Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Paul Krugman

Taylor Swift é mal paga?

O verdadeiro enigma aqui é por que cantora não ganha ainda mais dinheiro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Como quase todos os países, a Suécia tem experimentado uma alta inflação recentemente. Os preços ao consumidor aumentaram 9,7% no ano passado, refletindo vários fatores: grandes gastos para apoiar as famílias durante a pandemia, interrupções nas cadeias de suprimentos relacionadas à Covid, invasão russa da Ucrânia e Beyoncé.

É sério. Beyoncé iniciou sua última turnê mundial na Suécia no mês passado, e tem sido amplamente afirmado que um grande fluxo de visitantes em seus dois primeiros shows causou um grande aumento, embora temporário, dos preços de hotéis e restaurantes, o suficiente para ter um efeito perceptível sobre a inflação sueca em geral.

Não vi relatos semelhantes sobre a outra grande turnê de shows em curso, mas não ficaria surpreso se os shows de Taylor Swift estivessem produzindo aumentos em hotéis e restaurantes nas cidades em que ela se apresenta. Música ao vivo é um grande negócio.

Porém, por que é tão grande? Como isso mudou em longo prazo?

Taylor Swift em show da 'Eras Tour' no Arizona, EUA - John Medina - 17.mar.2023/Getty Images via AFP

Veja, eu sei que há questões mais importantes por aí. No entanto, vamos fazer uma pausa aqui, principalmente porque acho divertido pensar sobre a economia da música e também porque o mercado de shows oferece algumas lições interessantes sobre o papel às vezes perverso que a tecnologia pode desempenhar na determinação de receitas.

Em particular, como explicarei, o verdadeiro enigma aqui é por que Taylor Swift não ganha ainda mais dinheiro.

Não é a primeira vez que escrevo sobre este assunto. Inspirado em parte pelo trabalho do meu falecido ex-colega Alan Krueger, na verdade já opinei sobre Taylor Swift em perspectiva histórica antes. Porém, sua última turnê de é a maior até agora, e também acredito que tenho algumas novas ideias sobre o que pode estar acontecendo.

Então, Taylor Swift ganha muito dinheiro. Sendo um cínico congênito, eu gostaria de atribuir sua fama ao marketing, mas a triste verdade é que ela é uma compositora e musicista altamente talentosa, com notável presença de palco; veja o vídeo abaixo, mostrando sua performance solo em um dos shows do Tiny Desk da NPR. Mesmo que você não seja fã, tem que admitir que ela é boa.

Ainda assim, existem muitos artistas talentosos. Por que alguns ganham tanto? Existe uma teoria econômica padrão sobre isso, apresentada num artigo famoso do economista Sherwin Rosen, "The economics of superstars" [A economia das superestrelas].

Rosen argumentou que a tecnologia moderna significa que o alcance potencial dos artistas é muito maior do que quando a apresentação ao vivo era a única maneira de entreter o público, de modo que um músico (ou, por exemplo, um comediante) que era, ou era considerado, um pouco melhor que seus rivais poderia ganhar grandes somas apresentando-se na mídia de massa, vendendo discos e assim por diante.

No entanto, superficialmente, não é o que está acontecendo com Taylor Swift ou Beyoncé. Elas estão ganhando grandes quantias não principalmente com royalties de discos ou streaming, mas com shows –o que, aliás, é normal.

Uma das lições que aprendi com Alan Krueger é que os músicos sempre ganharam dinheiro principalmente com turnês; isso era verdade mesmo durante a era do CD, quando as gravadoras estavam ganhando muito, mas repassando muito pouco para os artistas. É ainda mais verdadeiro agora, nesta era de streaming.

Porém, há apresentações ao vivo e depois há apresentações ao vivo; as vendas de ingressos para cada um dos shows de Swift devem ser de US$ 11 milhões (R$ 52,5 milhões) a US$ 12 milhões (R$ 57,3 milhões). Que tecnologia explica isso?

A resposta, se você pensar bem, é aquela tecnologia de ponta conhecida como microfone, que possibilita a um artista tocar ao vivo para dezenas de milhares de pessoas.

Para ser mais preciso, a tecnologia que o permite são os microfones e os sistemas de som contemporâneos mais avançados, que possibilitam aos fãs em shows em estádios e arenas realmente ouvir os músicos (e os próprios músicos se ouvirem); esses sistemas ainda não haviam sido desenvolvidos quando os Beatles deram seu famoso show no Shea Stadium, que foi praticamente inaudível por causa da gritaria.

Porém, eis o seguinte: turnês extremamente lucrativas de superestrelas da música não são novidade. Elas remontam pelo menos aos anos 1950 –a década de 1850, quando Jenny Lind, o "rouxinol sueco", viajou pelos Estados Unidos sob os auspícios de ninguém menos que P.T. Barnum. Lind fez 95 shows, com vendas cumulativas de ingressos de mais de US$ 700 mil (R$ 3,3 milhões), ou mais de US$ 7.000 (R$ 33,4 mil) por show.

Pode não parecer muito, e Lind recebeu consideravelmente menos que isso –P.T. Barnum levou uma grande fatia. (Swift –que também é uma ótima empresária– está recebendo mais do que a receita da venda de ingressos, porque os promotores esperam vender muitas mercadorias também).

Entretanto, os preços ao consumidor no início da década de 1850 eram cerca de um quadragésimo do que são hoje, então, em termos reais, o ingresso de Lind não foi tão trivial quanto pode parecer. (Dados aqui, infelizmente bloqueados).

Sem dúvida, até isso subestima como Lind teve êxito pelos padrões modernos. A quantia que as pessoas estão dispostas a gastar para participar de um grande evento cultural presumivelmente depende de quanto elas podem pagar, e os EUA são, mesmo ajustados pela inflação, um país muito mais rico agora do que era há 170 anos. Em termos de dólares, o PIB per capita é atualmente cerca de 600 vezes maior do que era por volta de 1850. Se ajustarmos pela renda per capita, cada um dos shows de Lind arrecadou o equivalente a cerca de US$ 4,5 milhões (R$ 21,5 milhões) hoje.

Os shows de Taylor estão levando mais que o dobro disso, mas por que não mais? Afinal, Lind se apresentava em salas de concerto que precisavam ser pequenas o suficiente para que as pessoas pudessem ouvir uma voz humana não amplificada (mas treinada). Ela está lotando estádios com capacidade para 50 mil pessoas ou mais.

Como eu disse, a verdadeira questão, sem dúvida, é porque a cantora não está ganhando ainda mais.

Uma resposta pode ser que, devido ao tamanho dos locais, os ingressos para Taylor Swift não são tão raros quanto eram os ingressos para Jenny Lind na época, embora isso seja compensado pelo fato de que a população dos EUA hoje é muito maior do que era em 1850.

Outra resposta, e suspeito que seja melhor, é que os shows ao vivo desempenham um papel mais limitado hoje do que 170 anos atrás. Naquela época, eles eram a única maneira de ouvir música, ou pelo menos música executada profissionalmente.

Hoje em dia, a música, incluindo vídeos de apresentações ao vivo, está disponível universalmente. Shows ao vivo ainda são uma experiência especial; como os leitores regulares sabem, eles são um dos meus maiores prazeres na vida. Mas atendem a um nicho menor de demanda do que antes.

De qualquer forma, além de sua música, Taylor Swift está nos dando o que pensar –um lembrete de que os efeitos do progresso tecnológico podem ser mais complexos do que você pensa e que as tecnologias mais importantes também podem não ser as que você pensa.

A coluna estará em férias rápidas. Vejo todos vocês novamente em 4 de julho.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.