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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Descrição de chapéu Opinião de empresário

O que segura entregador de app em casa é preço da gasolina e não ômicron, diz especialista

Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, participou da comissão que estudou a nova classe média

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São Paulo

A explosão da ômicron, que provocou o afastamento de funcionários contaminados e atrapalhou a operação em diversos setores, atingiu também os entregadores de aplicativos.

Nesta parcela da população, entretanto, o ficar em casa é forçado por outros motivos, segundo Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.

Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva, em fevereiro de 2020, na Casa de Hélio Mattar - Mathilde Missioneiro/Folhapress

"Esse cara não se dá ao luxo de não trabalhar por causa da contaminação. Só que ele não tem dinheiro para pagar a gasolina", afirma Meirelles.

Falou-se muito sobre o impacto da falta de mão de obra para as empresas nessa onda de contaminação da ômicron, mas e os trabalhadores autônomos? Qual é o impacto para eles? Não dá para entender a questão dos trabalhadores autônomos, os trabalhadores por aplicativo, só pelo contexto da pandemia. Temos que entender o contexto econômico como um todo.

Tem o impacto do aumento do desemprego, que não é um detalhe. Em especial o desemprego entre os jovens, que formam a maior parcela, em especial dos aplicativos. E não é à toa que, no último ano, nós temos 11,7 milhões de brasileiros que passaram a trabalhar por aplicativo. E não estou falando só de Uber e iFood. Estou falando daquela pessoa que é a manicure que passou a ter cliente direto por meio do GetNinjas, do boteco que perdeu cliente na pandemia e passou a vender pelo iFood, daquele que estampa camiseta e passou a vender no Mercado Livre.

Temos no Brasil hoje 34 milhões de brasileiros que ganham uma parte do seu dinheiro por aplicativo. Destes, 62% recebem metade, ou mais, de sua renda por aplicativo. Estamos falando, talvez, do maior setor profissional do país. E essas pessoas estão sofrendo, em especial os que trabalham com transporte, porque o preço da gasolina está lá em cima.

Historicamente, nós pensávamos o preço da gasolina em duas vertentes: a do custo para a logística e a da classe média que abastece seu carro. A pandemia nos fez ver o aumento da gasolina pela lógica do insumo fundamental para os trabalhadores de aplicativo e de entrega.

E quando vem uma onda de contaminação como essa atual? Essas pessoas ficam em casa? Sim e não. Essas pessoas não se dão ao luxo de ter o isolamento social. São trabalhadores que, na grande maioria, têm que vender o almoço para comprar a janta. Apesar dos riscos e da contaminação, não se podem dar ao luxo de não trabalhar.

E tem uma parcela que trabalha em casa, seja estampando boné, seja fazendo bolo para vender. Mas isso tem muito mais a ver com a crise econômica do que com o vírus.

E os entregadores? Têm ficado em casa porque se contaminaram com essa nova variante? Ficam em casa não porque se contaminaram. Ficam porque não têm dinheiro para gasolina. Ele já não tinha alternativa quando estávamos nas outras variantes, que tinham um grau de letalidade maior e a gente não tinha vacina. Hoje, ele não tem ainda mais, por causa de grana.

Cada setor responde de um jeito. Como reage a economia das favelas a isso? Na favela, crise não é exceção. É regra. Essas pessoas cresceram na crise, seja de saúde, segurança, econômica. O que eu chamo de "se virômetro" da favela é muito maior do que na média da população brasileira.

Na favela tem também um nível de solidariedade 35% maior do que na média do Brasil. Esse dado é medido por doações. Por outro lado, essas pessoas têm menor nível de proteção social. E não só pela questão econômica, mas pela própria moradia, têm mais dificuldade em fazer o isolamento.

São as pessoas que mais sofreram com os atrasos do auxílio emergencial do início do ano passado e com a incerteza do que será agora. E são pessoas que, muitas vezes, trabalham na rua.

Essa pessoa se vira indo para a internet e o aplicativo. E são trabalhadores que, na prática, foram os responsáveis pelo Brasil não parar.

Não foi por causa da classe média que o Brasil continuou andando. Foi por causa dos trabalhadores do ônibus, da limpeza, dos caixas de supermercado, de farmácia.

Foram eles que tiveram mais risco com a pandemia e que menos foram protegidos. E, na hora de virar público prioritário para serem vacinados, foram esquecidos em detrimento de quem tinha nível superior.

Não é à toa que o índice de contaminação da periferia é quase o dobro do índice de contaminação do resto do Brasil.

Qual á a sua avaliação sobre a reação dos governos e o que deve ser feito? Como avalia a posição dos que têm retomado restrições? Infelizmente, o que pauta o governo federal e alguns estaduais é a lógica eleitoral e não a lógica do que é melhor para a vida das pessoas. E eles sustentam essa lógica através de falsas polêmicas. Uma delas é a que contrapõe saúde à retomada da economia.

Se o grupo de risco fica doente, não consegue trabalhar, para de consumir, a economia quebra. Só que boa parte dos governantes se ocupam transformando uma questão básica, civilizatória, que é o valor da vida, em uma disputa política.

E não existe retomada da economia que não passe por distribuição de renda. E não é mudar nome de Bolsa Família para Auxílio Brasil por causa de eleição. Distribuição de renda se dá é no aumento do salário mínimo acima da inflação. E isso a gente não viu.

Raio-X

Presidente do Instituto Locomotiva e membro do conselho de professores do IBMEC, onde é titular da cadeira de ciências do consumo. Foi fundador e presidente do Data Favela e participou da comissão que estudou a nova classe média, na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em 2012

com Andressa Motter e Ana Paula Branco

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