Painel S.A.

Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Painel S.A.
Descrição de chapéu Governo Lula

'Não existe ministro fraco. Existe governo fraco', diz economista-chefe do Pine

Cristiano Oliveira diz que Lula está enfraquecido, mas que é o ministro Fernando Haddad (Fazenda) que fica mais exposto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O economista-chefe do banco Pine, Cristiano Oliveira, considera os EUA se tornaram um fator de risco para os países emergentes. Por isso, defende corte de gastos para uma queda de juros no Brasil, algo que Lula tinha de ter feito no primeiro ano de mandato e que agora, enfraquecido, terá mais dificuldade.

Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine
Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine - Divulgação

Quanto da situação atual é culpa do cenário externo e do governo Lula?
No ano passado, Brasil, México e Colômbia estavam entre as três moedas que mais se valorizaram. Neste ano, entre as cinco piores performances, três são latinas: Argentina, Brasil e México. Isso ocorreu principalmente com o fluxo de notícias ruins do México e do Brasil, fenômeno em que um retroalimenta o outro.

A eleição de uma mulher esquerdista no México está prejudicando o Brasil?
Um mercado acaba contaminando o outro.

De que forma?
A presidente eleita conseguiu maioria parlamentar. Por ser mais à esquerda, aumenta o risco de uma agenda não amigável ao mercado.

Mas o que isso muda do ponto de vista do dinheiro?
Quando o investidor olha assim para o México, que até pouco tempo era um dos mais organizados e recebia dólares da economia americana por conta de ser parceiro [e agora vira à esquerda], imagine para os outros. Tendo a acreditar que os mercados preferem governos mais centristas, conciliadores.

Quais são os riscos para o Brasil?
A situação vem se deteriorando desde o início deste ano porque o fiscal não foi endereçado no primeiro ano de governo. E se não faz isso no início fica bem mais difícil depois. Em 2023, o governo até conseguiu fazer uma primeira parte da reforma tributária, que melhorou a percepção de longo prazo. Mas, em abril, o arcabouço fiscal foi desfigurado e abandonou-se a premissa de déficit zero em 2024.
Depois veio a preocupação de que, com dois diretores do Banco Central apontados pelo governo, poderia haver uma aliança [em relação ao Copom, que define a taxa de juros básica]. Para completar, não se pode esquecer a tragédia no Rio Grande do Sul e ainda uma percepção de fraqueza do governo por ter medidas provisórias devolvidas e dificuldade de negociação com o Congresso.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, perdeu a credibilidade do mercado?
Não existe ministro da Fazenda fraco. Existe governo fraco. Ele [Haddad] acaba incorporando essa imagem porque é o que fica mais exposto.

O governo enfraqueceu?
Estamos vivendo um experimento, porque o governo é de centro-esquerda com um Congresso de centro-direita e um grupo que faz barulho ainda mais à direita. Isso funciona muito bem em repúblicas parlamentaristas.

O mercado defende o parlamentarismo?
Não me sinto à vontade para fazer essa análise. O que eu posso dizer é que a vida do governo, do ponto de vista de implementar a agenda que foi eleita pela população, vai ser mais difícil.

A França dá sinais de uma vitória da direita e, nos EUA, Donald Trump cresce. As incertezas dos mercados maduros se tornaram um risco?
Na última década, quem trabalha no mercado financeiro sempre viu motivos para a variação dos preços [dos ativos]. A novidade é que não é só no mercado emergente, é no desenvolvido também.

Os EUA viraram um pouco o Brasil no sentido de descompasso entre política fiscal e monetária?
Por serem a maior economia do mundo, os EUA sempre são vistos com menos incertezas, onde a política monetária e a política fiscal são harmônicas. Isso não é mais verdade. No fim de 2023, chegou-se a precificar, para 2024, entre seis e sete quedas de juros de 0,25 ponto porcentual [cada] nos EUA. Já no primeiro trimestre deste ano houve uma reversão e o mercado precifica somente duas quedas. Isso acabou valorizando o dólar. Então, os EUA são, justamente, uma fonte de incerteza global.

A dúvida é em relação aos cortes de juros pelo Fed?
Sim, quando ele [BC dos EUA] vai iniciar o corte. E há uma incerteza fiscal nos EUA que deriva de um déficit crescente. E aí pouco importa o resultado da eleição: se for Trump ou [Joe] Biden, a deterioração fiscal já contratada é grande. Só que, ao contrário dos anos anteriores, a taxa de juros real não é zero. Agora ela está entre 2% e 2,5%. Isso atraiu investidores e drena recursos dos emergentes.

A Selic não cairá para um dígito, como quer o governo?
Acreditamos que isso só ocorrerá no ano que vem.

Qual a perspectiva de crescimento do Brasil?
Mesmo com a tragédia no Rio Grande do Sul, o PIB deve crescer entre 2% e 2,5%. Se não fosse isso, cresceria entre 2,5% e 3%. O Brasil terá um crescimento do PIB médio nos próximos anos superior aos últimos 40, uma inflação bem comportada e a valorização do real no médio prazo.

O que chama de inflação bem comportada?
A taxa média de inflação global está entre 3% e 3,5%. Pela primeira vez na história, a gente vai ter uma inflação que convergiu para a inflação global.

O governo sofreu derrotas no Congresso e o ministro da Fazenda sinalizou com um plano de corte de gastos. Isso ajuda no corte dos juros?
Ninguém acredita que vai ter uma bala de prata para resolver o fiscal. Mas cabe ao executivo apontar a direção. A percepção do mercado é a de que o governo não sabe como endereçar essa questão. Toda a agenda fiscal do Executivo e também do Legislativo é aumentar a receita, aumentar impostos. Chegou uma hora em que será necessário repensar os subsídios, desonerações, o aumento do gasto que ocorreu sobretudo de 2015 para cá. O Banco Central em breve vai interromper o ciclo de corte de juros e, provavelmente, citará a questão fiscal como um dos fatores.

Qual sua expectativa em relação à autonomia do BC?
Acho que uma parcela do governo já entende que a independência do BC é um valor. Um governo que convive com a inflação elevada tem popularidade baixa. Portanto, como guardião da moeda e cumpridor da meta de inflação, o BC tem que ser visto pelo governo como um aliado.

O status do BC já está precificado pelo mercado?
Não e o mercado está certo quando coloca em dúvida quão independente será o próximo BC.


Raio-X | Cristiano Oliveira

Graduado em Economia (FEA-USP), é mestre em Economia (FGV-SP) com pós-graduação em Finanças (Insper), em Agronegócios (Esalq-USP) e em Data Science (USP). Joga xadrez, pratica astrofotografia e dronemodelismo. Sua formação vai da economia à agronomia, passando pela climatologia. Nos últimos 24 anos, foi economista e economista-chefe de diversas instituições financeiras, entre elas Itaú-Unibanco, J. Safra, Safra, Fibra e Pine.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.