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Como Taylor Swift ensinou minhas pacientes sobre a vida

Cantora, uma espécie de irmã mais velha para os adolescentes, transformou minha prática psiquiátrica no consultório

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Suzanne Garfinkle-Crowell

É uma psiquiatra em clínica privada e diretora fundadora da Academia de Medicina e Humanidades da Escola de Medicina Icahn em Mount Sinai.

The New York Times

Alguns meses atrás comecei a dizer, brincando, que estava tratando metade de meus pacientes com terapia "à base de Taylor". Muitas de minhas pacientes são meninas adolescentes e mulheres jovens.

Elas se apoiam em Taylor Swift, como se a cantora fosse uma espécie de irmã mais velha que as ajuda a enfrentar as agonias diárias de ser uma garota adolescente: as amizades inconstantes, o pelotão de fuzilamento da internet que fica ativo 24 horas por dia e, é claro, a ânsia incessante de sentir-se vista e valorizada.

Ao término de uma sessão explorando esses desafios, passei a apreciar o fato de ter Taylor Swift à mão para fazer companhia às minhas pacientes pelo resto da semana.

Taylor Swift em show da 'The Eras Tour' - @shamsyls no Twitter

Com sua turnê se aproximando, os questionamentos da terapia baseada em Taylor atingiram um ponto de ebulição. "Como vou fazer para ficar calma antes de ela subir ao palco?", "tenho que fazer a terapia a distância hoje, pois não posso correr o risco de ficar com Covid antes do show" ou "como vou voltar para minha vida normal depois que tudo acabar?"

Para ajudá-las, recorremos a todas as armas —comportamentais, cognitivas, psicodinâmicas, existenciais— e exploramos a relação dessas pacientes com a expectativa, o prazer, a autorregulação, o sofrimento.

Eu já era fã casual de Taylor. Meu marido vem colocando "Hey Stephen" para tocar há anos, quase ironicamente, e minha filha, de 9 anos, tem opiniões fortes sobre se Taylor ainda deve ficar com Harry Styles. Mas eu não conseguia entender realmente por que essa artista e esta turnê são tão poderosas —e perturbadoras.

Então comecei a ouvir. E a ouvir mais. E comecei a ficar acordada a noite inteira atualizando aplicativos para ter acesso às últimas novidades sobre o "Taypocalipse". E então fui assistir ao show com a minha filha. E agora também não consigo me acalmar.

A Taylor Swiftmania é uma euforia muito diferente do que eu sentia quando ouvia música na adolescência. É uma euforia que justifica a dor. E não é apenas a multidão de canções a descobrir, mas a própria cultura dos "Swifties" —o acesso constante à música, às notícias, ficar navegando para encontrar brindes, cumprimentar outras fãs na rua ou compartilhar canções—, uma festa que corre solta o dia todo e a noite inteira.

Quando era adolescente, eu tinha as Indigo Girls, Tori Amos e Ani DiFranco, cantoras intranquilas por dentro e ousadas e anticonvencionais por fora. Mas não havia ninguém que cantasse sua raiva usando um bodysuit cheio de brilho —ninguém que sofria como eu, mas cujo andar felino e autoconfiante era capaz de me fazer ficar mais ereta e altiva.

Minhas cantoras ficavam sentadas do lado de fora da festa e se queixavam com você, mas, quando você se munia de coragem para entrar, elas não te acompanhavam, prontas para encarar. Taylor não te força a fazer uma escolha, porque ela é ao mesmo tempo a pessoa de sorte que você quer ser e a anti-heroína que você é por dentro.

Quem é um swiftie? Minhas pacientes que são swifties compartilham certas qualidades. Criada à base de uma dieta saudável de bondade e justiça, swifties são sensíveis, ambiciosas e um pouco perfeccionistas. Como Taylor, se vestem para ser bonitos e cools (às vezes por vingança), mas por dentro sofre com dores de todo tipo. Sua insegurança perpetua um círculo vicioso.

Swifties são esforçadas, trabalham duro e se frustram. Se pergunta se chegaria lá mais rápido se fosse homem. Loucas para vivenciar o amor, elas já tiveram seus momentos de suplicar a Romeu para simplesmente dizer sim ou de tolerar ser maltratada em alguma situação ou relacionamento. Você disse que precisava de espaço —como assim?

Mas mesmo com tudo isso, as swifties se esforçam para ser uma Cinderela moderna que não se lembra se tem um homem. Elas veem em Taylor Swift uma heroína real que as encontram onde elas estão, mas também lhes mostra o lugar poderoso onde pode chegar —tão inebriante exatamente por estar a seu alcance.

"O que Taylor Swift faria?" é uma frase repetida com frequência por minhas pacientes. Os adolescentes sofrem por muitos motivos. Um deles é por serem frágeis e estarem em formação. Outra é por serem cercados de pessoas que também são frágeis e estão em formação.

Taylor Swift articula não apenas a traição do bullying, mas também a crueldade que fica apenas um pouquinho aquém disso e que é ainda mais onipresente: maldade, exclusão e ghosting intermitente. Ela fala: empreste minha força, abrace sua dor, faça algo belo com ela e depois você pode se livrar dela.

Taylor Swift em show em Arlington, no Texas - Suzanne Cordeiro - 31.mar.23/AFP

Mas o que é único nesta artista, neste tempo, é o acesso que ela criou a uma comunidade coesa, especialmente para a geração da pandemia, cujos vínculos sociais ficaram tragicamente enfraquecidos e para quem as coisas oferecidas pela internet assumiram um papel central.

Seja o que for que a incomoda, a poeta oficial desta geração tem uma canção em algum lugar de sua mega obra descrevendo essa emoção precisa. Ela não vai resolver o problema que você está vivendo, seja qual for, mas vai sentar-se ao seu lado para encará-lo até que a passagem do tempo surta seu efeito.

A adolescência provoca você a explorar e representar repetidas vezes quem você pode ser, e o tema "Eras" da turnê atual de Taylor eletrifica esse processo. O MetLife Stadium, próximo a Nova York, foi um bacanal de identificação em massa.

Uma celebração daquela garota onipresente que se sentia invisível até haver 83 mil pessoas, brilhando desde a minissaia até a pulseira, iluminando o céu noturno e se perguntando: em que era estou agora? Quem eu era no ano passado? Qual é a parte de mim que está emergindo, ganhando complexidade?

As eras oferecem uma trajetória de desenvolvimento tranquilizadora que inclui todas. Você pode se produzir como uma garota festeira de 1989, mas todos entendem que você também está de coração partido, está furiosa, sabe perdoar e é corajosa.

Vamos todas acabar nos acalmando, mas por enquanto estou curtindo esse sonho febril, essa intranquilidade e insônia, além dessa perda de foco sobre qualquer outra coisa. Às vezes é bom se deixar ser perturbada, ser um pouco menos produtiva, ficar em um lugar encantado o máximo que puder, especialmente quando há alguém novo em sua vida que lhe mostra cores que você não enxerga com mais ninguém.

Minhas pacientes têm sua profissional dedicada que as ouve por 45 minutos por semana e as ajuda a identificar sentimentos complexos e padrões que não ajudam. Mas poucas adolescentes têm acesso a esse tipo de apoio.

É confuso ser humano e ser mulher, e fico feliz, tanto por minhas pacientes quanto para sua comunidade grande e cintilante, que elas têm uma pessoa tão articulada, generosa e presente com quem conversar.

Tradução de Clara Allain

Tradução Clara Allain

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