Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Zumbi do corte de impostos continua cambaleando sem cair

Por que a direita continua a insistir que cortar impostos dos ricos terá efeitos positivos mágicos sobre a economia?

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O "Relatório Econômico do Presidente", edição 2019, acaba de ser lançado, e todo mundo está se divertindo com o trecho final que agradece a ajuda dos estagiários –uma lista que inclui Peter Parker, Tia May, Bruce Wayne e Jabba the Hutt.

A Casa Branca está tentando fingir que isso foi uma piada deliberada. O mais provável é que alguém tenha incluído nomes de personagens de quadrinhos e cinema para ver se as pessoas encarregadas do texto estavam de fato prestando atenção ao que estava escrito, e conseguiu provar que não estavam.

Mas a notícia mais importante do relatório envolve os supostos benefícios econômicos do corte de impostos adotado por Trump. Mesmo a Casa Branca admite, agora, que o corte de impostos não vai realizar tudo que prometeu –as projeções absurdamente otimistas anunciadas quando da aprovação dependiam do resultado (também suposto) de outras políticas econômicas que não foram especificadas.

Assim, o corte de impostos fará maravilhas pelo crescimento, desde que um monte de outras coisas também sejam feitas –e os detalhes sobre essas coisas só serão anunciados mais tarde.

Isso me traz à memória o que Voltaire disse sobre a feitiçaria: "É inquestionável que certas palavras e cerimônias destruirão de fato um rebanho de ovelhas, se ministradas com uma porção suficiente de arsênico".

 

Mas deixando isso de lado, mesmo os supostos efeitos positivos do corte de impostos em si são coisas que já podemos ver não acontecendo.

Assim, o novo relatório representa um duplo vodu, ou vodu ao quadrado: confia no vodu econômico para fazer grandes promessas quanto ao corte de impostos, e em seguida acrescenta toda uma camada adicional de magia a fim de obter as projeções de crescimento que o governo quer ouvir.

Uma tabela sobre a qual todo mundo está falando traz como linha de base o crescimento que supostamente existiria antes das políticas de Trump, acompanhado por uma linha mais alta mostrando o suposto efeito do corte de impostos, e por outras linhas, ainda mais altas, representando os efeitos de coisas como o plano de Trump para a infraestrutura.

A primeira coisa a dizer, portanto, é que não existe plano de Trump para a infraestrutura. Ele já passou bastante da metade de seu mandato, e não houve nem sinal de qualquer proposta concreta. Na verdade, seu orçamento mais recente reduz significativamente os gastos com infraestrutura. Por isso, os economistas que o servem estão reivindicando crédito por algo que o presidente não fez, não propôs e, na verdade, não fez o menor esforço na direção de que um dia venha a acontecer.

Na verdade, a citação de Voltaire é injusta. Trump quer fingir que ele é capaz de matar ovelhas com mágica, enquanto na verdade usa arsênico, mas sem ministrar qualquer arsênico ou nem mesmo perguntar onde é que ele poderia conseguir o veneno.

Mas espere. Há mais. Uma linha vermelha que supostamente representa os efeitos do corte de impostos de Trump mostra crescimento elevado nos próximos anos mesmo sem o arsênico. Mas não é isso que os economistas independentes estão vendo. Por exemplo, o "nowcast" do Federal Reserve de Nova York – projeções iniciais baseadas em dados parciais– mostra crescimento de apenas 1,5% no primeiro semestre do ano. E o Fed de Nova York é relativamente otimista; outras instituições que preparam "nowcasts", como o Federal Reserve de Atlanta e o banco Goldman Sachs, estão mostrando crescimento muito mais baixo no primeiro trimestre, de menos de 0,5%.

A Casa Branca explica por que está prevendo crescimento tão alto: o corte de impostos provocará uma alta no investimento das empresas ao "elevar substancialmente a meta de capital social e atrair influxos de capital líquido aumentados". E essa alta no capital social causará uma disparada na produtividade.

Exceto que não está acontecendo uma alta no investimento empresarial: o relatório seleciona cuidadosamente alguns números positivos, mas os pedidos gerais de bens de capital, que provavelmente servem como o melhor indicador em termos reais, não estão mostrando grande coisa (e aquela queda em 2015-2016, aliás, estava relacionada à exploração de petróleo por fratura hidráulica [fracking], que caiu por algum tempo quando os preços mundiais do petróleo despencaram.)

E tampouco houve uma grande alta nos influxos de capital –se isso tivesse acontecido, estaríamos vendo, em termos contábeis, uma grande alta no déficit comercial, e não a modesta alta que de fato testemunhamos.

Em outras palavras, o corte de impostos é um grande fiasco –e até a Casa Branca quase admite o fato.
O que provoca a questão: por que as pessoas da direita continuam a insistir que cortar os impostos dos ricos e das grandes empresas terá efeitos positivos mágicos sobre a economia? Nunca houve sucessos claros com essa teoria –repito: nunca, nem mesmo na era do presidente Reagan, que na verdade se beneficiou de uma severa recessão gerada pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, no começo de seu mandato e depois de uma recuperação igualmente gerada pelo Fed.

Mas o zumbi do corte de impostos continua cambaleando sem cair. De alguma forma, a despeito de décadas de fracassos na prática, há uma falange de instituições de pesquisa bancadas por bilionários que promovem os benefícios econômicos do efeito cascata, e um exército leal de políticos de direita, bancados por doadores endinheirados de verbas de campanha, que continua a insistir em que é preciso ter fé em que o próximo corte de impostos fará tudo que eles prometem. Pode acreditar.

Por que isso acontece? Bem, suspeito que todos nós saibamos a resposta.
 
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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