Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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O relatório sobre emprego destruirá empregos?

É provável que algumas boas notícias encorajem os suspeitos de sempre a encerrar a ajuda necessária à economia

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Na sexta-feira (5), o Departamento de Estatísticas do Trabalho divulgou um relatório sobre a situação do emprego em maio. O relatório foi muito melhor do que muitos economistas esperavam, mostrando um grande ganho de empregos e queda na taxa de desemprego.

O fato é que um bom relatório de empregos pode ser ruim para políticas futuras. Por quê? Porque a economia dos Estados Unidos ainda depende muito de suporte à vida. E é provável que algumas boas notícias encorajem os suspeitos de sempre a encerrar o suporte à vida muito cedo, com efeitos terríveis daqui a alguns meses.

Antes de chegar lá, deixe-me abordar uma preocupação generalizada. Os números do emprego foram manipulados?

Não, não foram. Sem dúvida, o governo Trump, que mente sobre tudo, falsificaria os números, se pudesse. E o chefe do Departamento de Estatísticas do Trabalho, nomeado por Trump, é um trapaceiro da Heritage Foundation, com uma longa história de afirmações ridículas sobre os efeitos dos cortes de impostos, o ônus do imposto predial e muito mais.

Criança segura bandeira dos Estados Unidos durante protestos no dia 29 de maio - Michael B. Thomas/Getty Images/AFP

Mas o relatório sobre emprego é preparado por uma equipe grande e profissional que leva a sério suas responsabilidades. E contém muito mais que os números das manchetes. Não é o tipo de coisa que poderia ser alterada com uma caneta marcadora, e qualquer esforço para falsificá-lo teria disparado vários alarmes.

De fato, o quadro geral pintado pelo relatório de emprego faz muito sentido. Ele mostra uma recuperação parcial de setores intensivos em contato, como restaurantes e consultórios de dentistas, grande parte dos quais foram fechados pelo distanciamento social; estas são exatamente as coisas em que se esperaria algum crescimento à medida que o distanciamento social é relaxado.

Portanto, as boas notícias, apesar dos problemas estatísticos criados pela situação econômica singular –problemas que a agência reconhece– são reais. Mas também muito limitadas.

Até agora, o número de empregos neste momento da Covid-19 parece um anzol: um enorme declínio seguido por uma recuperação muito menor. O desemprego ainda é maior do que era na maior parte da Grande Depressão. Embora o desemprego tenha caído em maio, aumentou levemente para os trabalhadores negros.

As graças salvadoras da situação, como tais, são as seguintes: a) embora haja imensas dificuldades econômicas, não são tão graves quanto se poderia esperar, diante do desemprego no nível da Depressão; e b) a queda do emprego até agora se limitava principalmente a setores intensivos em contato. Ou seja, a crise ainda não se transformou em um colapso da economia como um todo.

Ambas as graças salvadoras, no entanto, são o resultado da ajuda de emergência --a rede de segurança criada às pressas no final de março, em grande parte por insistência dos democratas. Essa rede de segurança aliviou as dificuldades, permitindo que os desempregados continuassem gastando e incentivando as empresas a manter suas folhas de pagamento.

Mas, a menos que o Congresso e a Casa Branca ajam, essa rede de segurança será retirada até agosto.

Mais especificamente, os benefícios de desemprego aprimorados, que são mais generosos que os benefícios padrão e cobrem mais pessoas, têm sido uma fonte enorme de apoio, apesar das dificuldades que muitos enfrentam para se inscreverem. Entre outras coisas, esses benefícios --temporariamente-- possibilitaram que milhões de famílias continuassem pagando o aluguel de suas casas. Mas esses benefícios vão expirar em 31 de julho.

E o Programa de Proteção ao Salário, que oferece empréstimos para pequenas empresas que podem ser convertidos em doações se usados para manter a folha de pagamento, já está sem dinheiro, e a ajuda ao emprego dura apenas oito semanas.

Então, duas das principais coisas que sustentam a economia deverão desaparecer. Ao mesmo tempo, o Congresso ainda não concedeu grande alívio aos governos estaduais e locais, que estão enfrentando uma enorme crise fiscal e já demitiram 1,5 milhão de trabalhadores; em breve haverá muito mais demissões, a menos que a ajuda chegue logo.

Em outras palavras, estamos enfrentando um provável desastre no futuro próximo, a menos que o Congresso aja. Mas o negócio é o seguinte: os republicanos simplesmente odeiam ajudar os desempregados, odeiam ajudar os estados, na verdade odeiam qualquer tipo de resposta a desastres além de cortes de impostos. E o aumento no emprego lhes dá uma desculpa para destilar seu ódio.

Os deputados democratas aprovaram a Lei Heróis, uma lei muito boa que amplia e melhora a ajuda econômica. Mas o relatório de emprego de sexta-feira incentiva os republicanos a fazer como de hábito: eles quase certamente bloquearão qualquer novo alívio significativo até que a situação econômica fique ainda mais terrível do que está.

Ele também os incentiva a pressionar por mais abertura, mais relaxamento do distanciamento social, apesar da Covid-19 não estar nem perto de controlada e de haver indícios iniciais de que a pandemia pode voltar com tudo quando os estados reabrirem.

Portanto, é muito possível que vejamos uma cena feia no final do verão e início do outono --mais demissões no governo e perdas generalizadas de empregos em setores que até agora foram relativamente poupados à medida que trabalhadores desesperados cortam gastos, tudo no contexto de um ressurgimento de internações e mortes. E o aumento nos empregos em maio torna essa cena mais provável, porque promove mais ilusões das pessoas que insistiam há alguns meses que a Covid-19 iria embora e não representava uma ameaça à economia.

Talvez tenhamos sorte e as coisas ruins que me preocupam não se concretizem. Mas esperar pelo melhor não é um plano.

Traduzido por Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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