Que desprendimento, senhor presidente! Até posso considerar que o senhor esteja mesmo convencido que não haja nada a fazer quanto à matança da Covid-19. Afinal, não consigo sequer conceber que pusemos um desavisado na chefia do Brasil.
Mas, na realidade, senhor presidente, saiba que está custando muito caro ao povo brasileiro acreditar que a célula de crise da Presidência da República não esteja totalmente desvairada e que o senhor nem se questione sobre isto!
Senhor presidente, é até um desrespeito para com a sociedade pensar que somos todos ingênuos ou retardados intelectuais. Os brasileiros estão se questionando sobre a total anarquia em que estamos vivendo. Na realidade, é o coronavírus quem comanda aqui!
Será que o senhor não percebeu que as medidas de confinamento no Brasil foram tímidas ou abortadas depois que o senhor demitiu dois ministros da Saúde, alegando que haveria caos com o desemprego e que faltariam alimentos em casa devido ao fechamento de escolas e do comércio?
Só neste país temos no Ministério da Saúde um ministro "resolvedor de problemas", paraquedista militar, que não resolveu nada até agora, a não ser preconizar, a seu mando, soluções paliativas para a Covid-19.
Os planos de isolamento e de reabertura no Brasil têm sido verdadeiros desastres, com justificativas e momentos equivocados. Só aqui, senhor presidente, em plena ascensão de casos, mandamos as crianças para a escola para que possam comer e para que os pais possam trabalhar. Só aqui, bares e restaurantes são abertos até as 22 horas, para dar fôlego aos comerciantes e botar lenha na fogueira do isolamento social.
Aqui, médicos são pressionados por uma sociedade desorientada para prescrever soluções alternativas e sem comprovação científica, tais como alho, ozônio ou remédios contra vermes e parasitas.
Só aqui no Brasil, senhor presidente, essas questões são tratadas independentemente umas das outras. Fruto da sua política desordenada e desarticulada, dos seus sinais confusos e do desrespeito às recomendações, esta pandemia de Covid-19 continua a causar um grande impacto na vida dos brasileiros, resultando em mais de 100 mil mortos em menos de 5 meses.
Esse número corresponde à totalidade de mortos da França, da Itália e da Espanha ou, se o senhor preferir comparar com países mais populosos, aos da Índia, do Egito e do México reunidos.
Faltou consciência ou ciência, presidente? Que técnicos o aconselharam? Os soberbos, ambiciosos, cujas magniloquências e bacharelismo convencem inocentes e iludidos? Ou os virtuosos que, em seus laboratórios, procuram entender melhor o novo vírus e seus estragos?
Estes, com seus parcos recursos, suas máscaras e combinações estanques, travam uma luta desleal arriscando suas próprias vidas, para encontrar soluções viáveis e seguras para conter a disseminação do vírus e combater à doença, através de métodos éticos e científicos.
Em discussões abertas e virtuais, visam desenvolver vacinas e medicamentos para acabar com uma calamidade mundial, através de um ambiente legítimo, governado pelo rigor, espírito crítico e consenso. Eles não tiveram contacto com o senhor, ou não foram ouvidos.
E daí? O senhor diz lamentar estas 100 mil mortes. Nós, cientistas, também, e como! Mas enquanto o senhor preconiza "tocar a vida e achar uma maneira de se safar", nós, continuaremos a tocar nossas vidas focados em safar as de outros 100 mil, 200 mil ou 200 milhões de brasileiros que precisam viver para alimentar seus filhos e trabalhar para salvar o Brasil.
Não se esquive, senhor presidente, de sua responsabilidade de chefe de Estado, pois o brasileiro não é ignorante, nem desmemoriado. Mostre a ele e a sua célula de crise que o senhor não é um desadvertido, porque as eleições não perdoam…
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