas podem ficar abertas, e o comércio não? Por que é melhor reduzir o tempo [de funcionamento]? Na minha cabeça, tinha que ser um tempo maior para que quem quisesse comprar alguma coisa não ficasse aglomerado naquele tempo.

A minha lógica de engenheira não entende as medidas. Eu sei que o principal é usar máscara e não aglomerar. Nisso eu acredito. Mas por que culto religioso pode e loja não pode? Estamos matando os lojistas.

Em Araraquara, o lockdown teve resultado positivo. Será que esse resultado positivo se deveu ao lockdown ou a tendência era reduzir porque as medidas de distanciamento e de não aglomeração já estavam sendo aplicadas? Não sei responder isso. É difícil. Que tinha gente na fila tinha, porque a gente perguntava na Santa Casa. Estava desesperador. Se foi o lockdown que melhorou, não sei responder.

Como vê o exemplo de Bolsonaro sem usar máscara? Fico pensando nisso. Eu também ando sem máscara, mas com consciência, quando eu estou sem ninguém do meu lado. Será que não foram com consciência os momentos sem máscara? Eu vi vários com máscara. É difícil julgar. Senão, eu volto contra mim também.

Ele fez aglomerações sem máscara. Sim. Eu tive aqui uma pessoa que disse que não usa máscara porque já teve Covid. Ele já teve. Então, se ele interpreta que já está com anticorpo, e tem essa parte gostosa de se aproximar das pessoas, é difícil fugir daquilo de que se gosta e se faz normalmente.

Por exemplo, eu abraço minha neta. Às vezes me pergunto se é errado. Mas é tão gostoso estar perto dela. Será que eu não devia? Difícil julgar.

Como avalia o governo Bolsonaro do ponto de vista sanitário e econômico? Do econômico, posso dizer que fiquei muito entusiasmada. Desde o começo, ele falou que de economia não entendia muito, mas tinha o Paulo Guedes com todo esse conhecimento. No começo ele conseguiu alguma coisa. Mas veio a pandemia.

É duro falar disso, mas, de repente, quem está mandando é o Supremo Tribunal Federal. Aqui manda o prefeito. Quem manda no estado? Tenho de obedecer ao governador ou ao prefeito? O povo fica inseguro com as determinações. Suponha que o prefeito não faça lockdown e o governador faça: devo fazer? Estamos numa insegurança jurídica horrorosa. Daqui a pouco, vou ser presa porque falei isso.

Cheguei a ligar para o prefeito quando ele fez o lockdown: "Edinho, eu preciso fechar também?" Ele disse: "você não precisa". Como? O que vou fazer? Araraquara fechada, lockdown, fiscal na rua, vou passar e falar que estou indo trabalhar? Ele falou: "você pode ir". Parei, chamei meus pares. O que fazer? Fechar, porque se a cidade inteira está em lockdown, nós vamos circular na rua com os nossos ônibus? Trazer funcionário? Ele me autorizou verbalmente.

Continuaram operando? Eu não acatei o que ele falou. Fica até feio para a Lupo. A Lupo trabalha, a cidade não? Cedemos nossos ônibus para os funcionários da Santa Casa.

Nosso lado social sempre foi muito forte. Há poucos anos, nós doamos 160 terrenos e fizemos casas neles, financiadas a quase nada. Isso vem desde o avô. Na educação, a gente doou terrenos para a Unesp. Nossa ligação com a cidade é simbiótica. Hoje em dia, se diz que é moderno, sustentabilidade, mas a vida inteira nós fomos preocupados com recursos naturais, economia de água.

Com o tema da sucessão presidencial antecipado, como a senhora pensa o país em 2022? Não sou uma pessoa de longo prazo. Se eu tenho um problema, preciso resolver. Se é daqui a seis meses, vou ter tempo para pensar. Um livro que eu li quando era estudante foi “E o Vento Levou”. É um romance que retrata os Estados Unidos na Guerra de Secessão. E tinha um personagem, Scarlett O’Hara, que eu gostava muito da maneira dela de pensar. Ela dizia assim: "se eu não consigo resolver agora, eu penso depois, mas agora eu tenho de tomar essa atitude".

Pensar o que vai acontecer no ano que vem, em uma eleição que nem surgiu ainda, com todo esse problema de saber quem é o candidato? Quem está mandando no país é o STF, então, o que adianta eleger A, B ou C, se não manda nada? É o que eu estou sentindo hoje.

A senhora falou do “E o Vento Levou”, que levantou reflexão recente sobre racismo, e sua família chega ao país com a abolição. Agora se discute diversidade nas empresas. Como olha para isso? Naturalmente. Temos várias etnias aqui. Temos a parte dos deficientes físicos. Tem na proporção que existe em Araraquara. Não tem incentivo nem restrição. As coisas são naturais. Normal.


Lupo 

Fundada em 21 de março de 1921 por Henrique Lupo, a empresa tem fábrica em Araraquara (SP), onde foi criada, e em Itabuna (BA). Com 7.000 funcionários, produz mais de 145 milhões de peças por ano. A companhia tem cerca de 645 lojas no Brasil e exporta para 30 países

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