Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Nos EUA, zumbi do corte de impostos aos mais ricos continua morto-vivo

Partido Republicano é o das ideias que deveriam ter morrido mas seguem cambaleando por aí

Indicação de Larry Kudlow para presidir o Conselho Econômico Nacional confirma que o zumbi do corte de impostos continua morto-vivo e bem de saúde - Richard Drew / AP

Já se passaram quase quatro décadas desde que [o senador democrata] Daniel Patrick Moynihan declarou sarcasticamente que "os republicanos subitamente se tornaram um partido de ideias". E a declaração continua valendo, com uma modificação: hoje em dia, o Partido Republicano é o partido das ideias zumbis —ideias que deveriam ter morrido muito tempo atrás mas continuam cambaleando por aí, devorando o cérebro dos políticos.

O mais importante desses zumbis é a teoria do "supply side", que insiste em que cortar os impostos dos ricos é uma maneira confiável de produzir milagres econômicos, e que elevar os impostos dos ricos é receita para um desastre. A fé nessa doutrina sobreviveu ao boom criado pelos aumentos de impostos decretados por Bill Clinton, à recuperação morna e catástrofe financeira subsequente aos cortes de impostos de George W. Bush, ao fiasco do corte nos impostos estaduais do Kansas, e mais.

E a indicação de Larry Kudlow para presidir o Conselho Econômico Nacional, por Donald Trump, confirma que o zumbi do corte de impostos continua morto-vivo e bem de saúde. Porque Kudlow acredita fervorosamente nas virtudes infindáveis dos cortes de impostos, a despeito de um histórico de previsões baseadas nessa crença que, nas palavras do repórter Jonathan Chait, da revista "New York", "transformou o erro extravagante em uma forma de arte performática".

Mas a política econômica não se limita aos impostos; Trump, embora esteja disposto a assinar qualquer corte de impostos que o Congresso lhe encaminhe, parece muito mais interessado na política internacional, especialmente os supostos males dos déficits comerciais. E é quanto a isso que as coisas se tornam interessante.

O fato é que, agora que "globalistas" como Gary Cohn deixaram o governo, todas as pessoas que assessoram Trump quanto à economia internacional, assim como as pessoas que o assessoram sobre tudo mais, são adeptas das ideias econômicas zumbis. Mas há mais de um tipo de zumbi. De fato, hoje existem duas facções de zumbis —igualmente erradas, mas erradas de maneiras diferentes e quase opostas.

Seria possível afirmar que, no que tange ao comércio internacional, o mundo de Trump está a caminho de uma guerra civil entre zumbis.

De um lado temos os neomercantilistas —pessoas como Peter Navarro, o comandante da área de comércio internacional no governo Trump—, que consideram o comércio mundial como uma história na qual é preciso que haja ganhadores e perdedores. Os países com superávit comercial vencem; os que tiverem déficits saem derrotados.

Tanto a lógica quanto a História revelam que essa visão é insensata. Superávits comerciais são muitas vezes sinais de fraqueza, déficits comerciais podem ser sinais de força (a aritmética dispõe que um país que receba do exterior investimentos maiores do que ele faz no exterior deve operar em déficit comercial). E os neomercantilistas têm o hábito de cometer erros grosseiros, por exemplo sobre a maneira pela qual os impostos sobre valor adicionado funcionam.

Mas são eles que ditam a pauta de Trump, porque as pedras que carregam dentro da cabeça se encaixam muito bem nos buracos da cabeça presidencial: eles dizem a Trump o que ele deseja ouvir; os erros deles se enquadram perfeitamente aos instintos brutos do presidente, e ele acredita não precisar de educação quando o assunto é formular políticas.

Mas os neomercantilistas não são a única facção a defender tolices perigosas, no campo da economia internacional. O governo Trump também se tornou o reduto dos novos defensores da moeda forte, pessoas que acreditam que a força de um país possa ser medida pela força de sua moeda, e se recusam a ver o lado negativo de um dólar forte, ou qualquer motivo para que o dólar precise cair em determinadas circunstâncias.

Como o neomercantilismo —e a teoria do supply side, aliás—, os erros dessa teoria já foram demonstrados muitas vezes - escrevi sobre isso em 1987!-, mas ela continua cambaleando estrada afora, porque se enquadra aos preconceitos dos ricos e poderosos.

Até agora, o mais visível dos defensores do dólar forte ouro no governo era David Malpass, subsecretário de assuntos internacionais do Tesouro —usualmente uma posição influente, se bem que, sob Trump, seja difícil saber. Malpass foi economista chefe do banco Bear Stearns, e seu histórico de estar errado sobre absolutamente tudo se compara ao de Kudlow. Um erro especialmente gritante, porém, foi um artigo de opinião que ele publicou em 2011 no qual declarava que aquilo de que os Estados Unidos precisavam para resolver seus problemas econômicos era um dólar mais forte (e taxas de juros mais altas).

É uma posição bizarra. Afinal, na época o desemprego ainda estava em 9% —e um dólar mais forte tornaria as coisas ainda piores. Por quê? Porque teria tornado os produtos norte-americanos menos competitivos, elevando o déficit comercial - e uma situação de desemprego persistentemente alto é exatamente aquela em que um déficit comercial elevado é inegavelmente ruim, já que isso reduz a demanda nacional por bens e serviços.

O interessante, porém, é que Kudlow e Malpass parecem ver o mundo da mesma maneira. A primeira declaração de Kudlow depois de Trump anunciar sua indicação foi a de que o dólar precisava subir —algo que elevaria o déficit comercial, que o presidente vê como sinal de fraqueza dos Estados Unidos.

Por que Trump selecionou pessoas com ideias tão conflitantes sobre política econômica internacional? A resposta, presumivelmente, é que ele não compreende as questões bem o bastante para perceber que um conflito existe. E o que os dois lados nessa disputa dividem é a propensão generalizada a uma ignorância invencível, o que faz dos proponentes dessas ideias o tipo de pessoa que Trump prefere.

De qualquer forma, na área de economia internacional o governo Trump agora está a caminho de uma batalha de zumbis —uma luta entre dois conjuntos de más ideias que se recusam a morrer. Prepare a pipoca. 

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