Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Obamacare contra os mortos-vivos republicanos

Dez anos de promessas furadas de criar algo melhor

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Os casos de Covid-19 estão aumentando nos estados que seguiram o conselho de Donald Trump e retomaram as atividades econômicas cedo demais. Esse novo surto —estaria certo chamá-lo de segunda onda?— está, em média, atingindo pessoas mais jovens do que o surto inicial no nordeste do país. Talvez como consequência, o aumento das infecções não se refletiu em um aumento comparável no número de mortes, embora possa ser apenas uma questão de tempo.

Há, porém, evidências crescentes de que mesmo os que sobreviverem à Covid-19 poderão enfrentar efeitos adversos duradouros: fibrose pulmonar, problemas cardíacos e talvez distúrbios neurológicos.

Se o governo Trump conseguir o que quer, poderá haver mais uma fonte de danos em longo prazo: a incapacidade permanente de ter um seguro-saúde.

Notavelmente, na semana passada o governo confirmou seu apoio a um processo jurídico que busca derrubar a Lei de Proteção à Saúde, que, entre outras coisas, eliminaria a proteção aos americanos com problemas médicos preexistentes. Se o processo tiver êxito, a ocorrência de Covid-19 certamente seria uma das condições preexistentes que tornaria difícil, e talvez impossível, conseguir um seguro-saúde.

Agora, o argumento jurídico por trás do caso é para lá de tênue: a ação afirma que o corte de impostos de 2017 efetivamente invalidou a lei, apesar de não ter sido a intenção do Congresso. Mas, com uma maioria conservadora na Suprema Corte, ninguém sabe o que vai acontecer. E o apoio de Trump ao processo deixa claro que se ele for reeleito fará o possível para destruir o Obamacare.

Não se preocupem, diz o presidente. Em tuítes durante o fim de semana, ele insistiu que apresentará uma alternativa ao Obamacare que será "MUITO MELHOR E MUITO MENOS CARA", e ao mesmo tempo protegerá os americanos com problemas de saúde preexistentes.

Mas ele afirma que tem uma alternativa muito melhor para o Obamacare desde que assumiu o cargo. Os congressistas republicanos, que votaram contra o Obamacare 70 vezes durante os anos do governo Obama, vêm fazendo a mesma afirmação há mais de uma década.

De alguma forma, porém, a grande alternativa à Lei de Acesso à Saúde não se materializou. Em 2017, quando o Partido Republicano finalmente chegou perto de rejeitar a lei —falhando somente graças a uma mudança de opinião no último minuto do senador John McCain—, o plano oferecido teria retirado a proteção a condições preexistentes e colocado mais 23 milhões de americanos nas fileiras dos não segurados.

Em outras palavras, a insistência dos republicanos de que eles têm uma alternativa superior ao Obamacare é uma mentira morta-viva —uma afirmação que deveria estar morta depois de ser demonstrada como falsa diversas vezes, mas que continua se arrastando por aí, comendo o cérebro das pessoas.

Mas por que os republicanos não conseguem encontrar uma alternativa melhor para o Obamacare? São simplesmente incompetentes? Talvez —mas mesmo que eles soubessem o que estão fazendo não poderiam apresentar um plano superior, porque isso não é possível. Em particular, a menos que você esteja disposto a se deslocar para a esquerda, em vez da direita, optando pela cobertura universal pelo sistema público, a única maneira de garantir a cobertura para os americanos com condições preexistentes é um sistema muito parecido com o Obamacare.

A lógica disso foi clara desde o início. Para garantir a cobertura de pessoas com condições preexistentes, é preciso proibir que as seguradoras discriminem com base no histórico médico das pessoas. Mas isso não é suficiente: para oferecer um bom compartilhamento de riscos, também é necessário induzir as pessoas saudáveis a aderir, de preferência com subsídios e uma multa por não ter seguro. Em outras palavras, é necessário um sistema que é basicamente o Obamacare.

O corte fiscal de 2017, que eliminou a obrigatoriedade individual —a multa para os não segurados—, enfraqueceu o sistema; pode-se ver isso no fato de que estados como Nova Jersey, que impuseram suas próprias exigências, tiveram uma queda no prêmio dos seguros. Mas o formato dos subsídios, que protegia a maioria das pessoas do aumento dos prêmios, continha o prejuízo: a porcentagem de americanos sem seguro-saúde, que caiu acentuadamente em consequência do Obamacare, continua perto do piso mínimo.

Então existe alternativa para o Obamacare? É claro que sim. Poderíamos voltar a ser um país em que as pessoas com doenças preexistentes e/ou baixa renda não podem ter seguro-saúde, onde para uma grande parcela da população as doenças não são tratadas ou levam à falência. Isso significaria, em parte, tornar-se um país em que os americanos que pegaram Covid-19 durante a pandemia não poderiam ser segurados pelo resto de suas vidas.

De fato, levar-nos de volta a esse tipo de país é o verdadeiro objetivo do Partido Republicano, e é o que acontecerá se o partido conseguir o que pretende, seja através do processo jurídico ou por meio de legislação durante um segundo mandato de Trump.

Mas os republicanos não podem admitir que esse é seu objetivo. O público apoia majoritariamente a proteção aos americanos com doenças preexistentes, então os políticos de direita precisam fingir que podem oferecer isso enquanto desmantelam os regulamentos e subsídios que essa proteção requer. E devem esperar que os eleitores não se lembrem de que eles prometem um plano há mais de uma década, mas não o entregam.

Esperemos que os eleitores sejam mais inteligentes. Engane-me uma vez, vergonha para você. Engane-me 70 vezes ou mais, vergonha para mim.

Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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