Por Raull Santiago
Eu me chamo Raull Santiago, tenho 31 anos e me dedico a lutar por direitos, respeito e vida para pessoas que vivem a mesma realidade que eu, morar em uma favela ou periferia do Brasil. No meu caminhar carregado do sobreviver, fiz e faço parte de alguns grupos. Um deles é o que me traz a este momento com vocês, o Perifa Connection, que ocupa este espaço na Folha —e por aqui nos veremos mais vezes.
Hoje vou escrever sobre uma vivência recente e projetos dos quais faço parte. A partir das próximas publicações, aprofundaremos muitos dos temas que veremos a seguir.
Da silva que sou, filho do Ademir paraibano e da Maria carioca e cria do Complexo do Alemão, cresci um favelado convicto e com orgulho, que desde criança aprendeu o que é violência, desigualdade e dor, mas também potência, coletividade e criatividade, tudo no mesmo espaço em que vivo.
A partir da favela, transformei desigualdade em luta, me tornei antirracista e passei a usar minha voz como ferramenta de denúncia dos resultados da ausência de um estado de direito pleno. É desse lugar o meu proceder, é onde tenho amor e por onde eu quero sonhar.
Pois bem, no dia 30 de janeiro, eu era o único ativista brasileiro num time de 20 ativistas do mundo, lançando uma campanha global, chamando atenção para a importância da década dos Objetivos Globais do Desenvolvimento Sustentável. E, no dia 19 de fevereiro, eu estava sendo detido e preso pela polícia do Batalhão de Choque do Rio de Janeiro, na avenida Brasil.
Enquanto isso, alguns dias depois a rotina da realidade de um país historicamente racista, desigual e violento contra populações específicas me encontra mais uma vez.
No último dia 19, meu aniversário, fui levado junto com um amigo por policiais do Batalhão de Choque por filmar uma abordagem violenta da polícia contra outros dois amigos meus, que eram humilhados no meio da avenida Brasil —pelo simples fato de estarmos saindo de moto de uma favela ali do entorno, o Complexo da Maré.
Ricardo Fernandes e Tiago Purificação foram abordados de forma violenta, colocados sentados no chão e ficaram muitos minutos sob domínio dos policiais, mesmo já tendo apresentado documentação e sem que fosse comprovada nenhuma ilegalidade. Mais minutos depois, percebendo que aquela abordagem já ultrapassava níveis de arbitrariedade, me aproximei filmando para questionar o fato. Foi quando a violência se voltou contra mim, e, assim, junto com os meninos, fui detido e levado à delegacia.
“Três motos com garupa saindo de uma favela, vocês queriam o quê?”, disse um dos policiais, contextualizando e atualizando a certeza de que naquele lugar, somos todas e todos suspeitos e potenciais criminosos, em uma sociedade que tenta nos cercear, enquanto usufrui de privilégios vindos dessa exploração perpetuada a cada silêncio ou concordância com a fala padrão do policial.
Enquanto isso, na Lapa, último dia 23, o professor de teatro Lucas Nascimento foi agredido e preso por policiais, pelo mesmo motivo da minha detenção dias antes, filmar uma abordagem policial. Meus amigos e eu, quando detidos, fomos para a delegacia e algumas horas depois conseguimos ser liberados por um grupo de advogados do Projeto Liberdade. Lucas chegou a virar a noite preso e foi encaminhado para a audiência de custódia, perdeu alguns direitos (pelo simples fato de estar tentando garantir direitos) e foi solto. Ele terá que ficar assinando mensalmente em juízo.
Eu, como ativista, tive uma rede rápida que conseguiu se articular em meu favor. Lucas, como professor, conseguiu chamar atenção para seu caso e, um dia depois, sair da prisão. Mas quantas juventudes são humilhadas diariamente, agredidas, presas, violadas de todas as formas e não têm uma estrutura de articulação como a que conseguimos? Simplesmente pelo fato de serem juventude negra, periférica ou de favela. Isso acontece o tempo inteiro e é o grande caos da nossa geração. Um absurdo tamanho.
Saindo do Rio de Janeiro e abrindo um leque nacional, podemos ver que, pelo Brasil e em pleno carnaval, relatos diversos e vídeos que surgem aos montes, chamam atenção para a barbárie dos abusos de autoridade de policiais —que, se achando superior às leis, aos direitos e apoiados pelo discurso retrógrado do agora, violam pessoas aos montes e de todas as formas.
Isso se chama injustiça, racismo, desigualdade, violação de direitos humanos e sustenta uma minoria privilegiada que, sem ter noção nenhuma da realidade de ruas, becos e vielas de favelas, periferias, subúrbios, quilombos e aldeias do país, acham certo que a segurança que deveria ser pública atue como privada, violentando pessoas específicas de forma gratuita e descarada.
E por isso e por fim, ao menos nesta publicação, compartilho aqui trabalhos locais e nacionais do qual tenho orgulho de fazer parte, na tentativa de construir um Brasil justo, antirracista, menos desigual e de direitos para todas as pessoas.
Coletivo Papo Reto: Instituição social do Complexo do Alemão, com parcerias no Brasil e internacionais, que usa a comunicação como ferramenta central para tentar garantir direitos humanos, denunciar violações desses direitos, trabalhar potência e memória na favela, pressionar por melhores políticas públicas e redução da violência.
Movimentos: drogas, juventude e favela: Coletivo com sede no Complexo da Maré que discute uma outra política sobre drogas a partir da própria favela, pensando saúde, direitos, o racismo existente na guerra às drogas e outras questões urgentes relacionadas a esse tema, através da educação, cultura e comunicação.
Anistia Internacional do Brasil: Movimento global que atua para proteger Direitos Humanos no mundo; faço parte da sua assembleia de membros aqui no país.
Descomplica Social: Braço social da rede de educação online Descomplica. Nosso objetivo é levar acesso à educação pelo Brasil, para quem não pode pagar por cursos online.
Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes: Sou pesquisador, e atuamos na área de política sobre drogas, segurança pública e justiça criminal.
Instituto Identidades do Brasil: Sou embaixador nessa organização que tem seu foco na promoção da igualdade racial no país.
Favela e ODS: Trabalho para, a partir da favela, conseguir organizar pessoas e mobilizar ações locais com foco na garantia dos Objetivos Globais para o Desenvolvimento Sustentável.
Que possamos encontrar a trilha que se tornará o caminho por onde seguiremos rumo à democracia real, que alcance os locais onde antes não estava presente, enquanto resistimos a esse hoje, do qual a história lembrará como o tempo sombrio de um Brasil que sangrou seu povo, sua floresta e suas populações ancestrais, em nome da privatização e do fascismo.
Raull Santiago é jornalista, produtor de documentários, produtor cultural, empreendedor social e ativista.
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