Pedro Luiz Passos

Empresário, conselheiro da Natura.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Pedro Luiz Passos

Capitalismo de compadrio

Os desmandos nas relações público-privadas levaram as contas públicas à ruína

Pouco a pouco o complexo mapa de favorecimentos com que o setor público brinda segmentos privados e grupos profissionais específicos à custa da eficiência da economia e do bem-estar social vai ganhando contornos claros e precisos.

Tais benefícios se traduzem em benesses de toda ordem, incluindo acesso a capitais subsidiados, o usufruto de incontáveis desonerações fiscais e as mais variadas vantagens à elite do funcionalismo público, como aposentadorias, pensões e auxílios para lá de generosos.

O resultado é visto a olho nu e está na raiz da crise econômica que aprisiona o país: um Estado inchado, disfuncional e incapaz de arcar com tantas e caríssimas regalias aos "donos" desse mesmo Estado.

Nesse contexto, vem em muito boa hora a segunda edição do livro "Capitalismo de Laços", de Sérgio G. Lazzarini, professor do Insper.

A edição anterior, de 2010, teve grande repercussão.

A partir de sólida formulação teórica associada a uma base de dados bem trabalhada, o autor expôs a extraordinária evolução no uso das relações de compadrio para explorar oportunidades de mercado e influenciar decisões em benefício de interesses privados, o que, em resumo, caracteriza o que ele chama de "capitalismo de laços".

Isso se deu a despeito de uma conjuntura que sinalizava o início de uma tímida inserção internacional, indicando que a economia trilharia uma trajetória mais liberal, impulsionada ainda por privatizações, ingresso de fundos estrangeiros e uma onda de aberturas de capital de empresas após 2004.

Nada disso, porém, apresentou fôlego suficiente para uma virada significativa no modelo econômico do país.

Nosso capitalismo de laços "tornou-se, surpreendentemente, ainda mais forte", sobretudo por causa do gigantismo de agências de crédito ao setor privado, como BNDES e fundos de pensão das estatais.

O intervencionismo do governo de Dilma Rousseff (PT) intensificou esse movimento, abrindo espaço para um jogo de pressões políticas que influenciou estratégias empresariais, fomentou a corrupção e elevou exacerbadamente os subsídios concedidos pelo setor público.

Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior participam da apresentação de projeto do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em Brasília - Alan Marques/Folhapress

Em síntese, pavimentou o caminho para a ruína das contas do governo.

Para reverter esse quadro, propõe Lazzarini, é fundamental racionalizar os gastos públicos, impor acurado acompanhamento das estratégias de apoio setorial e blindar a burocracia de Estado, as agências de fomento e os fundos de pensão contra o assédio de grupos de interesse.

Uma sugestão adicional, a nosso ver, seria promover uma ampla abertura do mercado brasileiro para bens e serviços.

Lazzarini alerta que a modernização da economia não virá de guinadas radicais das políticas que orientam a ação do Estado e, sim, da implantação gradual e resoluta de um conjunto de reformas.

É um futuro que só se concretizará a partir de um processo de renovação política e de uma atitude mais exigente e vigilante pela sociedade.

O autor conclui: "Crucial será estabelecer novos incentivos para que as relações público-privadas se tornem mais transparentes e sinérgicas, sob a condução de múltiplas lideranças questionando umas às outras e colocando freios aos seus próprios excessos e interesses particulares".

Só assim vamos superar a inoperância do Estado.

Seu mais recente e trágico exemplo foi o incêndio que dizimou o magnífico acervo e o prédio do Museu Nacional no Rio de Janeiro.

As imagens do palácio de 200 anos consumido pelas chamas são um triste símbolo do Brasil de hoje.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.